quinta-feira, 15 de abril de 2010

As delícias do trânsito de Fortaleza

Existe um lugar em Fortaleza que está se transformando num novo ponto de encontro de amigos: é o sinal, também chamado sinaleira, ou ainda semáforo. Cada dia mais e mais os amigos se encontram por ali. Encontro involuntário, é bem verdade. Mas vejamos pelo lado positivo. Ontem mesmo vi dois executivos que pararam lado a lado, se olharam, abriram os vidros blindados dos seus tanques de guerra e começaram um papo alegre, descontraído e... longo. Pois veja, o trânsito está tão camarada que até está sendo possível botar o assunto em dia, com as perguntas de sempre e suas variáveis: E daí, como vai? O que anda fazendo? Tem visto o Paulo?
E por aí vai. Dá tempo até pra surgir aquele branco na conversa, com aquela espiada no sinal pra preencher o vazio. “Rapaz, esse trânsito tá uma loucura!” “Que coisa,né?”
Lembra aquela música de Paulinho da Viola, ‘Sinal Fechado”, onde dois sujeitos se encontram e mantém um papo rápido? Só um pedacinho:
Olá, como vai ?
Eu vou indo e você, tudo bem ?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você ?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
...
Quando é que você telefona ?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe ?
Quanto tempo... pois é...

Isso é passado. Agora dá pra esticar o assunto até ficar sem ele. Veja que coisa boa que o progresso fez por nós. Os organizadores da cidade devem ter pensado assim: “Rapaz, esse tempo louco que a gente vive, correndo pra lá e pra cá, merece uma atenção. Vamos promover uma parada nisso, vamos proporcionar encontro entre as pessoas. Sem viadutos, sem túneis. O semáforo é ótimo pra isso”. E assim se fez. E assim se faz. Ponto para a comunicação.
Existe um outro lugar em Fortaleza que está virando point da mulherada. Lugar de conferir o visual, arrumar cabelo, retocar a maquilagem... É o semáforo seguinte. Ontem à noite tinha na reunião na FA7. Quando a coordenadora chegou estava toda produzida, maquiagem com cheirinho de nova. “Coisas do trânsito, meus queridos colegas. Cada parada uma retocada e olha o resultado: tcharan”! Então, isso também tá ótimo. A gente, no caso, as mulheres, pode sair de casa de cara lavada e vai se produzindo no caminho. Entra no carro com cara de sono, sai do carro com cara de deusa. Então? Ponto para a beleza.
E tem mais benefícios ainda proporcionados pelos organizadores do trânsito da cidade. No caso dos homens, tem a faxina do nariz. O macharedo aproveita o sinal fechado e o vidro escuro e ó, faz aquela geral em pelos e melecas nasais. E olha que dá tempo e sobra pra uma espiada nos dentes, com aquela rosnada pro espelho. Sem falar, claro, na limpeza do celular, envio de mensagens, telefonemas e até – pra quem tem acesso à máquinas pequenas - uma navegada básica, com envio de e-mails e leitura das manchetes e índices do dia, o que ajuda a adiantar o dia. No caso do telefone, a gente pode aproveitar para dizer aquelas coisas bonitas de dizer e gostosas de ouvir pras pessoas especiais. Seu amor está em casa ou indo pra outro lado da cidade curtindo outros semáforos, e você aproveita para lhe dizer o quanto o ama e que a vida nessa cidade teria muito menos graça sem a existência desse trânsito e suas sinaleiras e que, sem esse amor, não teria graça nenhuma. E ainda temos as alternativas das mensagens pelo celular e até e-mails. Romantismo de lado, a tecnologia embarcada pode adiantar o trabalho, marcar consultas... viu só?
Mas tem mais benefício ainda essas paradas nos sinais, verdadeiros “pit-stops” das facilidades da vida urbana. É o caso dos gentis limpadores de pára-brisas, o que não é um privilégio só de quem mora em Fortaleza, claro, mas aqui eles têm um tempo pro serviço que talvez só encontrem em São Paulo. A gente tá parando tanto tempo nos sinais que em breve poderá ter a vantagem extra de lavar o carro entre um sinal e outro. É só os flanelinhas e lavadores se organizarem. Numa sinaleira eles ensaboam o carro, na outra deixam limpinho, e na última, brilho final e pagamento.
As crianças também têm vantagens. Os mais relapsos podem terminar o dever inconcluso; os mais dedicados podem repassar as lições; e os mais feras podem aproveitar e passar pro papai e/ou mamãe as coisas aprendidas que eles não lembram mais ou sequer desconfiavam. Tudo é uma questão de entrar no clima. Lembra da ministra Marta Suplicy com seu famoso “relaxa e goza” para as pessoas que enfrentavam filas nos aeroportos? Pois é. Ou o dito popular “se a vida te deu um limão, faça uma limonada”? Então. Tudo é uma questão de ótica. E de semáforo. Sinal verde pra felicidade!