Sandra, uma jovem universitária de 19 anos não conseguia mais
conviver com a sua virgindade. A cada segunda-feira ela inventava
para as suas amigas, todas na faixa de 18-20 anos, histórias
sensuais e sexuais, que vivera no final de semana. As amigas ouviam
entusiasmadas e logo contavam as suas aventuras e performances
também. Sandra fantasiava, para não dizer mentia. Assim como as
amigas acreditavam nela, ela também acreditava nas amigas. Mas
aquela situação lhe incomodava. Na verdade, ser virgem não lhe
incomodava, íntima e individualmente. Ser virgem lhe incomodava
enquanto pessoa no mundo, isto é, enquanto pessoa em relação com o
mundo que não era mais virgem, um mundo que não via mais na
virgindade um valor; pelo contrário, um mundo que zombava da
virgindade com frases do tipo “virgindade dá câncer” e “virgem,
eu? Só no signo, graças a Deus”. Todo o domingo à noite, Sandra
ao deitar ficava elucubrando as histórias que narraria no dia
seguinte. Até que, em conversa com uma rara amiga conhecedora de seu
“problema”, e que morava em outra cidade para estudar, resolvera
armar um plano para acabar de vez com aquela situação. Sandra iria
passar o final de semana com a amiga e na noite de sábado mesmo
acabaria com aquela realidade, acabaria com a sua virgindade. E assim
aconteceu. Lá foi ela para o apartamento da amiga. Antes de deixarem
o apartamento onde a amiga morava e irem pra balada, arrumaram a cama
com o melhor lençol, colocaram champanhe na geladeira e deixaram de
prontidão um cd de música suave. Só faltava escolher entre os
desconhecidos que perambulavam pela noite, entre copos e olhares,
aquele corpo que faria para sempre parte de sua vida e que ela, a
poucas horas de um acontecimento tão marcante, desconhecia quem
fosse.
E assim se deu. Na descontração juvenil que reveste a noite, onde
os corpos falam muito mais do que as falas, ou seja, onde o olho é
muito mais importante do que o ouvido, e os hormônios valem muito
mais do que os neurônios, encontrou um jovem bonito fisicamente,
universitário como ela, e com algum assunto. Ficou com ele até
certa hora e depois foram para o apartamento da amiga. Na
segunda-feira, finalmente, ela pode contar uma história real,
omitidos, claro, os detalhes da timidez, da insegurança e do
desprazer. Mas isso não importava. O que importava era que
finalmente ela estava inserida no mundo, tal qual o mundo pedia. Como
sujeito, ela se sujeitara ao mundo. E o que podia ser uma vivência
rica em afeto e troca, ficou sendo um ritual de acasalamento para
inserção social.
A pergunta que fica: Sandra é dona do seu corpo? Ou antes: Sandra é
dona dos seus pensamentos? Me assusta o modo fácil com que as
pessoas entram nas modas e modos impostos pelo mundo, sem a menor
reflexão. Ainda mais nesses tempos da deusa Mídia. Minha avó casou
virgem, passou a vida servindo o marido, a quem disse que aprendeu a
amar, dormiu com esse único homem mais de 50 anos e jamais teve um
orgasmo, que ela achava “isso de sexo uma nojeira e
sem-vergonhice”. Morta há pouco, achava as jovens de hoje umas
perdidas, que casavam por amor e separavam logo depois. Cada um é
filho do seu tempo, sem dúvida. Ou vítima do seu tempo, melhor.
Minha vó só estudou até a terceira série, porque mulher não
precisava estudar. Seu irmão se formou em direito e foi grande
advogado, porque era homem. E hoje, com toda a informação e a
possibilidade de conhecimento dada às mulheres, não consigo saber
quem foi menos ela mesma, quem foi mais vítima do seu tempo, minha
vó ou Sandra? Quem mais perdida, no sentido de viver a vida que o
mundo manda e não a sua? Sei não, mas desconfio que Sandra seja
mais pobre diabo.