(revisado)
Imagine uma situação hipotética onde um homem e uma mulher que
nunca viram uma cena de amor entre namorados, nunca viram um homem e uma mulher
fazendo sexo fossem colocados num luxuoso quarto de motel, com a melhor
champanhe, música romântica e tudo o mais... O que aconteceria? Rolaria? Não
aconteceria nada. Não rolaria nada. Porque não saberiam o que fazer, como
fazer. Uma frase comum na nossa sociedade – e carregada de preconceito moral –
é que “sem-vergonhice a gente nasce sabendo”. Primeiro essa sem-vergonhice não
é sem-vergonhice – é vida. Segundo, a gente não nasce sabendo essas coisas, a
gente aprende. Pelos filmes, novelas, pelos romances, pelas ruas, na família,
isto é, na vida mesmo. É claro que os filmes pornôs mais deseducam do que
educam, porque ninguém é daquele jeito, é claro que os romances e novelas
ensinam uma noção açucarada da felicidade a dois, é claro que as famílias...,
bem não vamos discutir isso aqui. E é claro que uma situação como propus lá em
cima é impossível de acontecer, porque duas pessoas assim isoladas do mundo não
seriam pessoas. Mas essa experiência foi feita com macacos Rhesus, os mais
próximos dos humanos. Macacos e macacas foram criados sem convívio social e
sexual que lhes possibilitasse ver o que e como fazer. E quando foram colocados
juntos o que aconteceu? Nada. Ou melhor, aconteceu que eles ficaram excitados,
mas não sabiam o que fazer. Ficavam correndo, se tocando, a fêmea tentava
montar o macho, o macho ficava mais agressivo e, por fim, se não fossem
separados, se matavam. Bem, vamos partir daí.
A gente aprende a fazer sexo e aprende a amar. No caso do sexo,
vendo e fazendo. No caso do amor, é um pouco diferente. A gente vai ter uma
relação com o amor diretamente ligada ao tipo de amor que recebeu, ou não
recebeu, ao tipo de amor que aprendeu, ou não. Fechemos o foco no amor, porque
sexo tem por aí em todo lugar, dos out-doors aos motéis, embora a questão
pareça ser mais de quantidade do que de qualidade. Fechemos o foco no amor,
porque esse está em baixa enquanto vivência, concretização, embora se tenha uma
necessidade essencialmente humana dele.
O amor é a maior e mais bela experiência que podemos experimentar
na vida. Falo do amor em toda a sua extensão, amor homem-mulher, homem-homem,
mulher-mulher, amor de pai-mãe por filho, pelo próximo... Mas fechemos o foco
no amor entre homem e mulher. E ele é, repito, um aprendizado. Buscaglia,
pedagogo norte-americano, ensina no livro ‘Amor’, “que a maioria de nós
continua a agir como se o amor não fosse um fenômeno a ser aprendido e sim como
se vivesse adormecido em cada ser humano, simplesmente esperando (...) para
emergir em toda a sua intensidade. Muitos esperam (...) para sempre.
Recusamo-nos a encarar o fato óbvio de que as pessoas, em sua maior parte,
passam a vida tentando encontrar o amor, tentando vivê-lo, e morrendo sem nunca
tê-lo descoberto verdadeiramente”. Triste isso, né?
O psicanalista Erich Fromm, no livro ‘A arte de amar’, frisa que a
postura de que “nada é mais fácil do que amar tem continuado a ser a ideia
predominante, apesar da esmagadora prova em contrário.” E vai enfatizar que o
amor é uma arte. “Se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo
modo que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música,
a pintura (...)”. Como se vê, a coisa é complicada, por isso esse fracasso
tremendo nos nossos amores. Sem falar que queremos mais ser amados do que amar.
E nessa nossa sociedade mercantilista, acabamos por não viver só
no sistema, mas vivemos o sistema. Quer dizer, nossas relações são perpassadas
pelo capitalismo. Se a sociedade é de consumo, nos consumimos uns aos outros,
utilitariamente. No mundo do fast-food, no plano sexual inventamos o fast-foda,
o sexo casual, tipo lavou tá novo. No amor, acabamos adotando a mesma postura,
o fast-love. Ou seja, não investimos no amor; ou seja, não nos predispomos a
aprender a amar, a construir uma relação, porque isso demora tempo e demanda
investimento emocional e riscos e perdas e danos.
Vejamos o caso de Fernanda. Ela, livre e desimpedida, conheceu
Lúcio, que recém tinha se separado. Se encantaram. No apartamento dele ao lado
da cama onde fizeram amor, ainda tinha um porta-retratos dele com a ex e o
filho. Querendo mostrar maturidade, ela disse que achava aquilo normal, porque
era o filho dele e a mãe do filho dele. Superfície. No fundo, aquilo a
incomodara. Com os dias, vendo que apesar de encantado com ela, ele ainda
nutria sentimentos pela ex-mulher, levou um papo-cabeça com o cara. Disse que
era melhor ficarem por ali, ele tentar se reconciliar, que o casamento dele
tinha poucos anos e blá, blá, blá. Ela me contou que chegou em casa e chorou
todas as lágrimas, mas que se sentiu decente. Mas ela não foi decente . Ela foi
covarde. Porque ela não fez isso por ele, fez por ela. E fez por medo do
investimento emocional, por medo das perdas e danos a que se sujeitaria. O
aprendizado do amor exige compromisso, empenho, boa vontade, e riscos. Ou seja,
Fernanda queria que Lúcio investisse no amor, o que ela não fez. Queria que ele
lutasse, o que ela não fez. Assim, era melhor partir pra outra, outro cara, um
prato mais simples, menor, mais digerível, sem risco de azia, apesar da fome.
Era melhor partir pra outra, outro cara, no grande buffet das nossas relações.
Assim Lúcia perdeu Fernando, um cara que pra ela tinha tudo e todas as
qualidades por quem valeria a pena lutar. Mas não quis lutar. E perdeu. Não
quis tentar aprender a amar e tentar construir uma relação verdadeira, esse
“momento de unidade”, como diz Fromm, e que “é uma das mais jubilosas e
excitantes experiências da vida”. Coisa da nossa cultura fast-foda, fast-love,
fast-tudo. Coisa desse tempo onde a gente perde e se perde, pensando que se
acha; que perde, sem nem lutar. WO. Fast-vida.