domingo, 29 de março de 2009

A virgindade de Sandra

Sandra, uma jovem universitária de 19 anos não conseguia mais conviver com a sua virgindade. A cada segunda-feira ela inventava para as suas amigas, todas na faixa de 18-20 anos, histórias sensuais e sexuais, que vivera no final de semana. As amigas ouviam entusiasmadas e logo contavam as suas aventuras e performances também. Sandra fantasiava, para não dizer mentia. Assim como as amigas acreditavam nela, ela também acreditava nas amigas. Mas aquela situação lhe incomodava. Na verdade, ser virgem não lhe incomodava, íntima e individualmente. Ser virgem lhe incomodava enquanto pessoa no mundo, isto é, enquanto pessoa em relação com o mundo que não era mais virgem, um mundo que não via mais na virgindade um valor; pelo contrário, um mundo que zombava da virgindade com frases do tipo “virgindade dá câncer” e “virgem, eu? Só no signo, graças a Deus”. Todo o domingo à noite, Sandra ao deitar ficava elucubrando as histórias que narraria no dia seguinte. Até que, em conversa com uma rara amiga conhecedora de seu “problema”, e que morava em outra cidade para estudar, resolvera armar um plano para acabar de vez com aquela situação. Sandra iria passar o final de semana com a amiga e na noite de sábado mesmo acabaria com aquela realidade, acabaria com a sua virgindade. E assim aconteceu. Lá foi ela para o apartamento da amiga. E na noite histórica de sábado, antes de deixarem o apartamento e irem pra balada, as duas arrumaram a cama com o melhor lençol, colocaram champagne na geladeira e deixaram de prontidão um cd de música suave. Só faltava escolher entre os desconhecidos que perambulavam pela noite, entre copos e olhares, aquele corpo que faria para sempre parte de sua vida e que ela, a poucas horas de um acontecimento tão marcante, desconhecia quem fosse.
E assim se deu. Na descontração juvenil que reveste a noite, onde os corpos falam muito mais do que as falas, ou seja, onde o olho é muito mais importante do que o ouvido, e os hormônios valem muito mais do que os neurônios, encontrou um jovem bonito fisicamente, universitário como ela, e com algum assunto. Ficou com ele até certa hora e depois foram para o apartamento da amiga. Na segunda-feira, finalmente, ela pode contar uma história real, omitidos, claro, os detalhes da timidez, da insegurança e do desprazer. Mas isso não importava. O que importava era que finalmente ela estava inserida no mundo, tal qual o mundo pedia. Como sujeito, ela se sujeitara ao mundo. E o que podia ser uma vivência rica em afeto e troca, ficou sendo um ritual de acasalamento para inserção social.
A pergunta que fica: Sandra é dona do seu corpo? Ou antes: Sandra é dona dos seus pensamentos? Me assusta o modo fácil com que as pessoas entram nas modas e modos impostos pelo mundo, sem a menor reflexão. Ainda mais nesses tempos da deusa Mídia. Minha avó casou virgem, passou a vida servindo o marido, a quem disse que aprendeu a amar, dormiu com esse único homem mais de 50 anos e jamais teve um orgasmo, que ela achava “isso de sexo uma nojeira e sem-vergonhice”. Morta há pouco, achava as jovens de hoje umas perdidas, que casavam por amor e separavam logo depois. Cada um é filho do seu tempo, sem dúvida. Ou vítima do seu tempo, melhor. Minha vó só estudou até a terceira série, porque mulher não precisava estudar. Seu irmão se formou em direito e foi grande advogado, porque era homem. E hoje, com toda a informação e a possibilidade de conhecimento dadas às mulheres, não consigo saber quem foi menos ela mesma, quem foi mais vítima do seu tempo, minha vó ou Sandra? Quem mais perdida, no sentido de viver a vida que o mundo manda e não a sua? Sei não, mas desconfio que Sandra seja mais pobre diabo.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A música do meu Brasil II

Continuando a mostrar um pouco da alma brasileira que fui descobrindo nesse meu andar por aí, aí está Waldonis, um sanfoneiro que merece ser ouvido e admirado. A música fala dessa outra cidade maravilhosa, que é Fortaleza, onde vivo e me encanto todos os dias com seu canto e seus cantos.

quinta-feira, 26 de março de 2009

A amada rotina (quem disse que ela atrapalha?)

As férias se foram e já voltamos todos ao normal, ao feijão com arroz do nosso dia-a-dia. Mesmo aqueles que não tiveram férias, de um modo ou de outro acabaram envolvidos pelo clima delas, pelo astral de verão. E tiveram suas rotinas alteradas. Agora é tudo de novo outra vez. O que não nos damos conta é que, na verdade verdadeira, apenas trocamos de rotina. Trocamos feijão com arroz por outro prato, mas também rotineiro, com raras exceções para quem sobe o Aconcágua, dá uma volta de bicicleta pelo continente, ou vai passar uma temporada em Nome, uma cidadezinha no fim do Alasca, já no Pólo Norte. De resto, o que mais acontece, é que trocamos nossa cidade por alguma outra, à beira-mar. Uma rotina por outra.

As pessoas suspiram, mergulhadas no seu mundo cotidiano: “não agüento mais essa rotina”. Uma frase já cimentada na nossa cultura é: “a rotina acaba como o casamento”. Nananina: agüentamos muito bem essa rotina. E mais: ela salva as nossas vidas. O que acaba com nossas vidas é a monotonia, isto é, quando a rotina se transforma em algo chato, pesado, sufocante.

Façamos um teste. O que você faz logo que acorda? É rotina. Você já se deu conta de que se levanta e faz tudo sempre igual? E o banho? Primeiro lava isso, depois aquilo e vai lavando ... sempre na mesma seqüência. Na mesa em casa, você tem um lugar preferido, certo? Na sala, pra ver tv, idem, certo de novo? E para dormir, não tem um lado e um jeito preferidos?

Na sala de aula, o mesmo lugar. No bar, o mesmo lugar. Alias de preferência no mesmo bar. Para o supermercado vale a regra, porque não tem coisa que dê mas na paciência da gente, do que procurar o sabão em pó e não saber onde está, querer lâmpada e não encontrar nem o remarcador de preços para informar. E o seu prato de almoço/janta? Não me diga que um dia coloca o feijão embaixo do arroz, no outro o contrário e, no terceiro, o ovo vai para o subterrâneo?

O bom do verão não é ficar na vagabundagem riscando a areia ou passando o dedo no copo suado de cerveja? Ou, ainda, ficar tomando uma rica duma caipirinha ao sair da água, bebendo junto as garotas da sukita que passam? Então? Rotina.

O bom do inverno não é chocolate quente, cobertorzinho de orelha e filme daquele tipo que precisam dois para operar o dvd? Rotina da melhor qualidade.

Até quando você namora está lá a velha e boa rotina. Ninguém agüenta ipsilone duplo e canguru perneta todo dia, ou toda noite. Aliás, como já escrevi aqui: o que torna o amor bonito, doce e até mesmo eterno, senão a rotina? A fogueira da paixão, com toda a sua excitação, mas também com toda a sua insegurança e incerteza, nos queima logo, se não se transforma num braseiro que aquece a rotina da relação. Remember Mario Quitana, também já citado: “Amizade é quando o silêncio não se torna incômodo. Amor é quando o silêncio se torna cômodo”. Amor e rotina andam juntos, não se iluda. Nós só existimos felizes da vida na rotina. Do contrário, a gente não suportaria a família, o emprego, o curso, a cidade, os amigos – tudo isso é o nosso cotidiano. Então, bem vindo a rotina do resto do ano. Sem monotonia.

segunda-feira, 23 de março de 2009

A eleição da sua vida

Vivemos um tempo de eleições. Agora, nos Estados Unidos, recém tomou posse Barak Obama. Uma eleição impensável alguns anos atrás. Aqui já se fala na sucessão de Lula desde que ele assumiu o segundo mandato. Na verdade, passamos a vida fazendo eleições. Elegemos uma profissão; uma cidade para morar, outra, ou outras, para passar as férias; elegemos amigos e elegemos amores. Fiquemos com esses últimos, por ora.

Qual foi o seu grande amor? Ou quais foram seus grandes amores? Ele está com você ou está perdido na sua memória? Existe uma tendência a julgarmos o amor pela dor que ele gera. Isto é, quanto mais sofremos, pensamos que mais amamos. Impossível sermos diferentes. Fomos criados numa tradição cristã de séculos de crescimento pela dor, de amadurecimento pelo sofrimento. “É quebrando a cara que se aprende”, ouvimos e dizemos. "É preciso penar para se conseguir as coisas". A dor, enfim, é o parâmetro, no geral. No particular, no caso do amor, não é exceção. Já dizia Monsueto, num samba memorável, “mora na filosofia: pra que rimar amor e dor?”. Mas não é essa a rima certa: o que rima com dor é desamor. Infelizmente não existe um aparelinho chamado amorômetro. Mas medimos sempre a intensidade do amor pelo quanto sofremos. “Aquela mulher? Nossa, só eu sei quanto amei, o que eu sofri por ela”. “Aquele cara?, meu Deus, quase morri por ele”. É o que ouvimos e dizemos. Mas não pense que deva ser assim. Aliás, não é assim. Casos patológicos à parte, certamente a pessoa que está a seu lado há algum tempo, ou aquela com quem você ficou mais tempo, não era aquela com quem você mais brigou, ou por quem você mais sofreu, certo? E essa é, ou foi, por isso mesmo, aquela que você mais amou. Perguntado num programa de TV sobre o que era amar, um psicólogo que nem lembro o nome disse: amar é gostar de estar junto. Matou a charada. Amar é ficar junto feliz, mas é também ficar separado feliz, é ter a felicidade de uma individualidade a dois. Ficar do lado de quem faz a gente sofrer, chorar, ser infeliz, pode ser qualquer outra coisa, mas não amor. Um namoro sem brigas, um casamento sem desavenças (falo de coisa séria, não das pequenas e deliciosas chateações e bronquinhas do dia-a-dia) são, um e outro, grandes casos de amor, pode ter certeza. Sabe aquele delicioso ficar junto, cada um no seu mundo? Taí um grande amor. Sabe aquele passear de mãos dadas cada um vendo suas vitrines, suas flores, suas pessoas engraçadas? Que beleza de amor tão grande. Lembro de Mário Quintana: “Amizade é quando o silêncio não se torna incômodo; amor, é quando o silêncio se torna cômodo”. Então, olhe para quem está do seu lado, ou para quem esteve por mais tempo ali, e tenha certeza de que esse é um seu grande amor. Aquele amor que lhe fez mofar o travesseiro de tantas lágrimas, ou beber todo o bar da sua casa e mais o da esquina, que lhe amolecia as pernas e os neurônios, foi só amor que não deu certo, foi desamor. O que deu certo, o que dá certo, é o amor das flores roubadas, do escrever devagar I love you no guardanapo do restaurante, do brincar de trançar os dedos e fazer jogo do sério... vida a fora. O verdadeiro amorômetro é o dos dias de paz em frente à TV, é o das noites em que um lava e outro enxuga a louça ouvindo um cd novo, é o caminhar junto na beira da praia riscando a areia com os respectivos dedões, ou quando juntas duas almas se deliciam lendo Pessoa. Então, não meça seus amores pelas suas dores. O grande amor você conta pelos sorrisos, pela paz e pela doce rotina de estar com quem você gosta de estar. O grande amor é eleição que não se perde nunca.

domingo, 22 de março de 2009

A música do meu Brasil

Começo essa série de postagens da música do meu país com Genésio Tocantins, um camarada que o Brasil devia conhecer mais,um dos grandes artistas desta terra. Aliás, ele é de um estado, que tá no seu nome, e que devíamos também conhecer melhor. Dos lugares por onde andei e vivi, esse é o mais mágico,o mais fraterno e o mais acolhedor. Abraço Genésio; abraço meus alunos, meu povo sensível, sofrido e lindo do Tocantins.


terça-feira, 17 de março de 2009

O ódio à Luizianne e Clodovil - divulgar ou não?

Uma vez, sexta-feira à noite, eu estava em aula quando uma moça chegou à porta. Fui atendê-la, pensando que buscava alguma irmã ou amiga. Não. Ela perguntou pelo marido dela. Disse o nome, eu fui na lista de chamada e conferi: o camarada nunca tinha aparecido nas aulas de sexta. Eu voltei e disse pra ela: “olha, ele nunca veio nesse dia”. Ela abaixou a cabeça, num misto de dor e humilhação que me fez me odiar por ter dito a verdade. Não quero aqui filosofar sobre a verdade, mas a verdade é que nem sempre ela cabe. Nesse caso, é óbvio. Bastava eu dizer que o marido não estava. Pronto, era verdade também. O que nos mostra que a verdade nunca é uma só, e que não existe em estado “puro”. É aquela velha história: a única verdade é que a verdade não existe.
A partir desse episódio em sala, criei um novo verbo – omintir. Aquela frase que não é dita todinha como podia, aquela informação que não é dada na completude, deliberadamente - um mix de omissão e mentira. Nem totalmente falso, nem iluminadamente verdadeiro. Penso que somos todos assim mesmo, pessoas, entidades, coisas. O jornalismo também.
Acho descabida, exagerada a postura de alguns jornais na web, que colocam comentários de leitores, não só cheios de erros de português, como ofensivos. O jornal O Povo colocando on line comentários grosseiros, raivosos, contra a prefeita Luizianne Lins, que estava internada em UTI no final de semana, comete uma insensibilidade, pra ficar no mínimo. Foram poucos comentários, no geral. Mas os odiosos se destacavam. Coisas desse tipo:
- Crise de hipertensão? Deve-se, com certeza, ao seu empenho em transformar Fortaleza na capital mais abandonada do país!!!

Esse diabo já vai é tarde, cade que vaca louca vai para o IJF? Que tal o Frotinha de Messejana ;

ou esse terrível:

sai uma loura gelada.

Pra não ficar só com O Povo, fui buscar no G1 (da Globo) os comentários sobre a internação do costureiro e deputado federal eleito com 500 mil votos em São Paulo, Clodovil Hernandes. Dos 113 que estavam sob a notícia “Clodovil caiu depois de sofrer um AVC, segundo médicos”, apenas três são ofensivos, mas como são! Os dois menores:

- Que pena! poderia ter sido Infarto fulminante!

- esse palhaço teve o q merece

Não sei como funciona isso nos jornais na internet, mas dá pra ver que, na verdade, não funciona. Quem tocou as teclas com tamanha raiva e desumanidade não ofendeu Luizianne ou Clodovil. Ofendeu o leitor. E não deveria estar ali. A mídia não precisa disso em nome da interatividade, ou mesmo da pobre verdade. Até hoje me incomoda ter dito àquela jovem esposa, que seu marido nunca ia à aula nas sextas. Era só uma parte da verdade que não cabia a mim contar. Não assim, não ali.

A faculdade que forma 'universotários" - 1ª parte

Cada um de nós tem doses variáveis de talento, técnica e criatividade. No futebol, como na vida, essa combinação em alta dosagem só acontece nas exceções que forjam os excepcionalmente bons no que fazem, e alguns gênios. Senão vejamos. Costureiras, existem muitas. Boas costureiras, poucas. Costureiras maravilhosas, raríssimas. O mesmo vale para cabeleireiros, padeiros, médicos, padres, professores… Luiz Fernando Veríssimo disse algo mais ou menos assim, falando do jornalista: “Com técnica, não morre de fome, com técnica e talento até ganha dinheiro”.
É preciso distinguir talento de criatividade. São próximos, mas não a mesma coisa. Em alguns casos até se confundem. O talento está mais para um dom, aquela coisa que uma pessoa tem e pronto, e que ela pode ou não usar. Algumas pessoas têm um talento bárbaro para desenhar… e não desenham. No caso da costureira, a técnica com que ela manipula a tesoura, mais o talento para provar e fazer daquele pedaço de pano uma coisa bonita em alguém, fazem a diferença. Mas será a criatividade que a transformará numa Coco Chanel. Ou melhor, será a soma dos três .
Talento não se adquire, se tem. Criatividade todos tem, mas se adquire mais, se desenvolve. E técnica só se adquire. Juntando os três, dá nisso: Beethoven, Pelé e companhia limitadíssima. Priorizando ou o talento ou a criatividade, caminha-se por um mundo mais bonito, melhor. Priorizando a técnica, como hoje, caminha-se por um mundo que se faz sem graça, que se faz frio, cada vez menos humano. Um mundo voltado para a técnica de fazer amor e que de amor não fala e que amor, mesmo, não faz. Eis um de nossos erros basilares, enquanto civilização nos últimos séculos. As empresas aplicam as técnicas de reengenharia, dos isos, da qualidade total, do planejamento estratégico… e esquecem das pessoas. E esquecem que as pessoas gostam de carinho, que qualidade total mesmo é ouvir um “bom-dia” alegre, que realmente queira dizer bom-dia; que planejamento estratégico que funciona mesmo é aquele que prevê e provisiona doses diárias de beleza, de emoção, de humanidade enfim, nesse mundo de telas, celulares, competências; nesse mundo de tanto iso e pouco riso, tanto aquilo e tão pouco isso.

A faculdade que forma 'universotários' (final)

As universidades, cada vez mais, refletem essa verdade crua do mundo-mercado e cada vez mais, como disse Ciro Marcondes Filho, tendem para o ensino técnico-prático, formando “cada vez mais competências para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica”.
Nossas faculdades são cada vez mais profissionalizantes. Jornalismo, Administração de Empresas, Direito, cada vez mais são cursos técnicos, como Contábeis, Sistemas de Informação, Engenharia… Cursos superiores? Acho um deboche à cultura que a humanidade começou a construir desde 450 a. C. com os gregos, chamar esses cursos todos e todos os outros não citados, de superiores. Superiores a quê? em quê? Ensinam, no máximo, um fazer, uma técnica. Nunca um pensar o fazer. O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, seu atual vice, e também da Academia Nacional de Economia, Antônio Lopes de Sá, perguntado sobre o principal problema dos cursos de Ciências Contábeis, disse: “falta filosofia, psicologia, tem contabilidade demais e cultura de menos”. Lopes de Sá é doutor em Contábeis e doutor em Letras pela London University. Falta pensamento nos nossos cursos, isso que nos faz diferentes das outras espécies, ou pelo menos vinha fazendo nesses últimos séculos. Falta também emoção, falta afetividade nas nossas salas de aula. É claro que isso não falta só na universidade, falta em todas as salas de aula, com exceção das do prezinho. Aliás, já chamamos afetuosamente prezinho, porque ele vem antes da sala de aula propriamente dita, aterradora, castradora. Como lembrou Rubem Alves, estranho que nessa fase do prezinho, as crianças queiram ir para a aula e depois isso se transforma numa coisa enfadonha, triste mesmo. O sociólogo Francisco de Oliveira, tempera esse papo dizendo que “quando uma criança tem medo e não consegue dormir no escuro, nós devemos ir lá e acender a luz”. Nas nossas salas de aula de hoje o ar condicionado está ligado, mas as luzes estão apagadas e nós, professores, não sabemos onde está o interruptor, porque nunca nos disseram e tampouco fomos ensinados a procurar. Podemos até ter a técnica de uma boa aula, dominarmos o power point, mas não nos falaram sobre emoção, fraternidade. E sem isso não existe talento, não existe criatividade. Sem amor ninguém desperta. Na porrada, na cobrança, na competição, no máximo, se assusta. Basta ver a cara de espanto dos jovens tendo que fazer uma faculdade pra não terem futuro nenhum, ou na melhor das hipóteses, ter algum. São empurrados para um tal de empreendedorismo sonhando com concurso público, a única tábua para se agarrar nesse mar de desamor e insegurança. Aristóteles, no Primeiro Livro da Metafísica faz a distinção entre a técnica e saber. A técnica “é o conhecimento do profissional, é o saber fazer baseado na experiência (…) mas não um saber das razões e das causas do que acontece. Esse é o verdadeiro saber”, como explica o semiótico português António Fidalgo. A universidade está subserviente demais. “Diz-me, ó mercado, que tipo de formando quereis e eu te darei”. E Ele - o novo Deus - responde: “Quero gente fria, que saiba fazer e não pense muito, quero gente-máquina, gente técnica que baixe a cabeça e produza e não ouse olhar o resto de nuvem que passeia pelo céu, gente que só pense em comprar uma calça nova, um carro novo, no final do mês”. E o pior - ou melhor de tudo, dependendo do lado que se olha a coisa – é ver que os universitários querem é esse ensino mesmo, embotados que já foram. Talvez seja melhor chamá-los não de “universitários”, mas como Sérgio Augusto em artigo na Bravo, de “universotários”. A universidade cada vez forma mais gente só para produzir e consumir, enfim, viver como máquina. E produzir se conseguir emprego. E consumir se tiver renda. Sonhar, ousar, mudar, isso nunca. Aliás, sonho nesse mundo, só os que a mídia cria, de preferência de consumo. A técnica venceu. O talento e a criatividade perderam. A inteligência e a sensibilidade também. O homem perdeu. O futebol, pelo menos dentro do campo ainda é prova e mostra, de que com talento é muito mais gostoso, é muito mais bonito. É como o sexo com amor. Não há iso, reengenharia, ou coisa que o valha, capaz de criar a emoção dos jogadores se abraçando depois do gol, ou a sensação de um abraço, depois do sexo com amor, ou a beleza de um verso de Pessoa, ou ainda a gratidão alegre por uma mão pousada no ombro em meio ao turbilhão desumano que o ser humano criou no trabalho, nas salas de aula, nos shoppings…. Essas são coisas do outro mundo, não desse mundo técnico-tecnológico, que coloca ferro nos dentes pro sorriso ficar bonito, mas não ensina nem diz do que rir.
A técnica venceu. E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.