sábado, 17 de setembro de 2016

DA SÉRIE "MINHAS CANÇÕES" - TOM WAITS, O BUKOWSKI DA MÚSICA


Maluco, estranho, insólito, extravagante, e pra mim genial. Desconhecido pela maioria esmagadora dos brasileiros é músicoinstrumentistacompositorcantor e ator norte-americano. Sua voz grossa e rouca e suas letras esquisitas e intrigantes, sem falar na música, marcam a personalidade de sua música. Fumante e beberrão seria o Bukowski músico. Não por acaso que é grande amigo de Johnny Deep, outro doidinho. Waits possui uma considerável obra, constituída de quase 30 álbuns (incluindo álbuns de estúdio, compilações e álbuns ao vivo), e mais de 50 participações diretas (como ator) e indiretas (compondo trilhas sonoras) em filmes. Já foi indicado a um grande número de prêmios musicais, tendo ganhado o Grammy Awards por dois álbuns: Mule Variations e Bone Machine. Oito milhões já viram esse vídeo. O que prova que não estou sozinho. 





terça-feira, 13 de setembro de 2016

NA REDE DO TEMPO


A gente deitava na rede entre os livros
Tempão balançando,
jogando conversa fora
E lá fora
O vento zunia
na janela
eu era feliz e sabia
ela que não  era
e não sabia.
Perdeu tempo
Ganhei tempo

Contra-tempos

terça-feira, 6 de setembro de 2016

ESTAMOS FICANDO SURDOS DE NÓS MESMOS

(Escrito para OBVIOUS, o maior site de cultura cooperativa em língua portuguesa)

Cage e Satie fizeram peças para não se ouvir. O primeiro, com 4’33 queria que se “ouvisse” o silêncio que o som do silêncio musical produzia; o segundo queria que a música suplantasse o silêncio que se abate sobre as conversas e sobe os ruídos do mundo. Num tempo em que vivemos mergulhados e bombardeados por sons de toda ordem, seja no trânsito, nos fones de ouvido, na gritaria das ruas, nas mensagens e posts das redes sociais, é interessante pensar sobre o silêncio, principalmente o silêncio dentro de nós. Estamos ficando surdos de nós mesmos.

Imaginemos essa cena. Numa sala de concerto o pianista senta-se ao piano, levanta a tampa do teclado, acomoda-se, ajeita sua casaca, exercita os dedos dedilhando o ar, folheia a partitura, repousa as mãos sobre o teclado sem emitir som e, por exatos 4 minutos e 33 segundos não toca absolutamente nada. A obra 4’33, de John Cage, compositor norte-americano revolucionário de meados do século XX, é assim mesmo: para se ouvir o silêncio. Por alguns minutos o púbico permanece quieto, esperando... Logo a plateia  se impacienta e ouvem-se murmúrios e burburinhos. Que palhaçada é aquela?  Alguns se perguntam, perguntando para quem está do seu lado. Já não há mais silêncio. Cage leva ao extremo, com 4’33, o debate sobre o tempo na música e, por extensão sobre a própria liberdade de criar, que tanta polêmica gerou a partir de textos críticos de Adorno sobre a obra de Stravinsky, que o frankfurtiano criticara. 
No início do século, um outro músico, o francês Erik Satie, de quem Cage é tributário, pensa a música como um objeto, um móvel para o espaço onde as pessoas conversam, almoçam. Ele chama de Musique d'Ameublemen, música-mobília. Certa vez, no intervalo de uma peça de Max Jacob ele resolve apresentar sua obra “mobília”. Distribui pelos cantos da sala um piano, três clarinetes e um trombone, que tocam fragmentos musicais desconexos. O público, cercado por estes sons desconcertantes, passa a ouvir em silêncio educado. Exatamente o contrário do que Satie queria. Não se contendo, ele determina: "Falem! Mexam-se! Façam qualquer coisa, mas não escutem!". Era uma música para preencher o ambiente, assim como uma cadeira ou uma estante, mas não para ser o ponto principal da atenção. Era música para tapar o silêncio inconveniente das falas, abrandar o tilintar dos talheres e abafar os ruídos que vinham da rua. Satie, um excêntrico que guardava milhares de cartas nunca abertas, que usava em qualquer ocasião um mesmo modelo de casaca listrada e que dava nomes estranhíssimos às suas obras – como Três Passagens em Forma de Pêra - inventou a música ambiente quando os ambientes não estavam preparados para sua música.  Cage e Satie fizeram peças para não se ouvir. O primeiro, com 4’33 queria que se “ouvisse” o silêncio que o som do silêncio musical produzia; o segundo queria que a música suplantasse o silêncio que se abate sobre as conversas e sobe os ruídos do mundo. Num tempo em que vivemos mergulhados e bombardeados por sons de toda ordem, seja no trânsito, nos fones de ouvido, na gritaria das ruas, nas mensagens e posts das redes sociais, é interessante pensar sobre o silêncio, principalmente o silêncio dentro de nós. Estamos ficando surdos de nós mesmos. Quem para alguns minutos que seja, quando chega em casa e senta quieto a ouvir nada? Ou a se ouvir, num mergulho em si?  Cada vez mais distantes da natureza, caminhamos e corremos nos parques e na praia, com fones que nos roubam o canto dos pássaros, o ruído do mar, ou mesmo nossa respiração e passsadas. Cage provocou o silêncio que perturbou as pessoas e Satie queria preencher o silêncio das falas fáticas e vazias, na maioria. Numa certa medida são contraditórios, mas ambos nos fazem refletir sobre nossa relação com o silêncio e nosso afastamento da natureza, e, consequentemente, de nós mesmos.



sábado, 3 de setembro de 2016

A MULHER AMADA NUA (revisado)



Quem troca de corpos com frequência, só tem troca de corpos. Não que isso seja ruim, mas é incomparável à troca de corpos com almas. Aliás não é troca, é toque. Dormir com a mulher amada, fazer amor com a mulher amada e acordar ao lado da mulher amada é tocar sua alma, mesmo que quando vc depois a olha, nua, atirada entre os travesseiros, não sabe por onde ela anda.




Olhar a mulher amada dormindo, nua, mergulhada nos travesseiros é um momento/sentimento único. Olhar aquele corpo, ali estirado, mergulhado no seu mundo, provoca uma multidão de pensamentos. 
Aquele corpo é o corpo da alma que eu amo, e onde andará ela nesse instante? Sonha com o quê? Por onde vagará?, nadando em mares verdes, andando por matagais perigosos, pratos saborosos, outros braços? Ah, se desse para entrar nos seus sonhos agora e descobrir isso que nem ela desvenda, sua alma misteriosa...
Aquele corpo é o corpo que eu amo. Que em noites de tempestade, sacode a terra com seus frêmitos, gemidos e gozos. Que em noites de calmaria, se aconchega ao meu corpo e deixa seu perfume invadir meus pulmões, seu calor aquecer meus pelos, e sua respiração ao meu ouvido exaltar o estar vivo ao lado dela, duas vidas unidas em corpo e alma.
Quando olho sua pele morena, onde  veias parecem rios que correm cheios de seiva para o seu coração que pulsa ao som do mistério da vida e do nosso encontro tão desencontrado, tudo tão lindo, tão louco, tão calmo, tão tudo...
Quando vejo seus cabelos ‘assanhados’ (Deus do céu!) pelo sono e pelos meus dedos, que não se cansam de correr entre eles, harpa silenciosa, percebo o quanto é belo vê-la tão ‘desproduzida’, tão minha, tão nós.
Isso é olhar para a mulher amada dormindo. E ao acordá-la, cara inchada de noite, hálito pesado de noite, dizer "bom dia, acorda pra ser amada". Muito diferente de olhar aquela estranha que passou a noite com você e que ao acordar, assim meio sem jeito e sem assunto, os dois forçam uma intimidade baseada na noite que tiveram, mas que por mais prazerosa que tenha sido, foi isso apenas, a noite prazerosa que tiveram. E pode nunca mais se repetir.
Não há comparação ao se acordar ao lado da mulher amada, e contemplá-la com sua beleza, até com o que para ela é não beleza, uma estria aqui uma celulite aIi, uma gordurinha que se já


insinua... porque a mulher amada está acima disso, até porque aqueles ‘defeitinhos’ são a história do seu corpo, as marcas do seu tempo. São ‘indefeitos’.
Quem troca de corpos com frequência, só tem troca de corpos. Não que isso seja ruim, mas é incomparável à troca de corpos com almas. Aliás não é troca, é toque. Dormir com a mulher amada, fazer amor com a mulher amada e acordar ao lado da mulher amada é tocar sua alma, mesmo que quando vc depois a olha, nua, atirada entre os travesseiros, não sabe por onde ela anda. Mas vc sabe que está na alma dela, de alguma forma, e sabe que no corpo dela estão as marcas do seu, e vice versa. E o vice versa é isso, é amor, é corpo e alma.