sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

VOCÊ JÁ VIU UM AFIADOR DE FACAS. EU VI O ÚLTIMO, ACHO




Na manhã de sol, céu azul e pássaros, um velho afiador de facas empurra sua geringonça pela minha rua. Meu Deus o que faz aquele homem com aquilo, tocando aquele apito estranho na minha rua?
Ele não sabe que é um perigo, uma ameaça, surgir assim em plena manhã ensolarada? A poesia súbita, assim, pode matar alguém.
Menos mal, então, por um lado, que ninguém notou o verso vivo ali, pulsando ali, escancarado ali na calçada da minha rua. Mas por outro lado, que pena que ninguém percebeu o afiador de facas. Nenhuma criança se aproximou de sua geringonça e ficou com aquele olhar entre o espanto e a curiosidade. Pudera, nenhuma criança estava na rua, nenhuma brincava ao sol, todas eram iluminadas pelas telas dos celulares, tvs, notebooks , tablets. Nenhuma das pessoas que passavam pelo afiador dedicava-lhe mais do que meio segundo de olhar, aquele olhar meio de lado, quem sabe até com um pouco de medo do velho e seu estranho equipamento. “Hum! sei não, alguém que afia facas deve ter algo de perigoso”, quem sabe até pensavam. Pior: nenhum morador da minha rua notou o afiador de facas sequer como afiador de facas. Se tivessem notado aquele velho empurrando aquele aparelho que afia facas, poderiam pelo menos cortar mais rápido o pão da manhã e assim sair mais rápido pra rua em busca do pão do dia seguinte.
(E ele deve ser o último afiador de facas que eu vejo na minha rua, quem sabe na minha vida).
Triste que os moradores da minha rua não devem nem ter notado direito a manhã de sol, o céu azul e os pássaros. É como se o sol, aquele sol; o céu, daquele tamanho e cor; e aquela passarada saudando enlouquecidamente a vida, estivessem só na minha rua, não na deles.
Poxa, mas se eles não notaram a poesia do dia, como poderiam ter notado a poesia da vida? E você que me leu até aqui, me diga há quanto tempo não vê um afiador de facas, se é que viu? E há quanto tempo não é assaltado pela poesia?, por aquela sensação súbita de boniteza e sensibilidade, que pode vir pela aragem que entra na sua vida ao abrir a janela, ou na forma de uma folha seca que pousa no seu colo? Ou ainda pode chegar por aquela nuvenzinha sozinha correndo atrás das grandonas... ou por aquele pedreiro que canta uma música muito chata, mas que soa tão linda porque a poesia vive em você?

Aliás, a poesia vive em você? Talvez seja hora de você dar uma olhada nas suas facas.

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