Na
manhã de sol, céu azul e pássaros, um velho afiador de facas
empurra sua geringonça pela minha rua. Meu Deus o que faz aquele
homem com aquilo, tocando aquele apito estranho na minha rua?
Ele
não sabe que é um perigo, uma ameaça, surgir assim em plena manhã
ensolarada? A poesia súbita, assim, pode matar alguém.
Menos
mal, então, por um lado, que ninguém notou o verso vivo ali,
pulsando ali, escancarado ali na calçada da minha rua. Mas por outro
lado, que pena que ninguém percebeu o afiador de facas. Nenhuma
criança se aproximou de sua geringonça e ficou com aquele olhar
entre o espanto e a curiosidade. Pudera, nenhuma criança estava na
rua, nenhuma brincava ao sol, todas eram iluminadas pelas telas dos
celulares, tvs, notebooks , tablets. Nenhuma das pessoas que passavam
pelo afiador dedicava-lhe mais do que meio segundo de olhar, aquele
olhar meio de lado, quem sabe até com um pouco de medo do velho e
seu estranho equipamento. “Hum! sei não, alguém que afia facas
deve ter algo de perigoso”, quem sabe até pensavam. Pior: nenhum
morador da minha rua notou o afiador de facas sequer como afiador de
facas. Se tivessem notado aquele velho empurrando aquele aparelho que
afia facas, poderiam pelo menos cortar mais rápido o pão da manhã
e assim sair mais rápido pra rua em busca do pão do dia seguinte.
(E
ele deve ser o último afiador de facas que eu vejo na minha rua,
quem sabe na minha vida).
Triste
que os moradores da minha rua não
devem nem ter notado direito a
manhã de sol, o céu azul e os pássaros. É como se o sol, aquele
sol; o céu, daquele tamanho e cor; e aquela passarada saudando
enlouquecidamente a vida, estivessem só na minha rua, não na deles.
Poxa,
mas se eles não notaram a poesia do dia, como poderiam ter notado a
poesia da vida? E você que me leu até aqui, me diga há quanto
tempo não vê um afiador de facas, se é que viu? E há quanto tempo
não é assaltado pela poesia?, por aquela sensação súbita de
boniteza e sensibilidade, que pode vir pela aragem que entra na sua
vida ao abrir a janela, ou na forma de uma folha seca que pousa no
seu colo? Ou ainda pode chegar por aquela nuvenzinha sozinha correndo
atrás das grandonas... ou por aquele pedreiro que canta uma música
muito chata, mas que soa tão linda porque a poesia vive em você?
Aliás,
a poesia vive em você? Talvez seja hora de você dar uma olhada nas
suas facas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário