sexta-feira, 21 de maio de 2010

Bêbado de mim (ou, ‘rerelendo’ Pessoa)

Eu já tinha passado da cota e da conta. O que é mais ou menos normal. O que não é normal era eu ficar assim, 6h30min, diante do mar, sentado ao sol que urge e surge, com raiva de mim. Mas dessa vez o copo revelou um lado meu que eu desconhecia. Geralmente bebo e fico bobo, apaixonado, filósofo de botequim. Pego papel e escrevo poemas tolos pra mulher lá do fundo do bar - que nunca vou mandar, que nunca vou falar. Ou incorporo Vinicius de Moraes e começo a recitar poesias apaixonadas pra grande amada, real ou inventada. Ou me quedo em divagações sobre tudo e nada, o tudo que são as mulheres e seu mundo mágico e impenetrável e o nada que sou eu diante desse mistério todo que é a vida. Mas dessa vez fui levado pro mar, não sei por que forças. E lá estava eu, diante do mar, sentado ao sol, 6h30min, com raiva de mim. Eu tava me odiando. Tudo bem, eu tinha bebido demais, mas tava me odiando.
Senti pela primeira vez uma raiva tamanha de mim, que tinha vontade de me bater. Então como eu podia amar assim? Então como eu podia entregar a outra pessoa o direito sobre a minha paz, sobre a vontade do meu riso? Como eu podia permitir que alguém que não vai estar no meu futuro, que já estava no meu passado, estragasse assim o meu presente? Então ali, diante de um espetáculo tão majestoso como o mar e aquele sol e aquele céu, como eu podia estar achando a vida sem graça, viver um porre, literalmente, e que amar era uma porcaria? Então ali olhando para aquele ponto mágico onde céu e mar se encontram e que a gente sempre diz pras crianças que depois dele é a África, aquele ponto por onde tantos já viajaram se perguntando se depois dele não vem o fim do mundo mesmo, como eu podia estar ali diante daquilo tudo, pensando que nada valia a pena e que eu era uma grande cacaca sentada na areia? Culpa do amor, pensei. Mas não era culpa do amor. Era culpa do amar. Do meu amar. O amor é lindo, é puro, ele só existe. Era culpa do meu amar a pessoa errada. Mas não existe a pessoa errada. Se eu amei essa pessoa ela era a pessoa certa pra eu amar, senão não amaria. As outras todas que eram as pessoas erradas pra eu amar.
Eu é que não sei amar, pensei, com raiva de mim. Amo sempre demais. Mas se eu não sei amar, como posso amar demais?
Nosso amor era impossível, filosofei com o copo. Mas não existe amor impossível, se ele existe é porque é possível. Ela não me merece, expliquei pras ondas. Mas que tão maravilhoso sou eu, confuso, só e com raiva de mim sentado na praia às 6h30min, depois de vagar a noite por bares atrás dela, para achar que alguém não me merece? Que tão maravilhoso sou eu, que estou me achando fuleragem, para achar que amor tem merecimento? Todo mundo merece amar e ser amado. Todo o mundo merece todo o amor do mundo.
Eu estava bêbado ainda. Mas agora entendo que mais estava era bêbado de mim, encharcado de mim, desse egoísmo de achar que o mundo tem que me entender e dar bola, que os outros não me merecem e tal. O mundo não tem que dar bola pra mim, logo pra mim, que não dou a menor bola pra ele, se não nascemos um pro outro. . . Como disse Fernando Pessoa

Eu tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas...


Arre! estou farto de mim. Eu me mereço! Eu, o centro do mundo, o umbigo maior do que o corpo. O incompreendido. O injustiçado. O sacaneado. Bleahhh! Estou farto disso. Não sou essa bola toda. Queria ser outra pessoa pra não ter que me agüentar. Bêbado de mim. Enjoado de mim. Cheio de mim. E o pior ainda pela frente – a ressaca de mim. Afinal eram 6h30min e o dia estava lindo. Pros outros. E começando, com todo o seu peso, pra mim. Sem ressaca, decidi. Garçom!!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

As delícias do trânsito de Fortaleza

Existe um lugar em Fortaleza que está se transformando num novo ponto de encontro de amigos: é o sinal, também chamado sinaleira, ou ainda semáforo. Cada dia mais e mais os amigos se encontram por ali. Encontro involuntário, é bem verdade. Mas vejamos pelo lado positivo. Ontem mesmo vi dois executivos que pararam lado a lado, se olharam, abriram os vidros blindados dos seus tanques de guerra e começaram um papo alegre, descontraído e... longo. Pois veja, o trânsito está tão camarada que até está sendo possível botar o assunto em dia, com as perguntas de sempre e suas variáveis: E daí, como vai? O que anda fazendo? Tem visto o Paulo?
E por aí vai. Dá tempo até pra surgir aquele branco na conversa, com aquela espiada no sinal pra preencher o vazio. “Rapaz, esse trânsito tá uma loucura!” “Que coisa,né?”
Lembra aquela música de Paulinho da Viola, ‘Sinal Fechado”, onde dois sujeitos se encontram e mantém um papo rápido? Só um pedacinho:
Olá, como vai ?
Eu vou indo e você, tudo bem ?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você ?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
...
Quando é que você telefona ?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe ?
Quanto tempo... pois é...

Isso é passado. Agora dá pra esticar o assunto até ficar sem ele. Veja que coisa boa que o progresso fez por nós. Os organizadores da cidade devem ter pensado assim: “Rapaz, esse tempo louco que a gente vive, correndo pra lá e pra cá, merece uma atenção. Vamos promover uma parada nisso, vamos proporcionar encontro entre as pessoas. Sem viadutos, sem túneis. O semáforo é ótimo pra isso”. E assim se fez. E assim se faz. Ponto para a comunicação.
Existe um outro lugar em Fortaleza que está virando point da mulherada. Lugar de conferir o visual, arrumar cabelo, retocar a maquilagem... É o semáforo seguinte. Ontem à noite tinha na reunião na FA7. Quando a coordenadora chegou estava toda produzida, maquiagem com cheirinho de nova. “Coisas do trânsito, meus queridos colegas. Cada parada uma retocada e olha o resultado: tcharan”! Então, isso também tá ótimo. A gente, no caso, as mulheres, pode sair de casa de cara lavada e vai se produzindo no caminho. Entra no carro com cara de sono, sai do carro com cara de deusa. Então? Ponto para a beleza.
E tem mais benefícios ainda proporcionados pelos organizadores do trânsito da cidade. No caso dos homens, tem a faxina do nariz. O macharedo aproveita o sinal fechado e o vidro escuro e ó, faz aquela geral em pelos e melecas nasais. E olha que dá tempo e sobra pra uma espiada nos dentes, com aquela rosnada pro espelho. Sem falar, claro, na limpeza do celular, envio de mensagens, telefonemas e até – pra quem tem acesso à máquinas pequenas - uma navegada básica, com envio de e-mails e leitura das manchetes e índices do dia, o que ajuda a adiantar o dia. No caso do telefone, a gente pode aproveitar para dizer aquelas coisas bonitas de dizer e gostosas de ouvir pras pessoas especiais. Seu amor está em casa ou indo pra outro lado da cidade curtindo outros semáforos, e você aproveita para lhe dizer o quanto o ama e que a vida nessa cidade teria muito menos graça sem a existência desse trânsito e suas sinaleiras e que, sem esse amor, não teria graça nenhuma. E ainda temos as alternativas das mensagens pelo celular e até e-mails. Romantismo de lado, a tecnologia embarcada pode adiantar o trabalho, marcar consultas... viu só?
Mas tem mais benefício ainda essas paradas nos sinais, verdadeiros “pit-stops” das facilidades da vida urbana. É o caso dos gentis limpadores de pára-brisas, o que não é um privilégio só de quem mora em Fortaleza, claro, mas aqui eles têm um tempo pro serviço que talvez só encontrem em São Paulo. A gente tá parando tanto tempo nos sinais que em breve poderá ter a vantagem extra de lavar o carro entre um sinal e outro. É só os flanelinhas e lavadores se organizarem. Numa sinaleira eles ensaboam o carro, na outra deixam limpinho, e na última, brilho final e pagamento.
As crianças também têm vantagens. Os mais relapsos podem terminar o dever inconcluso; os mais dedicados podem repassar as lições; e os mais feras podem aproveitar e passar pro papai e/ou mamãe as coisas aprendidas que eles não lembram mais ou sequer desconfiavam. Tudo é uma questão de entrar no clima. Lembra da ministra Marta Suplicy com seu famoso “relaxa e goza” para as pessoas que enfrentavam filas nos aeroportos? Pois é. Ou o dito popular “se a vida te deu um limão, faça uma limonada”? Então. Tudo é uma questão de ótica. E de semáforo. Sinal verde pra felicidade!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Na praia,olhando a mulher do outro

Ela estava sentada na praia com seu marido, ou namorado, ou namorido, não sei. Era um dia de sol forte, céu azul, daqueles em que até quem não gosta de praia sente vontade de se estirar no sol, tomar um banho de mar. Eu estava sentado a uns seis metros dela, em companhia de mim mesmo. Nessa manhã, boa companhia. Achei-a linda linda. E não poupei olhares. Eu não a olhava como se olha uma presa, eu não a desejava. Simplesmente eu a olhava como se olha uma obra de arte. Eu a contemplava, era isso. Biquini branco, pele dourada, cabelos e pelos dourados, ela era ouro; ela era um espetáculo, e por isso, devia ser olhada com olhos de platéia. E eu estava ali, representando o gênero masculino e tentando bem representar minha espécie. Como ela estava em diagonal, eu podia assistir a sua exposição ao sol e à vida sem que ela me percebesse. E eu sorvia sua beleza ao tempo em que sorvia minha caipirinha. O marido, confesso, mal eu notara. Mas vi que existia aquela figura masculina ali, sempre uma mistura de cão labrador com pitibul, dependendo da situação. Sim, porque não tem bicho mais cordato e amigável que homem sossegado ao lado da mulher que gosta e de quem sente aquele orgulho que só os machos entendem, aquele orgulho de ter uma mulher bonita e desejada, mas que é dele; e não tem bicho mais pré-histórico, mais primo-irmão do gorila, quando se sente ameaçado por outro macho. Sei, sou um deles. E se a mulher então for flagrada olhando pro outro, coitado, ele vira vítima em potencial de afundamento maxilar, e ela começa a experimentar o que deve ser a sensação de passar o portal do inferno.
Então eu olhava muito, mas sereno, porque eles não me viam. Até que, súbito, ela levantou e ficou de frente pra mim verticalizando sua forma esplendorosa. Confesso que levei um choque. Não esperava ela em pé, assim logo logo. Me ajeitei na cadeira e me recompus. Ela começou a fazer uma das coisas que eu mais curto na mulher – arrumar o cabelo, fazendo um simples rabo-de-cavalo. Simples? Naquele simples gesto, se encerra uma das maiores forças sedutoras do ser feminino. Nada de simples. Jogar o cabelo pra lá e pra cá, enquanto passa a liga, trabalhando com as mãos daquele jeito, resume a graça, a garça que vive em cada uma delas. Pensei: aquela cena era tão fortemente graciosa e sedutora que as mulheres deveriam ter a condição de fazê-la em câmara lenta. E aí, tóin, nossos olhares se cruzaram. Olhei firme por segundos e tirei o olhar. A ciência Semiótica diz que quem fala olha menos do que quem ouve. Pode observar nas suas conversas cotidianas, quando você fala olha menos pra outra pessoa do que ela olha pra você. E ali, naquele dia lindo, na praia, quem estava falando era eu. Eu dizia: nossa, como você é linda! Em seguida ela deitou-se na cadeira, daquelas em que gente fica esticadão, longilíneo. No caso dela, ela horizontalizava a beleza, esticava a sensualidade. Ela se confundia com o horizonte e me veio um verso de Drummond sobre os profetas do Aleijadinho em Congonhas do Campo: “eles monumentalizam a paisagem”. Ela, com seu corpo esculpido por Deus num domingo em que Ele não assistiu ao Faustão, também monumentalizava a paisagem. Escultura em carne e osso, a mulher melhor prova de que o Cara existe.
Quando ela percebeu que eu a olhava, as coisas mudaram. A naturalidade cedeu lugar aquela arte que as mulheres desenvolveram ao longo dos séculos, a arte de usar plenos poderes parecendo que não estão usando poder algum. Ela não se transformou em algo artificial, mas sim numa bela e natural encenação que só as mulheres sabem fazer de não estar nem aí estando aí. Se mexia mais, passava protetor com muita dedicação a cada poro do seu corpo...O homem não me notara. E assim eu tomava minha caipiroska e a cada gole mais eu a achava linda, a cada gole mais eu sentia que me aproximava da alma dela. E me apaixonava. Estava ótimo ela deitada, meio de lado pra mim, e eu sorvendo e absorvendo sua beleza. E o homem não via nada, ocupado em observar um grupo de jovens que fazia saltos. Mas ela me vira. Ela sabia que eu existia. E isso me bastou. Que mais eu poderia querer diante daquele espetáculo vigiado pelo mix labrador-pitibul? Ela me era como um por de sol em Jericoacara – lindo, mas tem seu tempo, acaba. Como disse, eu procurava representar bem o gênero masculino. Eu, platéia, já tinha me embebedado da sua beleza. Ela, palco, já tinha feito sua apresentação pra mim. Tudo sem pecado. Não tinha luxuria aquilo. Aquilo era a vida. Mulher linda, homem do lado, homem olhando. Tudo muito bonito. Mulher maravilhosa é contemplada por homem contemplativo. Pedi a conta, dei um suspiro e pensei: que bom, já vou. Ninguém se machucou. Certamente quando ela olhou de novo pra onde eu estava e não me viu, pensou: que bom, já foi. A minha paixão de minutos acabou. Mas a vida ficou mais bela. Pra mim e pra ela. E o marido continuou assistindo os saltos dos garotos. Todos de bem com a vida.Talvez, como disse Vinicius, porque era sábado.

Desconfio que meu amor tá me traindo

“Nossos caminhos foram traçados na maternidade”. O verso de Cazuza se encaixa no meu caso de amor com ela. O filme “Nunca te vi, sempre te amei”, também. Senão, como explicar essa vontade de conhecê-la, de estar com ela desde sempre? Sempre sonhei com esse contato. Acho que Freud não explica. Talvez o espiritismo e a teoria de vidas passadas esclareçam, se é que isso existe. Passaram-se anos até que nos encontramos. Nossa relação no começo foi de algum estranhamento, mesclado com muita emoção, pelo menos da minha parte. Algumas coisas nela me chocavam, outras me encantavam. Eram mais coisas boas e positivas. E assim o amor surgiu, pelo menos da minha parte. Hoje eu a amo e a conheço bem. E ainda descubro novidades todos os dias, aumentando meu encantamento. Devo confessar, todavia, que me sinto um tanto abandonado por ela, ultimamente. Poderia até dizer que me sinto algo desprezado por ela.
Falo de uma mulher chamada Fortaleza, a cidade onde sempre quis morar e moro há alguns anos. A cidade onde, sem nem conhecer, já queria morar. Sem nem conhecer, já sentia que ia amar. Conheci, amei, mas agora ando meio de lado com ela. É que antes, quando eu andava de carro pelas suas ruas, eu deslizava encantado vendo os outros reclamarem do trânsito. Eu pensava: nossa! Isso aqui é uma delícia, eles não sabem o que é engarrafamento. Hoje, carrego um livro de crônicas de Rubem Braga – 200 crônicas escolhidas – para ler quando tudo pára. E como pára, hoje. A rua pára e eu mergulho nas palavras mágicas de Braga, que abrandam meu stress e meu desencanto cada vez maior. Já li 150 crônicas, em poucos dias. Mas queria mesmo era a mágica da cidade andar e poder chegar em casa, no trabalho, sem ter que fazer o comentário-explicação da hora: puxa, fiquei preso horas no trânsito.
Então vamos pra uma DR, meu amor. Diz o que está acontecendo contigo. Porque fazes isso com teus filhos naturais e adotivos, como eu? Não te ensinaram sobre estratégias, logísticas, engenharias? O que há com tuas artérias? Deixaram-nas inchar como varizes e agora o teu sangue – essas pessoas que te amam e que te dão vida – não tem passagem. Sei que não tens culpa direta, porque como uma filha mal educada que não sabe receber e se comportar, tu também não foste ensinada a dar passagem, e não adianta nem mais pedir licença. Me diz onde estão teus viadutos, teus túneis, teu metrô que se perdeu nos trilhos do tempo? Onde estão os responsáveis pela tua formação, que não te proveram do básico para que crescesses com algum preparo, alguma estrutura e assim pudesses enfrentar esses tempos de carros-abelhas e conviver amorosamente com essa multidão que anda, compra, vende, trabalha, se diverte e... sofre nas tuas ruas e avenidas?
Outra coisa: nunca bati em mulher, mas também nunca apanhei, e agora tu me bates todo dia. Nossa relação está começando a me tirar do sério. Teus homens dirigem tensos por ruas perigosas, não pelos buracos, mas por que escondem gente que apedreja, que assalta, que mata. Gente tua que odeia tua gente. Gente que faz mal. Tuas mulheres começam a ficar almodovarescamente à beira de um ataque de nervos, porque seus filhos pequenos voltam sem celular pra casa; e seus filhos maiores, bem, esses quando retornam nas noites em que saem pra se divertir, promovem suspiros tão fundos e aliviados, que ecoam pela tua madrugada. E o Ronda, que te protege? Será que vou ter que batizá-lo de Ronca, porque sempre dorme no ponto, chega atrasado e só pega mesmo é a bóia de cortesia no restaurante da esquina? Eita!
Assim, nosso amor fica comprometido. Nossa relação começa a ser unilateral. Poxa, só eu dou, só eu cedo?! E agora, o que é esse ar que me sufoca? Sei que isso não é culpa tua, mas como um casal em crise, onde a simples pasta de dente sem tampa já promove uma discussão, começo a colocar isso também na cesta das nossas desavenças. O que é esse calor de Palmas, Teresina, Cuiabá, em pleno inverno? E a chuva, meu amor? E a chuva que me deixava dormir o sono dos fortalezenses felizes, puxando um edredom e ouvindo aquele som de água, aquele cheiro de terra molhada? Cadê? Não me fale desses pinguinhos caraminguás... sei não, mas começo a pensar que até nisso tens culpa.
Começo a sentir cheiro de traição. E daí a me traíres de verdade ou não, não muda nada. Porque numa relação verdadeira, não precisa haver traição carnal. Existe uma que dói tanto quanto, ou mais – é a traição do compromisso. E dessa pra outra traição é rapidinho. É isso! Você está rompendo o nosso compromisso. Não quero me separar de ti, mas também não quero aquela relação que se leva com a barriga. Pense nisso, tome tenência. Não jogue tudo fora. Quero andar de mãos dadas contigo, de novo. Faça sua parte. Tô no meio da rua, no sol, te esperando. Ainda te amo muito. Um beijo, Fortaleza.

segunda-feira, 15 de março de 2010

As mulheres são melhores

Os homens que me perdoem, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores. Falo no geral. Na questão particular da sensualidade e da sexualidade, então, lembro Chico Anísio: “mulher é um negócio tão bom, que elas mesmas estão descobrindo isso”. Não quero polemizar, até porque meu lado mulher é superdesenvolvido, graças a Deus e à minha mãe – artista plástica, professora de artes e amante da música e da poesia -, mas meu lado mulher é lésbico. Assim, amo a alma feminina (e seu invólucro) e penso que as mulheres são essenciais, que as mulheres são melhores. O show de Maria Gadú, no final de semana, foi mais uma prova. Gadú é sensacional, um espetáculo de intérprete, um timbre maravilhoso, que aos 21 deixou de boca aberta quem ama música nesse país. E aos 22 hipnotiza teatros e bares com seu jeito tímido, meigo e de moleque. É moleque mesmo, porque quando ela entrou no palco do Centro de Convenções, com o cabelo escondido num boné, óculos escuros, camisetão, jeans e tênis tipo all star, a impressão que tive foi de que entrava um garoto skaitista, um moleque, não uma moleca. Isso faz parte do fascínio que ela excerce sobre a mulherada jovem. Não sei, nem vem ao caso, a questão da sexualidade da Gadú. Se é marketing ou opção, ou só jeitinho mesmo. Tampouco da platéia. O fato é que 70% do público era feminino e o show não teria sido a maravilha que foi, não fosse a presença maciça das mulheres, porque elas são essências, elas são melhores, porque a alma delas está degraus acima da alma de nós homens. Se a maioria fosse de homens o show teria sido outra coisa, obviamente muito mais sem graça, porque somos mortos por natureza e se não formos motivados por sexo e cachaça a coisa não anda, desanda. Produzidas e perfumadas femininamente, as garotas amam a Maria Gadú moleque, mas meiga, muito meiga; e tímida. Elas cantaram juntas todas as músicas, o que deve ter surpreendido aqueles que foram lá conhecer a revelação musical de 2009 pelo júri da Associação Paulista de Críticos de Arte, com apenas 22 anos.
Aí fico pensando pela luta das mulheres para serem iguais aos homens. Desculpe, mas querem ficar piores. Querem ser chefe igual, fumar igual, beber igual, transar igual, ser predadoras igual, viver igual e morrer igual, dos mesmos cânceres, dos mesmos ataques cardíacos, e dos mesmos avecês. E somos tão diferentes! A história recente da humanidade, leia-se a partir da modernidade, é a história da razão, e a razão tem pinto, é fálica. Porque razão é coisa de homem, é coisa maior; e emoção é coisa de mulher, coisa menor. Homem é pensamento, mais importante – quase toda a importância - mulher é sentimento, desimportante. Por obra e graça de Descartes que disse o famoso “penso ,logo existo” e depois do Iluminismo e seu empenho pelo desencantamento do mundo através da dissolução dos mitos, crenças, superstições, e também da imaginação, o que construímos foi esse fracasso – um mundo insosso, injusto, machista, anti-mulher, anti-poesia, anti-beleza. Construímos um mundo capenga, mutilado, onde um lado, o lado da mulher, sua essência, e tudo que lhe é cabível e atribuído ficou como menor; e o outro, o lado do homem, ficou como maior. Foi a vitória da denotação fria e direta, sobre a conotação rica e subjetiva. Foi a vitória da reta sobre a curva. Foi a vitória da matemática sobre as artes. Da cientificidade e do culto à tecnologia sobre a mística e a poesia. Foi a vitória do homem que não chora sobre a emotividade. Enfim, Deus criou o homem e este criou um mundo macho. E agora as mulheres, que são tão melhores, tão mais sensíveis, por essência, tão mais estetas e estéticas, querem esse mundo pra elas. Se pensarmos que a metade dominada, melhor na essência, adota o modelo da metade dominadora, pior por excelência, cabe perguntar: que ser vai sair daí? Quem viver verá. Agora a fase é de transmutação e de confusão. As publicidades e reportagens da mídia, nessa segunda-feira, Dia Internacional da Mulher, mostraram bem isso. Ora a mulher é homenageada como mãe, esposa e dona da vida, um modelo antigo e ligado à dominação; ora como executiva, mulher que trabalha e constrói carreira de sucesso, um modelo moderno, mas masculino, porque a única referência é o mundo fálico.
Mas que igualdade é essa? Fromm vai dizer que é a “igualdade dos autômatos, dos (...) que perderam sua individualidade”. Buscamos a igualdade em vez da unidade. “É a mesmice dos que trabalham nos mesmos serviços, têm as mesmas diversões, lêem os mesmos jornais, experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas idéias”. Essa tal igualdade bem poderia ser chamada de padronização. Querendo essa igualdade em vez da unidade, “homens e mulheres deixam de ser pólos opostos para serem os mesmos pólos”.
Mas a esperança ressurge quando assisto um show como o de Maria Gadú. Porque a diferença da essência parece estar preservada. E se as mulheres conseguirem comandar o mundo, o que me é inexorável, poderemos realmente viver num novo planeta, com mais boniteza, mais emoção, um planeta mais metafórico, transcendental, justo e meigo, enfim. Mas para isso é preciso que essa transmutação não esmague a diferença, não sufoque a essência do ser feminino. Se a essência permanecer, como deve permanecer, teremos os homens buscando imitar as mulheres e teremos um Iluminismo às avessas, com um novo encantamento do mundo, no melhor sentido, um “engraçamento” do mundo. E lembrando Pepeu Gomes se “ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”, espero que sendo mulheres masculinas, elas não firam nem mutilem o seu lado feminino. Aí terá valido toda essa zorra da sociedade capitalista contemporânea confundindo igualdade com unidade, garrafas e camas com liberdade, pólos opostos com pólos iguais, individualismo e quantidade com felicidade. Se a nova mulher ajudar a desconstruir esse velho e mutilado ser humano que somos todos, e ajudar a construir um novo ser, hibridizando, fazendo um mix do melhor dos dois lados, com uma puxadinha maior pro lado dela, terá valido a pena toda essa zorra agora. Parodiando Maria Gadú na obra-prima Altar Particular, estamos “com tudo a flutuar no rio, esperando a resposta” do tempo. E os homens que me perdoem, repito, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Amar é aprendizado (ou o amor no tempo do fast-food)

Imagine uma situação hipotética onde um homem e uma mulher que nunca viram uma cena de amor entre namorados, nunca viram um homem e uma mulher fazendo sexo fossem colocados num luxuoso quarto de motel, com a melhor champanhe, música romântica e tudo o mais... O que aconteceria? Rolaria? Não aconteceria nada. Não rolaria nada. Porque não saberiam o que fazer, como fazer. Uma frase comum na nossa sociedade – e carregada de preconceito moral – é que “sem-vergonhice a gente nasce sabendo”. Primeiro essa sem-vergonhice não é sem-vergonhice – é vida. Segundo, a gente não nasce sabendo essas coisas, a gente aprende. Pelos filmes, novelas, pelos romances, pelas ruas, na família, isto é, na vida mesmo. É claro que os filmes pornôs mais deseducam do que educam, porque ninguém é daquele jeito, é claro que os romances e novelas ensinam uma noção açucarada da felicidade a dois, é claro que as famílias..., bem não vamos discutir isso aqui. E é claro que uma situação como propus lá em cima é impossível de acontecer, porque duas pessoas assim isoladas do mundo não seriam pessoas. Mas essa experiência foi feita com macacos Rhesus, os mais próximos dos humanos. Macacos e macacas foram criados sem convívio social e sexual que lhes possibilitasse ver o que e como fazer. E quando foram colocados juntos o que aconteceu? Nada. Ou melhor, aconteceu que eles ficaram excitados, mas não sabiam o que fazer. Ficavam correndo, se tocando, a fêmea tentava montar o macho, o macho ficava mais agressivo e, por fim, se não fossem separados, se matavam. Bem, vamos partir daí.
A gente aprende a fazer sexo e aprende a amar. No caso do sexo, vendo e fazendo. No caso do amor, é um pouco diferente. A gente vai ter uma relação com o amor diretamente ligada ao tipo de amor que recebeu, ou não recebeu, ao tipo de amor que aprendeu, ou não. Fechemos o foco no amor, porque sexo tem por aí em todo lugar, dos out-doors aos motéis, embora a questão pareça ser mais de quantidade do que de qualidade. Fechemos o foco no amor, porque esse está em baixa enquanto vivência, concretização, embora se tenha uma necessidade essencialmente humana dele.
O amor é a maior e mais bela experiência que podemos experimentar na vida. Falo do amor em toda a sua extensão, não só amor homem-mulher, mas amor de pai-mãe por filho, pelo próximo... Mas fechemos o foco no amor entre homem e mulher. E ele é, repito, um aprendizado. Buscaglia, pedagogo norte-americano, ensina no livro Amor, “que a maioria de nós continua a agir como se o amor não fosse um fenômeno a ser aprendido e sim como se vivesse adormecido em cada ser humano, simplesmente esperando (...) para emergir em toda a sua intensidade. Muitos esperam (...) para sempre. Recusamo-nos a encarar o fato óbvio de que as pessoas, em sua maior parte, passam a vida tentando encontrar o amor, tentando vivê-lo, e morrendo sem nunca tê-lo descoberto verdadeiramente”. Triste isso, né?
O psicanalista Erich Fromm, no livro A arte de amar, frisa que a postura de que “nada é mais fácil do que amar tem continuado a ser a idéia predominante, apesar da esmagadora prova em contrário.” E vai enfatizar que o amor é uma arte. “Se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura (...)”. Como se vê, a coisa é complicada, por isso esse fracasso tremendo nos nossos amores. Sem falar que queremos mais ser amados do que amar. Que confusão!
E nessa nossa sociedade mercantilista, acabamos por não viver só no sistema, posto que vivemos o sistema. Quer dizer, nossas relações são perpassadas pelo capitalismo. Se a sociedade é de consumo, nos consumimos uns aos outros, utilitariamente. No mundo do fast-food, no plano sexual inventamos o fast-foda, o sexo casual, tipo lavou tá novo. No amor, acabamos adotando a mesma postura, o fast-love. Ou seja, não investimos no amor; ou seja, não nos predispomos a aprender a amar, a construir uma relação, porque isso demora tempo e demanda investimento emocional e riscos e perdas e danos.
Vejamos o caso de Fernanda. Ela, livre e desimpedida, conheceu Lúcio, que recém tinha se separado. Se encantaram. No apartamento dele ao lado da cama onde fizeram amor, ainda tinha um porta-retrato dele com a ex e o filho. Querendo mostrar maturidade, ela disse que achava aquilo normal, porque era o filho dele e a mãe do filho dele. Superfície. No fundo, aquilo a incomodara. Com os dias, vendo que apesar de encantado com ela, ele, que fora o abandonado, ainda nutria sentimentos pela ex-mulher, levou um papo-cabeça com o cara. Disse que era melhor ficarem por ali, ele tentar se reconciliar, que o casamento dele tinha poucos anos e blá, blá, blá. Ela me contou que chegou em casa e chorou todas as lágrimas, mas que se sentiu ética. Mas ela não foi ética. Ela foi covarde. Porque ela não fez isso por ele, fez por ela. E fez por medo do investimento emocional, por medo das perdas e danos a que se sujeitaria. O aprendizado do amor exige compromisso, empenho, boa vontade, e riscos. Ou seja, Fernanda queria que Lúcio investisse no amor, o que ela não fez. Queria que ele lutasse, o que ela não fez. Assim, era melhor partir pra outra, outro cara, um prato mais simples, menor, mais digerível, sem risco de azia, apesar da fome. Era melhor partir pra outra, outro cara, no grande buffet das nossas relações. Assim Lúcia perdeu Fernando, um cara que pra ela tinha tudo e todas as qualidades por quem valeria a pena lutar. Mas não quis lutar. E perdeu. Não quis tentar aprender a amar e tentar construir uma relação verdadeira, esse “momento de unidade”, como diz Fromm, e que “é uma das mais jubilosas e excitantes experiências da vida”. Coisa da nossa cultura fast-foda, fast-love, fast-tudo. Coisa desse tempo onde a gente perde e se perde, pensando que se acha; que perde, sem nem lutar.WO.Fast-vida.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sexo pra ganhar abraço?

Marcelo rodava sem rumo pela cidade, passando das 2h. Tinha saído com amigos e feito uma mistura de bebidas que transformara seu fígado num repositório alcoólico digno dos melhores manuais de como não beber. Estava só e buscava coisa nenhuma, qualquer coisa que lhe preenchesse o resto de noite.
Quando passava pela Antônio Sales, viu uma jovem mulher andando sozinha pela calçada. Freou bruscamente, estacionou e foi em direção aquele vulto feminino. Parou em frente dela. Seus olhos se olharam fixamente. Sem palavras. Só olho no olho. De repente a mulher se atirou sobre ele, abraçou-o fortemente e caiu num choro compulsivo. Depois de segundos de um abraço forte, onde os braços dela pareciam garras grudadas às costas dele, trocaram as primeiras palavras assim, grudados. Ela gemeu em soluços: “Eu estou muito só!” Atônito, ele afastou-a e olhando novamente nos olhos dela, disse: “Não está mais!” Abraçou-a e começou a levá-la no sentido do carro dele. “Meu carro está ali”, disse ela apontando para uma caminhonetona preta. “Depois você pega”. Levou-a para seu apartamento. Entraram e ela foi imediatamente tirando a roupa. Ele nem teve tempo de falar as costumeiras falas, tipo: queres uma água, uma Coca, uma cerveja? Foram para o quarto. E ali fizeram o sexo mais sexual, mais selvagem, desesperado, dolorido que dois seres solitários e agonizantes podiam fazer. Durante todo o tempo, ela dizia: “me abraça, me abraça.” Terminada a batalha, ela vestiu-se, e sem palavras, saiu, pegou o elevador e sumiu da vida dele. Nem tchau, nem telefone, nem “valeu”, nem obrigado, nem nada.
Quando Marcelo me contou essa história, como se fosse algo fantástico, eu pensei: “tem nada de fantástico”. É a solidão da cidade grande. É a solidão das pessoas que se entopem de relações superficiais, de ficadas, e que na verdade, por trás dessa pseudo liberdade, onde têm muitos, não têm ninguém. E me lembrei do depoimento de uma prostituta que disse que se prostituía não pelo dinheiro, mas para ser abraçada. E me lembrei da indiana Amma, que roda o mundo dando abraços. As pessoas fazem fila para serem abraçadas por ela. Amma já abraçou 20 milhões de pessoas no mundo todo, e quando esteve no Brasil, ano passado, 15 mil pessoas fizeram fila no Hotel Intercontinental, no Rio, para se aconchegarem nos seus braços. Santa carência! Quanta solidão! Quando uma repórter perguntou para Amma de que mais o mundo precisa, ela não vacilou na resposta:
“Amor e compaixão. A alma precisa tanto de amor quanto o corpo precisa de comida para crescer. O amor, por exemplo, pode chegar a nutrir muito mais um bebê do que o próprio leite. O que acontece hoje no mundo é que as pessoas passam muito mais tempo tensas do que em estado de felicidade. E deveria ser exatamente o contrário”.
E me lembrei de um texto do Jabor (ou atribuído a ele na internet), onde ele fala das garotas lindas que partem pra balada, “com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, (mas que) chegam sozinhas e saem sozinhas” e dos “empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e (estão) sozinhos.Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos personal dance, incrível”, diz ele, atônito.
Carlos Maltz, conta no seu blog que seu consultório está entupido de mulheres que ficam, mas que se sentem solitárias. Ele classifica três tipos de relacionamentos: namoro, ficar e rolo. O que os caracteriza, “são os teores de comprometimento com a relação: o baixo, o baixíssimo e o quase inexistente, que seria uma espécie de “Coca-Diet” dos relacionamentos”.
Falando das relacões anteriores dessas mulheres ele comenta:
“Havia momentos, conflitos, negociações, resoluções de conflitos, sexo, que ás vezes era bom, ás vezes era ruim, e ás vezes não rolava. Gozo, lágrimas, cobranças, baixarias, momentos sublimes… Eles saiam juntos para ir jantar, ir ao cinema, ir visitar os pais dela, os dele, a tia chata que está no hospital… Ele tinha que comprar um presente para ela no dia do aniversário dela, ela no dele… Dia dos namorados… Levar o cachorro para dar uma volta, dar uma dura no irmão menor dela, que não respeita ninguém… Um auxiliava o outro a estudar para o concurso, a prova da carteira de motorista… Enfim, algo cheio de altos e baixos, momentos bons e ruins, alegres e tristes, que eles iam vivendo juntos, compartilhando… Tipo “Eduardo e Mônica”…
Qual é a diferença? Maltz questiona. E responde: “Bem, de toda aquela lista de coisas que eles faziam juntos, lá em cima, sobrou apenas o sexo, e sair, vez por outra para um jantar ou um cinema. Ou seja, tira-se fora o ônus da relação, e fica-se apenas com o bônus. Filé sem osso, peixe sem espinhas, aquelas saladas que já se compram prontinhas para ir á mesa, não precisa nem lavar… Empacotadinho, você nem suja as mãos… Genial, não?”
Em seguida, ele pergunta de novo: “o que vai acontecer com essa geração de homens e mulheres, essa geração de menininhos e menininhas mimados que só querem comer a cobertura de chocolate do bolo? Menininhos e menininhas que quando encontram o recheio de ameixa, logo pegam outra fatia, para comer só o “docinho”… O que espera essa geração de gente que foge da entrega e do amor, que nem o diabo foge da cruz? Essa gente que foge do compromisso, de decisão? Da escolha, do sacrifício, essa gente que foge da dor… E da vida… O que acabará por encontrar?”
Pois é... então pergunto eu: Nesse nosso mundo virtualizado, que tipo de relações estamos na real buscando? Com a palavra Marcelo e a moça que andava pela Antônio Sales, nossos dignos representantes. Falando nisso, um abraço pra você que me leu até aqui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carta para uma amiga em crise amorosa

Querida amiga. Tu voltaste do carnaval e foi uma porcaria. Estavas tão feliz e empolgada antes, uma alegria só. Voltaste em pedaços. Falo de dentro, não do corpo. Afinal alugaste uma casa numa praia linda e lá te foste com teu amor para cinco dias de paz e felicidade. Não foi assim. Vocês brigaram e a praia se tornou um lugar deserto, distante do teu mundo. E os cinco dias se transformaram em anos de agonia e sofrimento. Quero, como amigo, te dizer algumas coisas.
Primeiro quero te falar de amizade e dizer que estou aqui. Tu não estás sozinha mesmo que nessa hora te sintas a mais só e abandonada das criaturas. A amizade é uma jóia rara nesses tempos de relações superficiais onde as pessoas enchem o Orkut de declarações de amor uns pelos outros. “Te amo,amiga”, é uma frase que lota os recados e depoimentos da internet, escrita por gente que não sabe o que vai na alma do outro,que não conhece verdadeiramente os sofreres, desejos e prazeres do outro. Gente que escamoteia suas emoções, finge suas alegrias e alardeia seus prazeres. Gente que não é o outro, que não vive o outro e para outro. Estou falando de amor enquanto amizade, porque a amizade obviamente é amor. Nesse tempo de individualismo e egoismo, o outro serve pra gente, a gente se serve do outro, mas não serve o outro. Então, amiga, se isso serve pra alguma coisa, pense no Orkut e a banalização do amor, pense em ti e a divinização do amor. Então, amiga, preserve, regue e cultive a amizade como algo raro, que é. Pois temos esse algo raro de um chamar o outro quando está muito feliz. “Capa venha pra cá, estou tão feliz e quero te ver”. E o contrário. “Capa, to mal, preciso de ti”. E eu, quantas vezes fiz o mesmo, tendo no teu ombro e no teu sorriso a força e a leveza de viver?
“Amizade é quando o silêncio não se torna incômodo. Amor é quando o silêncio se torna cômodo”, disse Mário Quintana. Ontem, quando voltaste, conversamos muito. Mas os momentos de quietude, de não-fala, falaram muito também. Eram momentos em que nossas almas conversavam, nossos olhos se afagavam. E lá estava tua amiga também, conversas e silêncios a três. Não estavas e não estás só. Pense o quanto é valioso isso que temos. E isso que temos não tem preço. Sei o que é solidão. Desde que cheguei a Fortaleza a alguns anos – a cidade que escolhi não só para morar, mas para viver e amar – dividi com o mar a falta de amigos. Nossa! quanto eu caminhei e corri conversando com as ondas e com Deus, recebendo respostas que vinham pela brisa. Hoje corro pra ti. E continuo correndo pra Deus. Ótimas companhias. Não estamos sós.
Segundo, amiga – tinha um primeiro lá em cima, lembra? – quero te falar de amor. Não sei se a ruptura de vocês é definitiva. Mas a dor é, no sentido de que nada apaga a dor que sentes agora. Vocês podem voltar, mas a dor ficará lá na sua memória, ficará lá arquivada no seu coração. Se vocês voltarem, que ela seja a grande professora que ensinou tanto, achando que não ensinava nada, apenas cumpria assim seu papel na sua vida, assim fazendo melhor a relação de vocês. E se vocês não voltarem, que a dor te faça pensar muito, avaliar muito e assim te fazer melhor. A dor só vale se dela tirarmos algo. A dor só vale pela não-dor, trocada que deve ser pela compreensão do que é viver e do que é amar, pela compreensão de que viver é amar. Não devemos amar a dor, claro. Mas devemos amar o amor, esse sentimento tão lindo quanto raro, ainda mais hoje em dia. O psicanalista Igor Caruso,no livro A separação dos amantes (leia-se ‘amantes’ no sentido de ‘os que se amam’) diz que a perda da pessoa amada vem carregada de um sentimento de morte. E é assim mesmo. Mas a morte não existe, ela é sempre um renascer para algo novo. Agora estás aí, puro sentimento de morte, viúva de ti mesma, longe da pessoa que conheço e gosto tanto. Quero que penses nisso. Não há muito a dizer nessa hora em que velas pela dor o teu amor. Mas quero te dizer isso: Amiga, pense na amizade que te devoto, no quanto te gosto- eu que precisei tanto de ti e a quem te devotaste tanto. Não estás só, meeeeesmo! Pense na tua amiga lá, também, alma na mão pra ti, coração na boca pra ti. E pense, que se tu e teu amor voltarem, tudo será melhor. E se não voltarem, nada será pior. Tu renascerás mais linda, dentro e fora. Não há como não sofrer agora. Mas regue essa dor, não para que ela continue viva, mas para que ela morre, germine e não só te traga de volta, mas que te traga de volta numa versão melhorada, ainda mais bonita, dentro e fora, mais amiga e mais amada.
Amizade e amor andam juntos. Quem não tem na pessoa amada um amigo, não tem o amor pleno. Muito mais que o tesão é isso que conta. Quem não ama seu amigo, não tem um amigo pleno. Tem um desconhecido de quem gosta, como aqueles lá que infestam os Orkut da vida.
Amiga, amizade e amor andam juntos.
Amiga, eu te amo.

Capa

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Nesse carnaval não beije na boca

“Eu quero mais é beijar na boca!”, grita um dos muitos clones de cantora de trio elétrico que infestam nossa mídia. Faça não. Nesse carnaval não beije muuuito na boca. De preferência, nem beije. De preferência, beije a quem você ama, se tiver, mas não o estranho com a alegria enlatada na mão e os olhos injetados de multidão. Mas de preferência mesmo, beije você mesmo.
Se você não vai viajar, então, ótimo. Não diga “que saco! vou ficar na cidade”. Aproveite para viajar com você, pra dentro de você. Há quanto tempo você não caminha de mãos dadas com você? Há quanto tempo não se afaga? Há quanto tempo não se curte e não se encanta com você mesmo? Há quanto tempo sem tempo pra você? Se não viajar, navegue pra aquele lugar mais dentro do seu mar e descubra lá longe suas praias isoladas, suas areias desertas, seus lugares inacessíveis até mesmo pra você. Tem tanto recanto bonito dentro de você! Fizeram você acreditar que é igual a todos, igual à massa. Não é! Você é um ser único, só que talvez nunca tenha se apresentado a você!
E se for viajar pra um lugar de muita festa, saia um dia só com você, sem bebida, sem amigo, sem amor (velho ou novo) e se misture com a massa. Olhe como as pessoas riem, bebem, pulam, numa corrente elétrica de alegria e euforia que é da massa, não é de cada um. E que essa alegria toda te lembre o verso cantado por Frejat “que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero”. Pense naquela “felicidade” toda ali. Então perceba que todos são um e que cada um é ninguém. Mas que você está fora disso, você está de fora, olhando os outros e se percebendo único ali. Ali, só você é você. Escolha dois que se beijam loucamente. É fácil achar. Eles estão perdidos ali. Pense que não são eles que se beijam. É a massa que vive neles que se beija, essa loucura que deixou de emanar do popular, capturada que foi pela mídia e pelas secretarias de turismo, pra ganhar dinheiro enlouquecendo o que Freud chamou de nosso instinto de vida (pra esquecer a morte). E dê um grande beijo pra dentro de você. Volte pra casa feliz, abraçado com você, ser único, fora da massa que é um e não é ninguém, repito.
E chegando em casa, se você estiver com alguém, olhe pra essa pessoa por uns minutos e pense quem é ela na sua vida. Ela é a sua vida? E se ela perguntar : “porque você está me olhando?”, responda: “estou olhando pra mim”. E reflita que você só vive uma vida, pelo menos aqui por essas bandas terrestres, e que partilhá-la com quem não é parte de você é assinar o seu atestado de hábito, ou de óbito, não sei a diferença. Chame o “síndico do seu tédio” e se reinvente. Pense que é na volta das férias que acontece a maioria dos rompimentos. Que os cartórios batem os recordes anuais de pedidos de separação nessa época em que a gente retorna do convívio com o outro – marido, esposa, namorado, namorada - e descobre que vive em solidão a dois.
Se ficar em casa, não ligue a televisão naquela profusão de corpos malhados à bisturi, de gente que já não tinha mais sua alma e agora não tem também mais o seu corpo. De preferência não ligue a televisão. De preferência não ligue nada. Fique no silêncio de você. Faça um ”silêncio do vizinho reclamar”. E se escute. Ouça a música do seu viver. Suas torneiras, suas chaleiras e panelas, seus ventos na varanda, seus suspiros. Melhor que a melhor batucada.
Se ficar em casa, aproveite para ir a uma livraria e escolher um bom livro que não seja best seller. Esqueça as cabanas da vida, os comer, rezar e amar e busque um autor que não seja de massa. Não vou sugerir nomes. Têm muitos. Nem aceite sugestões de vendedor, nem de ninguém. Arrisque-se e viva momentos bonitos de você mesmo, descobrindo algo que a mídia não lhe mandou descobrir... e que você vai amar, até por isso. Você vai se amar se sentindo mais único do que nunca. E pense no que disse o filósofo alemão Adorno, “que para algumas pessoas dizer ‘eu’ chega a ser um absurdo”.
Enfim, se algo assim acontecer com você nesse carnaval, tenha certeza que você fez um carnaval espetacular. Você foi pierrô e colombina de você mesmo. Montou um trio elétrico dentro de você. Pulou por dentro. Sua alma cantou como nunca. Seu coração bateu mais forte que os tambores. Você fez folia em sua vida. E o ano, enfim, começará novo pra você. Já os outros, voltarão esgotados e felizes em bandos de gente, bandos de carros, bandos de ônibus e aviões pra viverem suas vidas, em bandos. Felizes de alma? Viverem suas vidas mesmo? Bem, vamos ler tudo de novo!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Amar é um ato subversivo

Já escrevi, dia desses, que nossa civilização cristã divinizou o sofrimento e assim passamos a medir o amor pela dor que ele gera e não pela alegria, paz e felicidade que produz. Quem eu mais amei foi aquela por quem eu mais sofri, o que não tem valor de verdade sempre. Quero fazer agora uma outra reflexão. Ainda medimos o amor pela dor, tudo bem, mas há algo novo no ar: a idéia de que sofrer por amor é babaquice. Você sofre, tudo bem de novo, mas o mundo ri de você. O amor é cada vez mais tratado em nossa sociedade frívola e materialista como uma tolice, uma perda de tempo. Vale como negócio. E a dor que às vezes o acompanha, nem se fala. “A Marcela? Tá lá chorando por causa de homem, aquela idiota, ao invés de partir pra outra.” Versão masculina: “O Paulo, olha, um bobo, tá bebendo todas depois que levou o fora da fulana, com tanta mulher no mundo”. Não é assim? Fazemos troça da dor de amor dos outros. Pimenta no dos outros... Sofrer por alguém é inconveniente, inoportuno, chato. Ficar é que legal, transar é que o canal. Mas amar, bem isso já é mais complicado para essa gente criada na civilização capitalista, onde as pessoas se usam como coisas e se gastam como máquinas. Pra amar é preciso entrega, doação, algo que não combina com esse tempo que vivemos. O lema é: eu me amo e o outro eu desfruto. Se não vejamos o que é o ficar. Nada mais que um teste-drive. A gente dá uma pilotada no outro, prova um pouco do gosto, pisa um pouco mais fundo, dá uma verificada no motor, faz um balanço da potência... E vai contar pros outros. E vai pro próximo teste-drive. E o transar? Bem esse é o grande lance, desde que a mídia disse para todos que só o sexo e o dinheiro trazem a felicidade.
E se o capitalismo nos fez acreditar que tempo é dinheiro, a cultura aí gerada nos diz que tempo é prazer também. Quer dizer, temos pouco tempo pra gozar tudo e aí não cabe ficar chorando por dor de cotovelo, abandono, cornice. A coisa foi sacramentada já na frase de Luana Piovani, uma de nossas grandes filósofas atuais: “A fila anda”. Um sistema que prioriza o ter ao ser, só pode medir a felicidade pela quantidade de parceiros que se teve/tem, e não pela qualidade das relações; pela quantidade de orgasmos que se tem/teve e não pela qualidade. Além do que, o amor é subversivo. Sempre que ele irrompe no coração de uma pessoa, ele imediatamente causa estranheza, incomoda o mundo. O apaixonado vive num outro planeta, a vida lhe fica diferente. E a sociedade gosta do igual, do mesmo, não do diferente. Octávio Paz, mexicano genial, prêmio Nobel de Literatura, num belo texto do livro Labirinto da solidão, diz que “no nosso mundo o amor é experiência quase inaceitável”. E na verdade, todo tipo de amor é viável. Não existe amor impossível. O fato de existir um amor impossível já diz que ele é possível, pois que aconteceu. Branco com preta, baixo com alta, velho com moça, cristão com muçulmana, homem com homem, mulher com mulher - todo tipo de amor é possível de se realizar. Mas porque a sociedade não gosta do amor? Porque, com raiz no diferente, ele rompe com as regras. De novo Octávio Paz: “[...]. A sociedade concebe o amor, contra a natureza desse sentimento, como uma união estável e destinada a criar filhos. Identifica-o com o casamento. [...] Daí também que o amor seja, sem se propor a isso, um ato anti-social, pois cada vez que consegue ser realizado, viola o casamento e o transforma no que a sociedade não quer que ele seja: a revelação de duas solidões que criam para si mesmas um mundo, que quebra a mentira social, suprime o tempo e o trabalho e se declara auto-suficiente.” Vejamos a publicidade, o cinema, as novelas, as letras de música (nem falemos do forró). Elas excitam as pessoas, erotizam o mundo, passando uma tesão e um espírito de aventura e gozo que as pessoas não tem, mas são iludidas a ter. Quando que a mídia enaltece o amor? Nas grandes datas comerciais: dia das mães, dos pais, natal... De resto é muita mulher pelada, cervejada na praia, carro potente pra conseguir mais teste-drive - não no carro, claro. E aí duas pessoas se apaixonam e fogem desse mundo, mergulham no deles. E logo vem a sociedade para domesticar essa rebeldia – tem que se acalmar, namorar, noivar, casar, ter filhos e, enfim, domesticar-se na vidinha doméstica. E depois ficar olhando o álbum esmaecido de fotos do tempo dos sonhos, das loucurinhas, das escapadas. Ou então tem que acabar a relação.
Se o amor precisa ser domado, aquietado, logo a dor do amor precisa ser desprezada. São Paulo dizia que o melhor era não casar, “mas se arder, então que se case”, mas sem muito fogo. Era preciso segurar s fúria da carne. Hoje, amar é bobo e perda de tempo. E como tempo é dinheiro, e o consumo berra aos nossos ouvidos “transe, transe, transe”, lá vamos nós, buscando uma felicidade cada vez mais distante. Sem direito a amar de verdade, muito menos sofrer de amor, que tudo bem, não é a melhor coisa (já falei disso), mas é digamos, um nobre direito de quem ousou amar e romper.