domingo, 30 de abril de 2017

BELCHIOR: A VIDA FICOU MAIS BELA DEPOIS DELE



Hemingway resgatou, dá pra dizer que popularizou (num mundo que não lê), e dá pra dizer, ainda, eternizou na nossa finitude, os versos do poeta inglês medieval John Donne, na abertura de “Por quem os sinos dobram”: 

“A morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.


O poema é maior, esses são os últimos versos. E eu na adolescência, quando fui tocado por ele,  o decorei todinho. Volta e meia, quando alguém morre, dependendo do quanto me toca, lá vou eu recitando: “ nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo...”
Escrevo à propósito de Belchior, o maior gênio cearense e que marcou toda a minha vida e continuará marcando pra sempre, com seus versos sem igual. Foram noites infinita bebendo sua poesia. Serão sempre! Ele continuará vivo, claro, na beleza que nos legou. Mais vivo do que nunca, nesse tempo em que a música brasileira, virou sinônimo de baixaria, com a apologia do sexo e da bebedeira, sem poesia, com os safadões que invadiram nossa vida, fazendo-a ainda mais pobre. Na verdade, fazendo jus ao tempo triste e pobre que vivemos como nação.
A morte física de Belchior me diminui bastante, como me diminuiu a morte de Lennon, Vinícius “e tanta gente que partiu”, porque sou parte do gênero  humano e ele faz  parte do que o gênero tem de melhor. Mas fica, paradoxalmente, agora que morreu,  cada vez mais vivo, como acontece com todo grande artista quando morre, como Russo, Cazuza...
Saudemos, pois,  a imortalidade de Belchior, um cara que até no modo que escolheu para viver, foi diferente desse admirável gado novo em que nos transformamos.
Deixo aqui, em reverência e agradecimento, uma letra, um poema, em que Belchior fala justo de John Donne, num cruzamento da vida desses dois gênios separados por 5 séculos, e que pouca gente deve ter se dado ao trabalho de pesquisar quem era.
Ave Belchior! Ave Donne! Ave a beleza que não há de morrer enquanto ecoarem seus versos, apesar, acima e além de toda a pobreza que se canta (encanta?) por aí.


Em Resposta à Carta de Fã

  
Baby, respondo enfim
aquela carta de fã
que você mandou pra mim.
Sabe, quase que eu ia fazendo a canção tropical que você me pediu.
Mas quem sou eu, mentalidade mediana, para imitar Jorge Ben?
Por favor não confunda as coisas! toda a canção é vulgar!
Eu é que sou um cara difícil de domesticar.
Gato violento e cruel? ora, ora!
Você já ouviu falar em política? oh! não.

Poema, o que e um poema? Isto não é do meu tempo
Tempo de sex drug and rock and roll, computador!
Mas não se engane! sou do poetariado,
Um roqueiro fingido, estreando a vida fácil, meu amor.
Obrigado pelo brando do subúrbio, pelo garoto de aluguel.
Não sou nenhum Alain Delon!
Pra terminar meu livro de cabeceira para ler com todo o corpo
e aquele de que fala a elegia de Donne.