terça-feira, 25 de novembro de 2008

Terminou a Bienal do Livro. Quando acaba o livro?

Terminou a Bienal do Livro em Fortaleza. Na outra semana encerrara a Feira do Livro de Porto Alegre. E sempre que se fala a sério sobre livro, hoje, não se pode deixar de lado a questão do futuro dele e, conseqüentemente, o futuro das feiras e bienais do setor livreiro. Recentemente estive em Rio Branco, no Acre, para um congresso e numa mesa redonda onde eu estava, surgiu o papo do fim do jornal impresso (era um encontro sobre jornalismo na UFAC – Universidade Federal do Acre). Como eu acredito no fim do jornal impresso e vejo até pontos positivos nisso, tive uma pequena polêmica com os que não aceitam e/ou não acreditam nisso, e daí, também no fim do livro. Aqui, quero aproveitar o lançamento durante a Feira de Porto Alegre da primeira editora exclusivamente digital do Brasil – a Plus -, para reproduzir um texto feito sobre ela e a questão do livro, e provocar reflexões. O texto eu capturei do blog de Carlos Augusto Brum, no jornal Zero Hora, e vale a pena conferir aí embaixo na íntegra.



“NA Feira do Livro vai se encaminhando para seu final - hoje é sexta-feira, domingo acaba, e agora já nos vemos correndo até as bancas tentando abocanhar os últimos exemplares dos amigos que nos acompanharão até a 55ª. Não há momento mais pertinente do que esse para pensarmos no futuro da Feira - e não o futuro imediato, mas no longínquo.
Nessa quarta-feira assisti à palestra “The book was on the table”, que comemorava o lançamento da Editora Plus (clique aqui para ver o site), a primeira editora puramente digital do Brasil. Para explicar melhor, Juremir Machado da Silva, Marcelo Träsel e Francisco Menezes Martins discutiram sobre o possível futuro do livro impresso, e como isso afeta o maior evento editorial do Rio Grande do Sul.
Para Menezes, o próprio título da palestra já diz bastante: é uma paródia da frase “o livro está sobre a mesa” – o “the book is on the table” usada como bê-á-bá do ensinamento do inglês faz séculos – e o transforma naquilo que a editora aposta: "o livro estava na mesa, mas agora saiu de lá e está dentro do notebook. O notebook, por sua vez, não está necessariamente na mesa, mas em qualquer lugar", explica. É aquilo que Träsel chama de “virtualização do livro”, onde o conhecimento pára de ser reconhecido apenas no papel e toma uma forma mais fácil de divulgar. Afinal, o papel não é apenas ecologicamente incorreto – ele também é pesado, difícil de transportar, suja, estraga, é difícil de pesquisar, ocupa espaço... Enquanto você pode levar para ler no veraneio três livros na sua maleta, você pode levar três mil livros no seu iPod. Olhando por esse lado, realmente, os e-books ganham dos tradicionais livros, ao menos na logística.
Träsel explica que o mundo já está ao nosso alcance através de uma tela, mas algumas pessoas não gostam. Os últimos preconceitos do consumidor, porém, devem sumir: eventualmente serão eliminados os problemas fisiológicos, participativos e distributivos. O problema fisiológico é que ler no computador cansa – afinal, a tela emite luz, enquanto o papel reflete luz. Porém, já existem nos Estados Unidos telas com a capacidade de agredir o olho humano tão pouco quanto uma folha de papel – o que resolve o problema. O problema participativo é aquele “mas eu gosto de ter livro para poder riscar”. Quando a tecnologia do livro como bytes for implementada, os leitores serão também editores, e você poderá riscar e anotar tanto quanto em uma folha. O último problema, o problema distributivo, também promete sumir – e sumirá quando a conexão wireless estiver distribuída em toda cidade. Quando esses três últimos problemas sumirem, Träsel acredita que o papel deixará de ser importante.
Juremir Machado, porém, vai mais longe: o papel não apenas perderá sua importância, mas ele será tão perseguido quanto o tabagismo é hoje em dia. O papel sumirá, disso não se duvida – "hoje discutir com os defensores do papel é como discutir com os homens da caverna que preferem pedra", disse o jornalista-professor-escritor. Juremir fala de algo que sabe – afinal, ele vê a diferença entre o Jornal Impresso da FAMECOS e o Jornal Digital da FAMECOS. O primeiro só ocupa espaço, dá trabalho e gasta dinheiro, enquanto o segundo é mais versátil, abrangente e fácil de fazer. "Fazer uma enciclopédia hoje é burrice, por exemplo. Por que alguém vai querer imprimir a Wikipedia?", explica: "A PUCRS agora decidiu que vai imprimir todos os documentos da Revolução Farroupilha. Não sei porquê! Seria melhor ficar digital mesmo. Imagine eu, querendo fazer uma pesquisa sobre as ocorrências de negros na Revolução. Eu posso ir lá nos documentos impressos, ler, ler, ler tudo, e anotar ocorrência por ocorrência. Ou eu posso olhar o digital, clicar em ‘buscar’ e ver automaticamente quantas vezes ocorre a palavra ‘negro’ no documento. Qual é mais fácil, prático e eficiente? Em qual dos dois não há margem para o erro?"
Juremir, Träsel e Menezes ainda discutiram sobre as possibilidades de lucro em tal negócio, mas sem apontarem uma boa resposta: nesse ponto o negócio ainda engatinha. Juremir apontou a eventual mudança da figura do escritor, que deixará de viver pela venda dos livros e começará a viver do lucro dos 'shows' e participações que realiza – algo como os músicos fazem hoje com o advento do Mp3. É um mercado em mutação, que precisa ser acompanhado.
Pessoalmente, me senti em uma palestra de vanguarda. Escutei com atenção e absorvi o quanto pude, achando tudo muito interessante e novo – senti-me como um homem que, cansado de andar de cavalo, ouve Henry Ford falar em 1905 sobre um tal de ‘automóvel’ e acha o máximo. Fiquei realmente fascinado pela possibilidade da informação circular de tal maneira tão leve e contagiosa. Seria uma honra viver para ver um mundo tão fluído e informado.
Porém, minha opinião sobre o futuro é a mesma de sempre: não cabe a nós dizer. Hoje em dia, por exemplo, é dificílimo encontrar alguém jovem que prefira a maquina de escrever ao computador – quase toda geração atual nasceu com um mouse na mão, e não faz idéia de como colocar uma fita numa máquina de escrever. Apenas a geração seguinte (formada por esses fedelhos aí) poderá dizer o que farão do papel, da informação, da impressão, da comunicação. Esses já nasceram mexendo no Google e sabem HTML, então o mundo-que-aí-vem é mais deles do que nosso.
Ano passado, na 54ª Feira do Livro, eu assisti a uma palestra sobre o rádio, onde Jaime Copstein contou uma história: “quando eu era bem pequeno, achei a máquina de escrever do meu avô. Nunca tinha visto antes, e muito menos tocado – era uma novidade. Vi que o vô não tava perto e fui usá-la. Procurei o J. Achei o J. Cliquei no J. Procurei o A. Achei o A. Cliquei no A. Quando fui procurar o I, meu avô entrou na sala, furioso: ‘Jaime, guri! Sai de perto dessa máquina de escrever!’ e eu, sem entender nada, quis saber o porquê: ‘se tu escrever na máquina vai estragar a tua caligrafia!’. O medo dele era que teclar fosse estragar minha letra escrita à mão. Hoje sabemos que isso é um medo infundado. Quando vejo um jornalista velho como eu reclamar dos novos e rápidos meios de comunicação – que eu não entendo nada –, vejo novamente meu vô me correndo da máquina de escrever pra não estragar minha caligrafia. Jovens, façam o que vocês acharem melhor, o mundo é de vocês.”
A Editora Plus é a primeira editora puramente digital do Brasil. Como Juremir Machado disse, "espero poder estar na comemoração de 100 anos da Editora Plus". Porém, o fracasso ou o sucesso da Editora Plus certamente não representarão plenamente o fracasso ou o sucesso desse novo advento do conhecimento, mas sua existência já é um sinal da possibilidade de mudar, de avançar, de evoluir. E isso é, no mínimo, excitante.”

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

mulher em pose vulgar vende bolsa pra mulher (?)


Andar pela cidade é ser atingido por algumas das mais belas mulheres que a natureza produziu e que a publicidade tratou de selecionar para ajudar a vender seus produtos. Que a mulher é excelente vendedora não é novidade. Compradora, também. Mas nesse mar de outdoors em que o capitalismo nos mergulha e, que, pela saturação de tantas imagens a gente quase nem percebe nada, algumas peças acabam chamando a atenção. Mais pelo mau gosto do que pelas qualidades. O anúncio da Top Couros é um deles. Tão feio, tão vulgar, que perguntar carece: será que alguma mulher se motiva a comprar aquela bolsa, ou outra bolsa da mesma marca? Porque vejamos, o que acontece na publicidade de gênero, no caso a voltada para a mulher, é um processo de identificação, ou projeção. Quer dizer, a mulher se vê naquela mulher da propaganda. Diferente da mulher usada em um comercial de carro dirigido para um público masculino e que faz com que o homem queira aquele carro porque junto vem aquela mulher, ou as outras mulheres que se encantarão com o carro dele, e, por tabela, com ele. Porque a potência do carro é a potência dele. O preço do carro é o dinheiro que ele tem.
Bem, mas então a pergunta é: as mulheres que vêem uma propaganda como essa da Top Couros, se identificam com aquela pose? Querem ser aquela modelo? Vão comprar aquela bolsa?
Lipovestky diz no livro A terceira mulher que a mulher do século XXI está mais na dela do que na dos homens, quer dizer, ela busca nas roupas e acessórios muito mais uma coisa, um sentimento, para-a-moda do que um para-o-desejo- masculino. Isto é, hoje, a mulher busca a beleza mais para satisfazer a si mesma. Primeiro, bonita e gostosa para ela mesma. Depois, para as outras mulheres, eternas e odiosas concorrentes; depois, para os pobres homens. Pobres homens que querem ser ricos para comprar os carros das propagandas e assim comprar as mulheres, transferindo a potência de motores medidos em cavalos para os seus frágeis e tímidos pintos.
Lembram quando a Juliana Paes surgiu bem mais magra para a gritaria indignada dos machos? Ela disse que não queria ser a gostosona, que se gostava magra; ela se fez magra para ela e para as outras mulheres. Porque todas querem ser mais magras. Como disse o Jô Soares, todas (que estão ótimas) querem perder dois quilos. Quem ama a Gisele Bündchen são as mulheres. Homens amam mulheres-melancias, mulheres-melões, mulheres-qualquer-coisa-com-sustância.
Lipovestky diz em outro trecho que “... a manequim, com suas linhas ‘cabide’ é um espetáculo destinado a seduzir prioritariamente as mulheres... São elas e não mais os homens que, em nossas sociedades, constituem o público mais atento às figuras emblemáticas da sedução feminina”. Com a manequim afirmam-se valores, critérios de beleza que estão muito distantes do mundo masculino, muito longe da visão do homem do que é ser uma mulher sedutora. Para Lipovetsky “é um reconhecimento do ponto de vista das mulheres”.
Essa mudança toda se deu na conseqüência lógica de uma sociedade de consumo cada vez mais centrada no lazer, no prazer, na individualidade. A nova cultura “desvalorizou um modelo de vida feminina mais voltada para a família do que para si mesma, legitimou os desejos de viver mais para si e por si”. A mulher vai para o trabalho, conquista sua individualidade, constrói seu prazer. E aqui não estou julgando se isso é bom ou ruim, ou o que isso tem de bom e de ruim.
Se é assim como Lipovestsky nos coloca, então a campanha da Top Couros está completamente equivocada. Colocando uma mulher, e uma mulher coxudona, gostosona, de pernas abertas numa posição vulgar - não seria mesmo vulvar? – o outdoor atrai quem? O modelo de modelo das mulheres não é esse. A pose “sedutora” não provoca a identificação feminina, porque elas querem se ver elegantes, charmosas, independentes e não esse tanto de vulgar e, indiretamente, falando aos homens. Já esses olham e gostam, claro, chegados que são - somos - num escracho e numa baixaria.
Donde concluir: publicitários, alunos de publicidade, estudai mais a sociologia, a antropologia da coisa. Olhai o mundo em que vivem, mas com olhos de quem o vê pela primeira vez. Sabe aquela disciplina chamada Semiótica? Pois é, o mundo, no caso as mulheres, falam e vocês não estão sabendo ler. Pelo menos os que fizeram esse anúncio. Como bem colocou nosso guru Mcluhan, seguimos para o futuro olhando pelo espelho retrovisor. As mulheres mudaram, meus caros, e vocês não sacaram. Se nem as propagandas de calcinhas e sutiãs apelam mais para esse lado sedutor e falam de conforto, beleza e liberdade para a mulher, uma publicidade de bolsa vai fazer isso de colocar a coitada da modelo lá de pernas abertas numa angulação até difícil, para seduzir a mulherada a comprar? Sem falar na cara da modelo – uma expressão séria, quase carrancuda, que não combina com a oferta insinuada pela tal abertura.
Mas aqui falando apenas como homem que anda pela cidade e encara aquele mulherão de pernas abertas de frente pra mim, mesmo com cara de raros amigos - ao invés de 'caros amigos' -, só posso dizer: let it be. Sem devaneios e vendo por uma ótica exclusiva e absolutamente masculina, digo: mandem logo outro outdoor tão ruim, tão deliciosamente ruim quanto esse.