quinta-feira, 31 de março de 2016

PRU ZÉ


sentado na calçada
vê quase nada
deitado na rede
olha parede
no ouvido
pouco sentido
que tanta batalha vencida
nessa guerra pela vida
que tanto mais lhe diz não
mas resiste o coração
vencer na vida é vencer a sorte
é vencer a morte
e vencer a morte ele sabe como é
porque ele é Zé
já venceu tantas vezes
q a própria morte pede arrego!

Ele não pode ser o pai q queria. Não pode ser o esposo que queria. Não pode ser o chefe de família q queria. Ele não pode ir trabalhar todo dia. Ele não teve nem o direito de sonhar, a não ser o sonho de viver cada dia. Porque todo dia ele tinha que vencer a vida, derrotar a morte.

Quem passa por aquela casa simples de uma rua da periferia, uma casa como todas da periferia, com obras sempre por fazer, aquelas paredes sem reboco, e que lembram a canção de Vinícius Moraes: "são casas simples com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima q é um lar”; quem passa por aquela casa simples de uma rua da periferia, vê todos os dias, por horas e horas aquele homem sentado ali contemplando a vida q passa e a paisagem humilde. O nome dele é Zé.
Ar cansado, vista fraca, ouvido mouco, corpo roto, um celularzinho pré-histórico, elo com o mundo, q dentro do ouvido ele ouve... Quem passa ali não sabe nada daquela vida. É apenas um velho sentado na calçada. Mas nós somos asssim mesmo, passamos pela vida e esquecemos de olhar a vida, as vezes até esquecemos de vivê-la, é ela q passa por nós. Mas se alguém sentasse com Zé, e ouvisse sua história... ah, quanta coisa saberia e aprenderia. Saberia que ali não está um derrotado, pobre velho cansado, sentado numa calçada na periferia, olhando a vida passar. Ali está um vencedor. Saberia q há uma grande diferença em vencer na vida e vencer a vida. E saberia q Zé venceu as duas. Saberia, sabendo a história de Zé, q vencer na vida não é ganhar dinheiro, ter sucesso. Vencer na vida é construir laços, preservar raízes, origens, ser digno, ser querido, ter uma família onde o amor e a luta (pela vida e pela união) dizem presente todo dia. Vencer na vida não é bater continência pro sistema, pra fila do banco (porque tem dinheiro lá), pro engarrafamento (porque tem carro ali), enfim, vencer na vida é o q Zé fez, apesar de toda roda viva q viveu e vive. E saberia q vencer a vida é ainda mais importante. Porque ela te desafia todo dia, e esse desafio é a morte. Vencer a vida é uma metáfora para o vencer a morte. Porque sabemos que death always wins, ou se preferirem Mors omni aetate communis est (a morte não poupa ninguém).
Quantas vezes por dia vc escapa de morrer? Na verdade, vencer a vida é derrotar a morte todo dia, ou melhor, adiá-la. E Zé já recebeu tantas vezes essa visita na sala de espera do seu coração, q ela cansou de esperar e entrou na fila de novo e de novo e de novo.
Ele não pode ser o pai q queria. Não pode ser o esposo que queria. Não pode ser o chefe de família q queria. Ele não pode ir trabalhar todo dia. Ele não teve nem o direito de sonhar, a não ser o sonho de viver cada dia. Porque todo dia ele tinha que vencer a vida, derrotar a morte.
Mas se alguém sentasse com Zé, naquela calçada, aprenderia q está diante de um vencedor. Quase cego, quase surdo, cardíaco, transplantado e ali, vivo, vendo a vida dos outros, q não teve. E não pense q ele é amargurado, infeliz. Uma festa em família se divide em uma festa com Zé, outra sem Zé. Como disse Shinyashiki “o sucesso é ser feliz”. E Zé do jeito dele é feliz, porque está vivo, e isso é uma celebração no seu cansado coração. Ele bate na cara de todos nós, q só nos queixamos e reclamamos da vida dura. Vida dura foi e é a de Zé. Aquele homem de ar cansado, vista fraca, ouvido mouco, corpo roto, é um canto à vida, naquele canto do mundo. Zé vencedor.

quarta-feira, 30 de março de 2016

QUERO UMA MULHER


Quero uma mulher que adore surpresas tolas, como escrever ‘eu te amo’ com papel picado no console do carro, enquanto espero ela descer; que curta bilhetinhos escondidos nas suas calcinhas, no bombom, na escova de dentes, e até no rolo de papel higiênico com mensagens nada decentes; e quando eu arrancar flores da rua e ir colocando no chão que ela vai pisar, ou convidá-la para sentar na praia, tarde da noite, só pra ouvir a música do mar, nunca me diga “você as vezes me assusta”


Quero uma mulher que quando eu disser que não gosto e não entendo de carros, e nem trocar pneu eu sei, não fique chocada, mas que me diga: “que bom, temos uma afinidade, já”. Que quando eu disser que amo poesia e Fernando Pessoa, não comece a me olhar desconfiada, mas que, se não for pra dizer “eu também”, diga pelo menos “também gosto de poesia, mas não conheço Fernando Pessoa, me apresenta?” Vai doer um pouco alguém gostar de poesia e não conhecer Pessoa, mas talvez valha o investimento, porque como ele disse “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E se gosta de poesia, tem alma viva ali dentro.
Quero uma mulher que quando eu me emocionar e chorar falando de algo como a beleza de encontrá-la, não me tire por bobo apaixonado, porque seria o óbvio, e o óbvio me incomoda; e que quando eu tiver uma crise de choro que a assuste diante de uma ameaça de rompimento, não me julgue fraco, nem frágil, mas apenas sensível, bobo apaixonado. Que quando eu deitar do seu lado e não estiver a fim, ela não pense que não sou macho o bastante, “porque todos os homens querem sempre transar”, mas entenda que o desejo, o do homem também, e o meu no particular, sofre nuances de humor e intensidade; e que quando eu quiser transar na hora mais inoportuna, entenda que pra mim aquela é a hora mais oportuna.
Quero uma mulher que curta comigo eu cuidar o calendário, para comemorar nosso dia de aniversário; q comemore comigo se eu lhe mandar flores comemorando dez meses, duas semanas, três dias e dez horas da primeira troca de olhares. E que se eu lhe mandar três buquês de uma vez, não me chame de exagerado, louco, mas até ache pouco, diante de tanto amor.
Quero uma mulher que adore surpresas tolas, como escrever ‘eu te amo’ com papel picado no console do carro, enquanto espero ela descer; que curta bilhetinhos escondidos nas suas calcinhas, no bombom, na escova de dentes, e até no rolo de papel higiênico com mensagens nada decentes; e quando eu arrancar flores da rua e ir colocando no chão que ela vai pisar, ou convidá-la para sentar na praia, tarde da noite, só pra ouvir a música do mar, nunca me diga “você as vezes me assusta”. Porque me assustam as que se assustam.
Quero uma mulher que desfrute do meu corpo sem pudor, posto que o entrego sempre em holocausto, e que me deixe dispor do seu como se fosse extensão do meu.
Quero uma mulher que durante o sexo não se choque com os meus palavrões misturados com os “eu te amo” e que no silêncio do depois, entenda que eu também curto aquele momento de quietude, um quase vazio, e também gosto de carinho, dengo e palavrinhas bobas-boas. E nunca pergunte “foi bom?”
Quero uma mulher que adore dançar e que carregue uma frustração infinita porque entre eu e um pau fincado no sertão, este aí dança mais que eu. Meu lado sádico. Mas adoro que dance pra mim, se exiba pra mim. Meu lado masoquista.
Quero uma mulher que quando eu me fechar em mim, entenda que preciso visitar meu mundo para poder respirar aqui fora e que não estou fugindo, muito menos amando menos.

Quero uma mulher que mesmo me achando de outro mundo, faça a loucura de viajar comigo pro meu planeta. Opa! Peraí. Nave mãe chamando! 

terça-feira, 22 de março de 2016

ZECA BALEIRO E OS OUTUNOS


"E vendo as flores aqui, q há três dias saudavam alegres o sol e agora murcham e começam a despencar, e as folhas amarelando, me comovo com esse espetáculo tão pequeno, tão imperceptível quase - e para maioria das pessoas é mesmo imperceptível - de execução da vida. Execução não no sentido de morte, mas no de algo q acontece, que se faz. "

Como diria Zeca Balero, hoje acordei com vontade de mandar flores ao delegado. Acho q a chegada do outuno mexeu comigo, afinal é a minha estação, porque é no outuno que estou. Meu inverno anda está um tanto longe, mas a minha primavera já passou faz tempo. E vendo as flores aqui, q há três dias saudavam alegres o sol e agora murcham e começam a despencar, e as folhas amarlando, me comovo com esse espetáculo tão pequeno, tão imperceptível quase - e para maioria das pessoas é mesmo imperceptível - de execução da vida. Execução não no sentido de morte, mas no de algo q acontece, que se faz.
Vendo meus filhos crescerem com todos os sonhos do mundo, embalados, em plena primavera, por corpos saudáveis, bonitos, cheios de energia, eu acho lindo, mas, por outro lado, me sinto ótimo começando meu outono.
Digo sempre q estou adorando ficar velho, porque cada vez me convenço da correção do ditado q diz q “o diabo sabe mais por velho q por diabo”. Acho linda a infância, mas não a vejo com toda essa poesia q colocam nela. Crianças têm medo demais, de tudo, fantasiam pro bom e pro ruim, veem príncipes e super heróis, mas também veem monstros demais, escuros demais. Têm medo de dormir sozinhas.
E a juventude, bem, essa, passada a minha e contemplando a dos outros, vejo quase como um se botar fora, um se perder de si mesmo, vivendo na tribo como o cacique manda, seguindo as ordens do pajé e fazendo a dança da chuva, q nunca chove. E lembro Rachel de Queiroz :
Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo.”
E quando ela fala da morte, embora ela estivesse já no inverno, quando escreveu:
E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos. Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e da cada porto nos manda um cartão postal, para indicar q já embarcou”.
Vc jovem q me lê deve tá pensando "cara chato q se acha". Mas não sou chato não, apenas estou sentindo a chegada do outono, no tempo da terra e no tempo da minha vida, e tô curtindo. É bom saber q ainda tem bastante q viver, não como vc jovem, mas é muito bom q também já vivi muito. Q vivi o sonho hippie, q vivi Beatles, 64, q descobri Beethoven... fora o q amei, sofri, sorri, gozei. Acho maravilhoso o título do livro "Confesso q vivi", de Pablo Neruda, poeta chileno, q inspirou o belíssimo filme o "O Carteiro e o Poeta", de Michaell Radford. Quero, "quando a indesejada das gentes chegar", como poetou Manuel Bandeira, poder repetir essa frase de Neruda, ou pelo menos um "valeu , Senhor, obrigado, tô pronto, partamos pra grande viagem".

Agora mesmo q vc tá me achando um chato, creio. "O cara só fala coisa velha, Beatles, Beethoven, 64, esse Neruda aí, esse filme q deve ser preto e branco". Mas sou chato, não. É coisa dos outonos. É a soma das outras estações q vivi. E tô adorando. E pra piorar ainda seu conceito sobre mim, estou escrevendo isso ouvindo uma sonata de Bach. Coisa de mim, com coisa de outonos. Desculpe. Vou mandar flores pro delegado.

sexta-feira, 18 de março de 2016

MIM MATO



"...   hoje percebo que o mato nunca saiu de mim. Eu q o traí por aí, pelas avenidas enfumaçadas, pelas batidas de copos e garrafas cheios de solidão em burburinhos de gente buscando sabe lá o q: um amor, um abraço, um papo, uma trepada, só um porre..."

Hoje saí cedo a caminhar pelas estradinhas, campos e matos. O dia raiava lindo. O sol se insinuando entre as árvores q acordavam da lua linda da noite passada. Sem ronco de motores, buzinas, gritos. Só meus passos, a passarada anunciando o dia, o burburinho de um riachinho aqui e ali. A neblina q se esvaía convencida pelo sol a virar núvem. Me chamavam a atenção as estradinhas laterais, os caminhos em meio ao mato, trilhinhos por onde passa uma criatura a cada quatro dias, por onde passa mais bicho q gente. Fquei pensando pra onde vão esses caminhozinhos, quem anda por ali, Senhor?
Caminhava ali sozinho, sem medo, sem dor, numa paz de chamar um terapeuta... Minha alma vagava, nem era eu, esse corpo machucado pelo calendário, esse coração roto. Até conversei com Deus e Santa Teresinha, q tenho certeza, caminhava do meu lado. Tomei água de um fio cristalino q sulcava fininho o chão. Pensei: vou chegar em casa e escrever uma coisa bem lírica, falando desse momento no mato, q hoje percebo, nunca saiu de mim. Eu q o traí por aí, pelas avenidas enfumaçadas, pelas batidas de copos e garrafas cheios de solidão em burburinhos de gente buscando sabe lá o q: um amor, um abraço, um papo, uma trepada, só um porre... Pensei: vou chegar em casa e escrever sobre isso de estar só na manhã q nasce e me renasce, olhando as florezinhas q ninguém vê, a magnitude de uma teia de aranha entre dois fios de cerca: nossa!, q trabalho maravilhoso esse bichinho faz; olhando as gotas de orvalho q balançam no arame divididas entre o sol e a terra...
Mas cheguei em casa, liguei a tv e o Brasil explodia em raiva, gritos, protestos. Gente agitada, polícia, bombas. Lembrei dos minutos atrás q vivi no mato, e pensei: "essa selva aqui não vai derrubar meu mato". Mas como Capaverde, o Brasil pegando fogo e tu vais escrever sobre gotinhas de orvalho e trilhinhos no meio do mato? Pois é, talvez seja isso q esteja faltando na selva de nossas ruas e corações, corpos com tanto gozo e almas com tanta busca. Pois vim escrever isso, q vc nem leu até aqui, e se tá lendo tá achando bobinho. Pois saiba q me fez tão bem, nessa orgia q vivemos, eu me sentir por um tempo fora dela. E foi tão bom escrever isso ouvindo Chet Baker e Bill Evans nas suas lendárias sessões juntos, música de dois doidos, viciados, perturbados, mas q quando tocavam, parecia q recém tinham saído do mato, tanta paz e beleza. E depois, me desculpe, escrevi pra mim. Se vc gostou, q bom. Toquei um pouquinho tua alma, certamente também tão sedenta de água da fonte. Sei q a zorra vai voltar pra mim, pq sou engajado, pq quero mudar o mundo. Mas nunca esquecerei do que vi e senti hoje de manhã no mato. E jurei q nunca mais vou deixá-lo sair de mim. Ou melhor, nunca mais vou traí-lo, eu q já traí tanto a tudo e, principalmente, a mim. Mim mato.





sábado, 12 de março de 2016

POEMINHAS ENJOADINHOS - 5


PARTITURA

Tudo ia bem naquele amor
e no sexo que se fazia
até que um dia
no espasmo do gozo
ela grita
"eu sou cachorra, me chama de cachorra"
palavra que ele nunca ouvia
dela
aí ele descobre
que ela era uma cadela
que a palavra que ali não se pronunciava
era a música que a excitava
no arranjo com outros corpos
onde fazia sinfonia



sexta-feira, 11 de março de 2016

PRA UMA MOÇA DEFUNTA


"... existe muito mais beleza na tristeza do q na alegria. As comédias não ganham Oscar. Os grandes romances, são dramas. As canções da alegria, como as de carnaval, só servem para momentos de fuga, e só tem sabor se forem engarrafadas."


Chove há dias no Rio Grande do Sul, a umidade tá em 100% aqui no meio do mato onde estou. Sinto minha alma borrifada, pra não dizer enxarcada. Alma não pega pneumonia, se pegasse a minha estaria numa UTI. Isso me levou a ouvir "Pavana para uma moça defunta", de Ravel, com o Duo Itodo. Não sei se por tristeza, não sei se por melancolia. Muito por causa da chuva e dessa umidade que franze a gente. Ou por nada disso, talvez só porque amo essa música e minha alma sentiu saudade dela. Se você não conhece a Pavana, e, por curiosidade, for ouví-la no youtube - se eu fosse você iria - (https://www.youtube.com/watch?v=tMV06F-WhWU) vai achá-la triste. Mas é bela. Intrigante isso, mas existe muito mais beleza na tristeza do q na alegria. As comédias não ganham Oscar. Os grandes romances, são dramas. As canções da alegria, como as de carnaval, só servem para momentos de fuga, e só tem sabor se forem engarrafadas. As músicas ditas bregas, carregam toda a dor do desamor, da traição, da solidão. Nos bares, depois q a cachaça pega e se cantou Djavan, Chico, Renato Russo e Raul Seixas, as almas se esbaldam com "boate azul", "garçon" e similares. E nem falemos na paixão de Cristo, todo seu sofrimento e dor, e tudo q vem no seu bojo.
Vinícius de Moraes disse que "todo grande amor só é bem grande se for triste". A beleza está muito mais na tristeza, q muitas vezes nem chega a ser triste! A beleza está muito mais na quietude de ouvir Ravel, de contemplar um por de sol, de olhar a chuva molhando a vidraça e em seguir aquela gotinha q escorre pelo vidro pra acabar num nada. A beleza está em ficar, como eu, tomando meu chimarrão a olhar uma vaca ruminar mergulhada no seu mundo de vaca, e eu me perguntando " q será q ela tá pensando?". E vaca pensa? A beleza está mais no suspiro do q na exclamação. Mas o q é a beleza? Pavana pode ser uma chatice pra você. E Amado Batista ("No hospital, na sala de cirurgia/Pela vidraça eu via você sofrendo a sorrir/E seu sorriso aos poucos se desfazendo/ Então vi você morrendo sem poder me despedir") pode acabar com você.
Como disse Fernando Pessoa, "a beleza é o nome de qualquer coisa que não existe/que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão". Então nessa manhã franzina, de chuva fina e brisa frágil, e de alma escorrendo como aquela gota d´água na vidraça, me permita a minha beleza, com as coisas q me agradam. Com a "Pavana para uma moça defunta", a chuva, e a vaca. O resto, o 'resto é silêncio', como no romance de Érico Veríssimo q tem esse nome, onde ele viaja magistralmente pelo suicídio de uma moça q se joga de um edifício em Porto Alegre. Quem é ela? As reações das pessoas q passam e veem aquele corpo jovem e morto... Uma tragédia transformada em arte, em beleza. Bem q a "Pavana para uma moça defunta" poderia ter sido composta pra ela. Tudo seria muito triste. Mas muito belo.





domingo, 6 de março de 2016

POEMINHAS ENJOADINHOS - 4


PROFESSORA DE SEXO

Ele tinha uma inquietação
que ela não
tinha experiência
de outros homens
Não desconfiava
o pobre
até que um dia ele descobre
que na ciência
do sexo
ela era doutora
tudo sabia
e dava aulas de kamasutra
pros homens que ela escolhia

sábado, 5 de março de 2016

HOJE ACORDEI NUVEM



Ela está lá porque escolheu, deliberadamente, como eu, desgarrar-se, não correr atrás do que lhe disseram para correr atrás...


Nesse meu período sabático, onde me sinto meio São Francisco, convivendo com irmã vaca, irmão boi, irmão flor, irmão pássaro, acordei hoje com uma sensação de nuvem. Irmã nuvem. Aquele tipo de nuvem branquinha, fraquinha, um rabinho de nuvem, q anda lá atrás das outras, grandonas. Mas não me senti assim porque esteja me sentindo fraquinho, frágilzinho, mas sim porque me sinto leve e alegremente desgarrado. Aquela nuvenzinha não está perdida, correndo atrás das grandonas. Ela está lá porque escolheu, deliberadamente, como eu, desgarrar-se, não correr atrás do que lhe disseram para correr atrás: núvens grandes, pesadas, carregadas de tensão, de eletricidade, q se parecem com a Abertura 1812 de Tchaikovsky, q termina em frenesi, com tiros de canhões. Ela escolheu ficar, veja bem, não atrás, como disse antes, mas fora, distante do barulho e tensão, como a Fantaisie 49, de Chopin.
E se você está num puta engarrafamento pra chegar na praia pra disputar um pedaço de areia e de sol e passar todo o tempo dizendo "não, muito obrigado", para os milhares de vendedores de tudo, q lhe interrompem o papo, a caipira e o devaneio; ou no trânsito da cidade enfrentando sinaleiras e pedintes, só querendo chegar em algum lugar; ou ainda, se está agoniado pensando no q vai fazer hoje, porque afinal é sábado e a gente se embebeda de finais de semana, como disse Vinícius... se está assim, bem, olhe pra cima, você está lá e ainda dá pra escolher a nuvem q você quer ser nesse dia. Não quero parecer presunçoso, arrogante, mas me sinto em sintonia, se me entende. Pelo contrário, me sinto quase nada sendo nuvenzinha... porque sei q não vou chover, nem soltar raios e faíscas, nem causar trovões. Vou só ficar aqui, sendo, quietinho, ouvindo nem tanto o piano de Chopin, mas principalmente o silêncio entre uma nota e outra. Um resto de nota. Bom dia pra você. Melhor, boa nuvem.

sexta-feira, 4 de março de 2016

POEMINHAS ENJOADINHOS - 3



SEXO EM FAMÍLIA

De dia, 
o primo era só brincadeira e folia
De noite,
o primo virava um mineiro
que socava e cavocava nela
um novo sexo ela descobria
Nada como dividir prazer
em segredo de família



OLHANDO A MULHER DO OUTRO


E eu sorvia sua beleza ao tempo em que sorvia minha caipirinha. O marido, confesso, mal eu notara. Sou péssimo pra esses detalhes. Mas vi que existia aquela figura masculina ali, sempre uma mistura de cão labrador com pitibull, dependendo da situação.

Era sábado. Praia do Futuro. Barraca Terra do Sol. Ela estava com seu marido, ou namorado, ou namorido, não sei. Era dia de sol forte, céu azul, daqueles em que até quem não gosta de praia sente vontade de se estirar no sol, tomar um banho de mar. Eu estava sentado a uns seis metros dela, em companhia de mim mesmo. Nessa manhã, me era boa companhia. Achei-a linda linda. E não poupei olhares. Ela também estava sentada, mas não me via. Eu não a olhava como se olha uma presa, eu não a desejava. Simplesmente eu a olhava como se olha uma obra de arte. Eu a contemplava, era isso. Biquini branco, pele dourada, cabelos e pelos dourados, ela era ouro; ela era um espetáculo, e por isso, devia ser olhada com olhos de platéia. E eu estava ali, representando o gênero masculino e tentando bem representar minha espécie, no seu lado, digamos, mais humano, menos bicho. Como ela estava em diagonal, eu podia assistir a sua exposição ao sol e à vida, sem que ela me percebesse. E eu sorvia sua beleza ao tempo em que sorvia minha caipirinha. O marido, confesso, mal eu notara. Sou péssimo pra esses detalhes. Mas vi que existia aquela figura masculina ali, sempre uma mistura de cão labrador com pitibull, dependendo da situação. Sim, porque não tem ser mais cordato e amigável que homem sossegado ao lado da mulher que gosta e de quem sente aquele orgulho que só os machos entendem, aquele orgulho de ter uma mulher bonita e desejada, mas que é dele; e não tem bicho mais pré-histórico, mais primo-irmão do gorila, quando se sente ameaçado por outro macho. Sei, sou um deles. E se a mulher então for flagrada olhando pro outro, coitado, esse vira vítima em potencial de afundamento maxilar, e ela começa a experimentar o que deve ser a sensação de passar o portal do inferno. 
Então eu olhava, mas sereno, porque eles não me viam. Até que, súbito, ela levantou e ficou de frente pra mim verticalizando sua forma esplendorosa. Confesso que levei um choque. Não esperava ela em pé, assim logo logo. Me ajeitei na cadeira e me recompus. Pedi outra caipira. Ela começou a fazer uma das coisas que eu mais curto na mulher – arrumar o cabelo, fazendo um simples rabo-de-cavalo. Simples? Naquele simples gesto, se encerra uma das maiores forças sedutoras do ser feminino. Nada de simples. Jogar o cabelo pra lá e pra cá, enquanto passa a liga, trabalhando com as mãos daquele jeito, resume a graça, a garça que vive em cada uma delas. Pensei: aquela cena era tão fortemente graciosa e sedutora que as mulheres deveriam ter a condição de fazê-la em câmara lenta. E aí, tóin, nossos olhares se cruzaram. Olhei firme por segundos e tirei o olhar. A ciência Semiótica diz que quem fala olha menos do que quem ouve. Você pode observar nas suas conversas cotidianas, quando você fala olha menos pra outra pessoa do que ela olha pra você. E ali, naquele dia lindo, na praia, quem estava falando era eu. Eu dizia: nossa, como você é linda! Em seguida ela deitou-se na cadeira, daquelas em que gente fica esticadão, longilíneo. Ela se confundia com o horizonte e me veio um verso de Drummond sobre os profetas do Aleijadinho, em Congonhas do Campo: “eles monumentalizam a paisagem”. Ela, com seu corpo esculpido por Deus num domingo em que Ele não assistiu ao Faustão, também monumentalizava a paisagem. Escultura em carne e osso, a mulher melhor prova de que o Cara existe. 
Quando ela percebeu que eu a olhava, as coisas mudaram. A naturalidade cedeu lugar aquela arte que as mulheres desenvolveram ao longo dos séculos, a arte de usar plenos poderes parecendo que não estão usando poder algum. Ela não se transformou em algo artificial, mas sim numa bela e natural encenação que só as mulheres sabem fazer de não estar nem aí estando aí. Se mexia mais, passava protetor com mais dedicação em cada poro do seu corpo… O homem não me notara. Continuava marido labrador. E assim eu tomava minha terceira caipirinha e a cada gole mais eu a achava linda, a cada gole mais eu sentia que me aproximava da alma dela. E me apaixonava, eu e a Ypioca, dobradinha com o diabo. E o lado bicho começou a me cutucar. Estava ótimo ela deitada, meio de lado pra mim, e eu sorvendo o canudo e absorvendo sua beleza. E o homem não via nada, ocupado em observar um grupo de jovens que continuava saltando. Mas ela me vira. Ela sabia que eu existia. E isso me bastou. Que mais eu poderia querer diante daquele espetáculo vigiado pelo mix labrador-pitibul? Ela me era como um por de sol em Jericoacara – lindo, mas tem seu tempo, acaba. Como disse, eu procurava representar bem o gênero masculino, no seu lado humano, mas já começava a ser vaiado pelo outro lado. Eu, platéia, já tinha me embebedado da sua beleza. E de Ypioca. Ela, palco, já tinha feito sua apresentação pra mim. Tudo sem pecado. Não tinha luxuria aquilo, quer dizer, só um pouquinho já, do meu lado. Aquilo era a vida. Mulher linda, homem-marido do lado, homem sozinho olhando. Mulher maravilhosa é contemplada por homem contemplativo. Tomei o restante do copo num gole só, pedi a conta, dei um suspiro e pensei: que bom, já vou. Ninguém se machucou. Certamente quando ela olhou de novo pra onde eu estava e não me viu, pensou: que bom, já foi. A minha paixão de minutos acabou. A exibição dela também. Mas a vida ficou mais bela. Pra mim e pra ela. E o marido continuou assistindo os saltos dos garotos. Me lembrei de uma crônica de Rubem Braga, onde ele fala da mulher que se prepara para trair. Não era o caso, mas lembrei, acionado pelo copo: “(o marido)...era um boi esquecido, mugindo, numa ilha distante e abandonada para sempre. Mas não senti pena”. Já eu sempre tenho pena dos maridos. Já fui um deles e, quem garante, não serei de novo. Raios caem, sim, mais vezes no mesmo lugar.Mas nada mais aconteceu ali. Ela deve ter ido pra casa com ele, porque era sábado, e sábado, como disse Vinícius “todas as mulheres estão atentas e todos os maridos estão funcionando regularmente”. E eu segui sozinho, com a Ypioca me beliscando com a lembrança dela. Eu já não era o mesmo de quando a descobri ali sentada... Pensei: “normal, esse sou eu”. E não era porque fosse sábado.

quarta-feira, 2 de março de 2016

POEMINHAS ENJOADINHOS - 2



METAMORFOSE  (OU SEXO E JORNALISMO)
De dia era trabalho
lapidar frases, construir textos
era a labuta
do jornalismo
De noite era a festa
beber copos e caçar corpos
era la puta
do imoralismo 

POEMINHAS ENJOADINHOS - 1


A VERDADE DO FAKE


Tem gente que cria fake
na internet
pra viver uma fantasia
Tem gente que é o próprio fake
e vive fake
na real
do dia a dia