domingo, 28 de agosto de 2016

MINHAS CANÇÕES


A partir de agora, meu blog passa a ter um pouco mais da minha “vidalma”, com as músicas que amo, que fizeram parte dessa minha trajetória atrapalhada pelo planeta. E para começar não podia ser outro, o maior gênio dos últimos 500 anos desse país. Wesley Safadão que me desculpe, mas falo de Chico. Só isso já basta. Chico.
Aqui, “Se eu soubesse”, o lado feminino da alma iluminada desse cara iluminado. Corações ao alto.




sábado, 27 de agosto de 2016

NÃO DEIXE PARA AMANHÃ O AMOR DE HOJE. AMOR É PRATO QUE SE COME QUENTE E COM PIMENTA


Cena do filme "As pontes de Madison"
"Da série dos outros, q amo"



 SÍLVIA MARQUES, in Obvious



Muitas vezes, esperando o momento ideal para viver o amor, deixamos o melhor da vida ir embora sem ao menos nos despedirmos com alguma pompa e circunstância. Inventamos milhares de desculpas para não nos envolvermos completamente, para não mergulharmos de cabeça em relações que poderiam se tornar o nosso amor com A maiúsculo.


É uma pena perceber que existem mais casais formados pela conveniência social, pelo "amor" de costume do que pelo amor mesmo. É triste perceber que a maioria das pessoas passa pela vida sem conhecer e sem saborear o amor com A maiúsculo. Ás vezes, não acontece mesmo. Vai se fazer o que? Toca-se a vida e pronto.
O triste mesmo é quando a pessoa deixa o amor passar por medo ou por incapacidade de se adequar a uma situação não tão fácil. O triste é quando a gente deixa este amor especial passar por birra , por preguiça , por descrença na vida , por descrença em nós mesmos , no outro , no amor em si.
Muitas vezes, esperando o momento ideal para viver o amor, deixamos o melhor da vida ir embora sem ao menos nos despedirmos com alguma pompa e circunstância. Inventamos milhares de desculpas para não nos envolvermos completamente , para não mergulharmos de cabeça em relações que poderiam se tornar o nosso amor com A maiúsculo.
Obviamente , é muito simples entender por que as pessoas temem o amor. O amor pode ser muito doloroso. Muito doloroso mesmo. Talvez a rejeição amorosa seja uma das piores dores que existem. E mesmo quando um amor é feliz , relacionar-se exige uma boa dose de desprendimento, o que não está muito em moda ultimamente. Cada vez mais encontramos menos pessoas dispostas a compartilhar e a vivenciar experiências a dois.
Ás vezes, por questões contingenciais, somos obrigados a esperar pelo amor. Sim, somos obrigados a esperar quando quem amamos está com medo. Quando quem amamos precisa pular algum obstáculo interno para chegar até nós.

Mas se tivermos a possibilidade de alcançarmos o amor , não há nada melhor do que saboreá-lo em fartas garfadas , bem quente , pelando, com molho de pimenta por cima. Sim, amor é prato que se come quente. Deixar o amor no forninho é um baita desperdício, é vida jogada fora. Cada semana , cada dia , cada momento que nos privamos da presença da pessoa amada é uma semana , um dia , um momento perdidos.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

SEPARAÇÃO E O VIRA-LATAS



Da outra separação
Era tanta coisa que doía
Que até das coisas falta eu sentia
A gente aguenta
Mas que saudades eu tinha
Até das ferramentas
Parceiras de final de semana
Dessa vez agora
Era tudo que doía
A gente aguenta
Mas que saudade que eu senti
Até de minha coleção de pimentas
Deixadas morrer sequinhas
E até, como é que pode?
Senti falta do mais feio vira-latas,
Que me fazia festa com sua cauda fedorenta
A gente aguenta
Mas a saudade mais cruel
É da pessoa que eu era naquelas histórias
Feliz, romântico, confiante no juntos pra sempre
Mais um eu morto vivendo na minha memória
Mas já vejo um contraponto
Um cemitério ao contrário, mistura de Incidente em Antares
Com Pasárgada
de bons momentos dentro mim
que mais parece um jardim
onde rego minhas plantas e pimentas
do jeito que nunca fiz
e elas florescem lindas, coloridas
e com Mercedes dou ‘gracias a la vida
por me ha dado tanto’.
Às avessas, gauche, feliz.


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A VIDA SERIA MAIS SIMPLES SE AS PESSOAS NÃO VOMITASSEM FELICIDADE FALSA


Da série "Dos outros, que amo".
   
Patrícia Marques

A vida seria mais simples se as pessoas fossem mais elas mesmas. Se elas olhassem nos olhos dos outros e falassem sobre seus problemas, seus medos. A vida seria mais simples se a gente não precisasse provar que é bem-sucedido o tempo todo. Seria mais simples se a gente pudesse gostar das pessoas independentemente da vida que elas levam. Se a gente pudesse dizer sem constrangimento algum que está se sentindo um monte de merda e que a vida pode ser bem complicada sim. Talvez, se admitíssemos mais o caos que é viver, não sofreríamos tanto. Talvez, se desfocássemos mais daquilo que dizem que é importante , mas que não faz sentido para nós, fôssemos mais bem sucedidos num sentido mais amplo. 



Sim, a vida seria bem mais simples e espontânea se as pessoas não vomitassem felicidade falsa nem tentassem o tempo todo provar um equilíbrio que elas não têm. Ninguém acorda super bem todos os dias. Ninguém se sente disposto para uma cerveja depois do expediente todos os dias. Ás vezes a gente fica mal mesmo, lembra de um monte de fatos trash e quer chorar na cama que é lugar quente. Ás vezes as coisas não parecem fazer muito sentido e a gente quer ficar fechadinho dentro da gente mesmo.
A gente não é obrigado a ficar feliz e comemorar porque é Natal, réveillon ou dia dos namorados. A gente não precisa necessariamente sorrir e querer curtir porque faz sol, porque a gente está na praia ou porque disseram que a vida é simples e é o ser humano que complica.
A gente não precisa rejeitar a tristeza como se fosse uma doença pestilenta. Ela faz parte da vida como a alegria. Só precisamos tomar cuidado para não transformá-la em um hábito ou nos esconder atrás dela por medo de ser feliz ou ainda dar importância demais a problemas e principalmente à pessoas pequenas. Este é um exercício e tanto que pode levar anos ou a vida inteira. Mas me parece que vale a pena.
A vida seria mais simples se as pessoas fossem mais elas mesmas. Se elas olhassem nos olhos dos outros e falassem sobre seus problemas, seus medos. A vida seria mais simples se a gente não precisasse provar que é bem-sucedido o tempo todo. Seria mais simples se a gente pudesse gostar das pessoas independentemente da vida que elas levam. Se a gente pudesse dizer sem constrangimento algum que está se sentindo um monte de merda e que a vida pode ser bem complicada sim. Talvez, se admitíssemos mais o caos que é viver, não sofreríamos tanto. Talvez, se desfocássemos mais daquilo que dizem que é importante , mas que não faz sentido para nós, fôssemos mais bem sucedidos num sentido mais amplo.
Talvez se mostrássemos mais os nossos rostos demaquilados e nossas almas nuas, se não nos defendêssemos tanto uns dos outros, se não nos importássemos tanto em mostrar que somos melhores do que os outros, pudéssemos ser mais unidos, mais solidários, mais amados, mais amantes.
Se a gente entendesse que todo mundo está no mesmo barco...Rogo pelo dia em que as mulheres casadas se assumam sozinhas e mal amadas. Rogo pelo dia em que as mulheres solteiras confessem que uma companhia faz falta sim e que fazer tudo sozinha pode ser muito triste. Rogo pelo dia em que os homens tanto casados como solteiros afirmem com todas as letras que morrem de medo das mulheres e que nunca deixam de ser meninões. Rogo pelo dia em que as mães gritem desesperadas o quanto estão cansadas e as que não têm filhos lamentem esta lacuna em suas vidas. Que os crentes reclamem dos grilhões da fé e que os ateus lamentem não crer. Que todos se assumam meio perdidos, meio sozinhos nesta vida louca. Rogo para que as pessoas assumam como o passado é doloroso e o futuro incerto. E depois de tantas confissões acaloradas, que elas possam respirar fundo, sorrir umas para as outra e seguir em frente cheias de coragem. Que depois de tudo, a gente pudesse cantar juntos I will survive e nos sentir intimamente ligados ao outro por meio da nossa vulnerabilidade, por meio da nossa capacidade irrestrita e desgovernada de dar e receber amor.


terça-feira, 16 de agosto de 2016

O NÃO-VIVIDO DE NOSSAS VIDAS


"E as histórias q começaram e acabaram no não-vivido mais? Das amizades ao amor. Aquela amizade que parecia ser pra sempre, de tanta afinidade e cumplicidade, e a gente foi deixando esfriar, até ir parar no limbo, jogado num cantinho dos contatos das redes sociais? Eventualmente vira uma ‘curtida’, e só...
E aquela relação tão forte, aquele amor, aquela admiração, atração intensa pelo outro, parceria, a divisão das dificuldades e a multiplicação das conquistas e alegrias, que por detalhe, acabou?..."


Artur da Távola deixou textos memoráveis sobre o amor, e num deles ele fala justamente do não-vivido. Aquele cara bacana q sentou do seu lado no metrô, q rolou um papo super bom, de muita afinidade em tão curto tempo, que lhe deu cartão, q pegou seu telefone... e nunca mais se falaram. Porque você não quis ligar primeiro, porque ele também não quis, ou porque tinha alguém, porque você perdeu o cartão dele, ou...ou...
Quantas histórias não foram vividas, ou, melhor, foram não-vividas por detalhes? Ou se você preferir, por coisa do acaso, do destino. Você já pensou quantas coisas, estou falando aqui de coisas boas, q não lhe aconteceram por um pequeno porém? Gente que você não conheceu, emprego que não aconteceu... porque o e-mail não chegou, o voo foi perdido, não saiu aquela noite porque estava com dor de cabeça, não foi à entrevista de emprego porque...
E as histórias q começaram e acabaram no não-vivido mais? Das amizades ao amor. Aquela amizade que parecia ser pra sempre, de tanta afinidade e cumplicidade, e a gente foi deixando esfriar, até ir parar no limbo, jogado num cantinho dos contatos das redes sociais? Eventualmente vira uma ‘curtida’, e só. Já virou uma amizade não-vivida mais.  A falta de tempo, novos amigos, ou novos conhecidos, a mudança de bairro, uma discussãozinha no bar – e que depois não tiramos a limpo. Limbo.
E aquela relação tão forte, aquele amor, aquela admiração, atração intensa pelo outro, parceria, a divisão das dificuldades e a multiplicação das conquistas e alegrias, que por detalhe, acabou? Detalhe aqui pode ser birra, mágoa, orgulho ferido, palavras pontiagudas, atos frutos da banda podre, que todos carregamos; sentimentos ruins, enfim, o lado lunar que todos temos. Porque diante do amor, tudo fica pequeno. Claro que cada caso é um caso, mas na maioria dos rompimentos, falo quando existe amor, qualquer motivo vira detalhe diante da grandeza do amor latente, e que acaba desrespeitado, logo  ele, tão sagrado e a grande diferença que temos dos macacos, cavalos, cães... Preferimos molhar o travesseiro à pegar o telefone e ligar, procurar, aliás a primeira coisa q a gente faz é bloquear o outro no e-mail, Facebook, whatsApp... só não bloqueia no coração, porque no coração não tem o botãozinho do excluir, do bloquear. E aí pra sempre restará o não-vivido mais ....
 Aquela criatura que era o seu sonho de ter filhos, viajar o mundo, construir uma vida juntos, morrer velhinhos, vira uma outra pessoa, quando não, o diabo. E o amor mais não-vivido, passa a ser vivido do rancor, do desamor.
A ideia q me assalta é q vivemos muito mais o não-vivido e o mais não-vivido. Seja por acaso, pelo cartão perdido, pelo telefonema não dado, pelo orgulho, pelo número bloqueado, pelo tempo, que mais que a distância, afasta as pessoas. Por detalhe, pela ausência do ‘desculpe a nossa falha’, as amizades se perdem, e os amores se morrem. No não-vivido e no mais não-vivido pra sempre. E assim vivemos. Ou não.


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

OS ‘UNIVERSOTÁRIOS’ DA FACULDADE E DA MÚSICA


"... até a música que são obrigados a consumir, já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética, essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’, uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. "


As universidades, cada vez mais, refletem essa verdade crua do mundo-mercado e cada vez mais, como disse Ciro Marcondes Filho, tendem para o ensino técnico-prático, formando “cada vez mais competências para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica”. Nossas faculdades são cada vez mais profissionalizantes. Jornalismo, Administração de Empresas, Direito, cada vez mais são cursos técnicos, como Contábeis, Sistemas de Informação, Engenharia… Cursos superiores? Acho um deboche à cultura que a humanidade começou a construir desde 450 a. C. com os gregos, chamar esses cursos todos e todos os outros não citados, de superiores. Superiores a quê? em quê? Ensinam, no máximo, um fazer, uma técnica. Nunca um pensar o fazer. O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis e também da Academia Nacional de Economia, Antônio Lopes de Sá, perguntado sobre o principal problema dos cursos de Ciências Contábeis, disse: “falta filosofia, psicologia, tem contabilidade demais e cultura de menos”. Lopes de Sá, era doutor em Contábeis e doutor em Letras pela London University. Falta pensamento nos nossos cursos, isso que nos faz diferentes das outras espécies, ou pelo menos vinha fazendo nesses últimos séculos. Falta também emoção, falta afetividade nas nossas salas de aula. É claro que isso não falta só nas faculdades, falta em todas as salas de aula, com exceção das do prezinho. Aliás, já chamamos afetuosamente prezinho, porque ele vem antes da sala de aula propriamente dita, aterradora, castradora. Como lembrou Rubem Alves, estranho que nessa fase do prezinho, as crianças queiram ir para a aula e depois isso se transforma numa coisa enfadonha, triste mesmo. O sociólogo Francisco de Oliveira, tempera esse papo dizendo que “quando uma criança tem medo e não consegue dormir no escuro, nós devemos ir lá e acender a luz”. Nas nossas salas de aula de hoje o ar condicionado está ligado, mas as luzes estão apagadas e nós, professores, não sabemos onde está o interruptor, porque nunca nos disseram e tampouco fomos ensinados a procurar. Podemos até ter a técnica de uma boa aula, dominarmos toda a tecnologia embutida/empurrada goela abaixo de professores e alunos, mas não nos falaram sobre emoção, fraternidade. E sem isso não existe talento, não existe criatividade. Sem amor ninguém desperta. Ninguém desperta sem ser também cutucado, provocado nos porquês. Na porrada, na cobrança, na competição, no máximo, se assusta. Basta ver a cara de espanto dos jovens que são empurrados a fazer uma faculdade para, na melhor das hipóteses, ter algum chance de futuro, incerto e inseguro. São empurrados para um tal de empreendedorismo sonhando com concurso público, a única tábua para se agarrar nesse mar de desamor, competição e insegurança. A universidade está subserviente demais. “Diz-me, ó mercado, que tipo de formando quereis e eu te darei”. E ele - o novo Deus - responde: “Quero gente fria, que saiba fazer e não pense muito, quero gente-máquina, gente técnica que baixe a cabeça e produza e não ouse olhar diferente, fazer perguntas, quero gente que só pense em comprar uma calça nova, um carro novo, tomar a vodka da moda...”. E o pior - ou melhor de tudo, dependendo do lado que se olha a coisa – é ver que os universitários querem é esse ensino mesmo, embotados que já foram. Talvez seja melhor chamá-los não de “universitários”, mas como Sérgio Augusto em artigo na Bravo, de “universotários”. Porque até a música que são obrigados a consumir, já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética, essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’, uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. Chega a doer essa maldade.

A universidade cada vez forma mais gente só para produzir e consumir, enfim, viver como máquina. E produzir se conseguir emprego. E consumir se tiver renda. Sonhar, ousar, mudar, isso nunca. Aliás, sonho nesse mundo, só os que a mídia cria, de preferência de consumo. A técnica venceu. O talento e a criatividade perderam, eles só tem valor se for para o bem do mercado. A inteligência e a sensibilidade também. O homem perdeu. Não há iso, reengenharia, essa nova bobagem chamada coaching, ou coisa que o valha, capaz de criar a emoção de ouvir uma peça de Satie, ler um poema de Whitman (porque nunca foram apresentados a eles) ou mesmo a gratidão alegre por uma mão pousada no ombro em meio ao turbilhão desumano que o ser humano criou no trabalho, nas salas de aula, nos shoppings…coisas de outro mundo, não desse mundo técnico-tecnológico, frio-interesseiro, que coloca ferro nos dentes pro sorriso ficar bonito, mas não ensina nem diz do que rir, se não for produzido pelo Grande Irmão de Orwell, que a Globo debochou criando o ‘Big Brother’.
 E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.



terça-feira, 9 de agosto de 2016

A ARTE DE (DES)CRUZAR AS PERNAS


(revisado)

Porque a mulher conjuga, como o homem não sabe conjugar, o verbo esperar. Ela espera no bar, na festa, que o homem, normalmente já escolhido, venha conversar. Ela espera o sangue vir, depois espera ele ir. Se o sangue não vem, ela espera bebê. Nove meses de espera. Coisa que homem nenhum suportaria. Ela embala  o bebê e espera ele dormir. Ela espera o homem vir.

A mulher tem várias armas para derrubar, ou pelo menos bambolear um homem, no jogo da sedução. Uma das mais eficazes é o cruzar de pernas. Com saia ou vestido, claro. Aliás, essa é uma distinção - saia e vestido – que está além da minha compreensão. Tudo pra mim é saia ou tudo é vestido. Uma mulher que, diante de espécime macho, saiba cruzar as pernas e, o que é mais perturbador, saiba descruzá-las, soma pontos valiosos na planilha da sedução. A imortalidade de Sharon Stone está garantida não pela sua obra, mas pelos cinco segundos de seu cruzar e, principalmente, descruzar de pernas.
Antes de tudo, mais importante que tudo, acima de tudo, quase tudo: é preciso calma nessa hora, digo, nessa arte. É preciso ser mesmo lenta, câmara lenta – slow motion, para quem está mais acostumado ao português moderno. Aliás, a calma, um jeito devagar de fazer tudo, irmã gêmea da delicadeza, deveria ser a norma de todas as condutas da mulher. Na verdade, creio que as mulheres são mais lentas por natureza, e, por favor, eu estou elogiando. As ligeirinhas, agitadas, que me perdoem, mas não são o melhor do gênero. Foram corrompidas. Esses tempos de velocidade, de potência, de gente máquina, esse cruzamento doido de alma com tecnologia, que acelera tudo, isso é coisa de macho, mas acabou atingindo a mulher. Mas no fundo, na essência, ela tem a calma. Porque a mulher conjuga, como o homem não sabe conjugar, o verbo esperar. Ela espera no bar, na festa, que o homem, normalmente já escolhido, venha conversar. Ela espera o sangue vir, depois espera ele ir. Se o sangue não vem, ela espera bebê. Nove meses de espera. Coisa que homem nenhum suportaria. Ela embala  o bebê e espera ele dormir. Ela espera o homem vir. Rubem Braga escreveu aos 20 e poucos anos uma bela crônica sobre a mulher que espera homem. “Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e que no fim a história do atraso dele seja também vulgar, neste momento ela é a mulher esperando o homem”.
E quando um pneu do carro fura, a mulher simplesmente desce e ... espera alguém – homem, claro – para trocá-lo. No sexo, ela demora mais, e o homem, sem paciência, não espera como ela certamente esperaria. Depois, ela espera um papo carinhoso e ele não espera pra dormir. Até na hora da concepção se faz a diferença – 350 milhões de espermatozóides em louca carreira para chegar ao óvulo, que lentamente foi dos ovários para a trompa e lá, placidamente, espera o vencedor da corrida. O que não é diferente aqui de fora, onde o homem corre, corre, atrás de quem mesmo? Porra-louca dentro e fora.
Então, mulher, busque a calma se ela anda agitada dentro de você, que ela lhe pertence. A menos que você tenha 18 anos, ou por aí, porque aí é quase impossível. Vale para todas o que Afonso Romano escreveu sobre a mulher madura:

"Há uma serenidade em seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosas. A adolescente não sabe ainda os limites do seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muitos barulhos, joga muita água para os lados. Enfim, desborda. A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo de repouso da garça sobre o lago."

Particularmente sempre disse  que mulher começa a virar gente depois dos 25. Homem, muitas vezes, nunca vira, vivendo sempre o roteiro que lhe escreveram. A mulher espera se reiventar. Para encerrar esse papo vejamos a localização do sexo no homem e na mulher. O homem, arma em riste; a mulher, algo escondido - um lugar quente, úmido, pra dentro, estranho, muito diferente do sexo dele, pra fora, solto no mundo (agite antes de usar). Mulher é interior e tudo que isso implica - emoção, sexto sentido, mistério, conotação; homem é exterior, e tudo que isso explica, denotação.
Dito isso, minha amiga, calma sempre e em tudo, que esse bicho apressado chamado homem corre tanto justamente pra chegar aí – um regaço morno, um cafuné de mãos delicadas, a paz depois da correria, sono abraçado numa nuvem: ela ressonando no seu ombro. Então, mãos à obra. Aliás, pernas. Mas bem devagarzinho.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

CORRER COM DEUS OU CORRER COM OS HOMENS

Quando passava um cruzamento olhava para as pessoas nos carros, presas no ar condicionado e no vidro escuro (a cara de nossas vidas longe da vida), e ao mesmo tempo que sentia pena delas, me sentia constrangido. O que pensavam de mim, ali solitário, derretendo, ao invés de estar junto deles, "correndo" pro trabalho, pra aula, enfim, pra algo “produtivo”?

Agora que minha vida enfim, começa a voltar ao normal, depois de 7 meses no limbo, pós cirurgia e outras feridas, e retorno a correr, quero correr também pelos pensamentos com você. Quero falar das diferenças de onde se corre. E do prazer que é correr. E chegar mais uma vez a Deus.
Comecei correndo pela Oliveira Paiva, uma grande avenida aqui de Fortaleza. Depois experimentei a Washington Soares, artéria maior ainda, mas que tem pista central para quem corre, caminha ou anda de bicicleta. Por fim voltei a correr na praia. E aí seguem minhas filosofadas semióticas.
Correr na Oliveira Paiva, uma avenida semelhante a tantas do Brasil a fora, é correr na cidade com o que ela tem de mais cidade, isto é, calçadas irregulares, buracos, sinaleiras, cruzamentos, carros e carros enfileirados, uns entrando nos postos pra abastecer, outros saindo; bêbados e pedintes; vendedores de comida de rua, tapioqueiras... enfim, é a cidade como ela é. A avenida tem vida, tem alma. Mas tem a marca desse tempo: a pobreza da rua, o luxo e a solidão dos carros, com gente apressada, atrasada, preocupada, estressada. Sem falar no ar que se respira. Precisa tanta atenção, e tem tanta distração que desisti.
Mudei. Fui pro corredor da  Washington Soares. Correndo cedo, passava por um aqui outro ali, gente com fones nos ouvidos e ladeado por filas intermináveis de carros, mais uma vez com gente apressada, atrasada, preocupada, estressada, querendo chegar a algum lugar. Mas aquela pista me pareceu tão fria, me fez sentir tão só. Quando passava um cruzamento olhava para as pessoas nos carros, presas no ar condicionado e no vidro escuro (a cara de nossas vidas longe da vida), e ao mesmo tempo que sentia pena delas, me sentia constrangido. O que pensavam de mim, ali solitário, derretendo, ao invés de estar junto deles, "correndo" pro trabalho, pra aula, enfim, pra algo “produtivo”?
Não senti a alma da cidade, que ficava nas calçadas. Me incomodou. Sem falar no ar, de novo. Ali também não era lugar.
Por fim, voltei à correr na praia. Uau! Ufa! Aff! Que diferença!
Pés descalços na areia, mar rugindo do lado, sol e brisa fazendo dueto no meu corpo. Algumas pessoas também corriam, e, surpresa!, sorriam,  davam “bom dia”.  Casais caminhavam de mãos, bandos de cachorros se exercitavam atrás de peixes jogados fora, milhares de conchinhas saudavam meus passos ...
Ali estava Deus. Ele também estava nas avenidas. Muitos deviam estar nos seus carros, ouvindo hinos, pastores, padre Marcelo, Reginaldo Manzotti. Deus era o bêbado caído, aquele homem com uma placa “tô com fome”. Cristo é o outro. Mas a diferença é que naquela confusão toda, a gente nem nota isso. É tanta atenção-distração que a gente nem nota a si mesmo.
Correndo sozinho na praia, sentia Cristo correndo do meu lado. “Bora, cara!”. Olhava o horizonte azul e lá estava Ele. Extenuado, tomei um banho, me atirei na areia olhando o céu. E lá estava Ele. Sei que Ele está em todo lugar, mas na maioria dos lugares que construímos (ou destruímos) é mais difícil encontrá-Lo. Por isso voltei ao mar. Ou o mar voltou pra mim. Se você corre na cidade, e pode dar um jeito de correr na praia, faça-o. Mesmo que você só busque saúde, vai ser muito melhor. Mesmo que você não creia ou não busque Deus, Ele está lá te esperando. Na paz, na brisa, no rugir das ondas, no infinito do horizonte e do olhar pra cima. E principalmente do olhar pra dentro. Vai ser muito melhor.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A MÁQUINA EM CADA UM DE NÓS

Da série "Dos outros, que amo".

Carlos Drummond de Andrade, mais atual do que em 38. Com vídeo de Caetano.



Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O AMOR NO TEMPO DO FAST- FODA

(revisado)

Imagine uma situação hipotética onde um homem e uma mulher que nunca viram uma cena de amor entre namorados, nunca viram um homem e uma mulher fazendo sexo fossem colocados num luxuoso quarto de motel, com a melhor champanhe, música romântica e tudo o mais... O que aconteceria? Rolaria? Não aconteceria nada. Não rolaria nada. Porque não saberiam o que fazer, como fazer. Uma frase comum na nossa sociedade – e carregada de preconceito moral – é que “sem-vergonhice a gente nasce sabendo”. Primeiro essa sem-vergonhice não é sem-vergonhice – é vida. Segundo, a gente não nasce sabendo essas coisas, a gente aprende. Pelos filmes, novelas, pelos romances, pelas ruas, na família, isto é, na vida mesmo. É claro que os filmes pornôs mais deseducam do que educam, porque ninguém é daquele jeito, é claro que os romances e novelas ensinam uma noção açucarada da felicidade a dois, é claro que as famílias..., bem não vamos discutir isso aqui. E é claro que uma situação como propus lá em cima é impossível de acontecer, porque duas pessoas assim isoladas do mundo não seriam pessoas. Mas essa experiência foi feita com macacos Rhesus, os mais próximos dos humanos. Macacos e macacas foram criados sem convívio social e sexual que lhes possibilitasse ver o que e como fazer. E quando foram colocados juntos o que aconteceu? Nada. Ou melhor, aconteceu que eles ficaram excitados, mas não sabiam o que fazer. Ficavam correndo, se tocando, a fêmea tentava montar o macho, o macho ficava mais agressivo e, por fim, se não fossem separados, se matavam. Bem, vamos partir daí.
A gente aprende a fazer sexo e aprende a amar. No caso do sexo, vendo e fazendo. No caso do amor, é um pouco diferente. A gente vai ter uma relação com o amor diretamente ligada ao tipo de amor que recebeu, ou não recebeu, ao tipo de amor que aprendeu, ou não. Fechemos o foco no amor, porque sexo tem por aí em todo lugar, dos out-doors aos motéis, embora a questão pareça ser mais de quantidade do que de qualidade. Fechemos o foco no amor, porque esse está em baixa enquanto vivência, concretização, embora se tenha uma necessidade essencialmente humana dele.
O amor é a maior e mais bela experiência que podemos experimentar na vida. Falo do amor em toda a sua extensão, amor homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, amor de pai-mãe por filho, pelo próximo... Mas fechemos o foco no amor entre homem e mulher. E ele é, repito, um aprendizado. Buscaglia, pedagogo norte-americano, ensina no livro ‘Amor’, “que a maioria de nós continua a agir como se o amor não fosse um fenômeno a ser aprendido e sim como se vivesse adormecido em cada ser humano, simplesmente esperando (...) para emergir em toda a sua intensidade. Muitos esperam (...) para sempre. Recusamo-nos a encarar o fato óbvio de que as pessoas, em sua maior parte, passam a vida tentando encontrar o amor, tentando vivê-lo, e morrendo sem nunca tê-lo descoberto verdadeiramente”. Triste isso, né?
O psicanalista Erich Fromm, no livro ‘A arte de amar’, frisa que a postura de que “nada é mais fácil do que amar tem continuado a ser a ideia predominante, apesar da esmagadora prova em contrário.” E vai enfatizar que o amor é uma arte. “Se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura (...)”. Como se vê, a coisa é complicada, por isso esse fracasso tremendo nos nossos amores. Sem falar que queremos mais ser amados do que amar.
E nessa nossa sociedade mercantilista, acabamos por não viver só no sistema, mas vivemos o sistema. Quer dizer, nossas relações são perpassadas pelo capitalismo. Se a sociedade é de consumo, nos consumimos uns aos outros, utilitariamente. No mundo do fast-food, no plano sexual inventamos o fast-foda, o sexo casual, tipo lavou tá novo. No amor, acabamos adotando a mesma postura, o fast-love. Ou seja, não investimos no amor; ou seja, não nos predispomos a aprender a amar, a construir uma relação, porque isso demora tempo e demanda investimento emocional e riscos e perdas e danos. 
Vejamos o caso de Fernanda. Ela, livre e desimpedida, conheceu Lúcio, que recém tinha se separado. Se encantaram. No apartamento dele ao lado da cama onde fizeram amor, ainda tinha um porta-retratos dele com a ex e o filho. Querendo mostrar maturidade, ela disse que achava aquilo normal, porque era o filho dele e a mãe do filho dele. Superfície. No fundo, aquilo a incomodara. Com os dias, vendo que apesar de encantado com ela, ele ainda nutria sentimentos pela ex-mulher, levou um papo-cabeça com o cara. Disse que era melhor ficarem por ali, ele tentar se reconciliar, que o casamento dele tinha poucos anos e blá, blá, blá. Ela me contou que chegou em casa e chorou todas as lágrimas, mas que se sentiu decente. Mas ela não foi decente . Ela foi covarde. Porque ela não fez isso por ele, fez por ela. E fez por medo do investimento emocional, por medo das perdas e danos a que se sujeitaria. O aprendizado do amor exige compromisso, empenho, boa vontade, e riscos. Ou seja, Fernanda queria que Lúcio investisse no amor, o que ela não fez. Queria que ele lutasse, o que ela não fez. Assim, era melhor partir pra outra, outro cara, um prato mais simples, menor, mais digerível, sem risco de azia, apesar da fome. Era melhor partir pra outra, outro cara, no grande buffet das nossas relações. Assim Lúcia perdeu Fernando, um cara que pra ela tinha tudo e todas as qualidades por quem valeria a pena lutar. Mas não quis lutar. E perdeu. Não quis tentar aprender a amar e tentar construir uma relação verdadeira, esse “momento de unidade”, como diz Fromm, e que “é uma das mais jubilosas e excitantes experiências da vida”. Coisa da nossa cultura fast-foda, fast-love, fast-tudo. Coisa desse tempo onde a gente perde e se perde, pensando que se acha; que perde, sem nem lutar. WO. Fast-vida.


terça-feira, 2 de agosto de 2016

QUARTO 157, A VIDA QUE FOGE, COMO A NOSSA


na primeira cama Carlos, 48 anos, uiva pela mãe
e grita, sem parar:
 'eu quero cagar!!'
comove a dignidade humana:
amarrado, de fraldas, não quer fazer na cama
pura chaga, devorado pela hemodiáilse
e pela diabetes
ele repete
como um conta gotas
 seus uivos de dor arrepiantes;
na segunda cama
 Francisco, 74 anos, três avecês, se abana
 e me olha com olho de quem não vê
não fala, não existe mais...
na terceira, um anjo de 92 anos, 38 quilos,
enche os pulmões de ar
pelas últimas vezes, teimando.
em cada um vejo um Cristo
uma cruz cruzando
a realidade de um quarto do SUS
a luta e a busca pela vida
é a realidade da vida lá fora
agonizantes, zonzos, corremos atrás do que nos mandaram correr,
também  queremos  vida (mas qual?), agora
que cada dia, sem aviso,  vai indo embora
que a cada dia, sem aviso, vamos botando fora
correndo pra longe de nós...
a dignidade de Carlos bate na minha cara.