quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sexo pra ganhar abraço?

Marcelo rodava sem rumo pela cidade, passando das 2h. Tinha saído com amigos e feito uma mistura de bebidas que transformara seu fígado num repositório alcoólico digno dos melhores manuais de como não beber. Estava só e buscava coisa nenhuma, qualquer coisa que lhe preenchesse o resto de noite.
Quando passava pela Antônio Sales, viu uma jovem mulher andando sozinha pela calçada. Freou bruscamente, estacionou e foi em direção aquele vulto feminino. Parou em frente dela. Seus olhos se olharam fixamente. Sem palavras. Só olho no olho. De repente a mulher se atirou sobre ele, abraçou-o fortemente e caiu num choro compulsivo. Depois de segundos de um abraço forte, onde os braços dela pareciam garras grudadas às costas dele, trocaram as primeiras palavras assim, grudados. Ela gemeu em soluços: “Eu estou muito só!” Atônito, ele afastou-a e olhando novamente nos olhos dela, disse: “Não está mais!” Abraçou-a e começou a levá-la no sentido do carro dele. “Meu carro está ali”, disse ela apontando para uma caminhonetona preta. “Depois você pega”. Levou-a para seu apartamento. Entraram e ela foi imediatamente tirando a roupa. Ele nem teve tempo de falar as costumeiras falas, tipo: queres uma água, uma Coca, uma cerveja? Foram para o quarto. E ali fizeram o sexo mais sexual, mais selvagem, desesperado, dolorido que dois seres solitários e agonizantes podiam fazer. Durante todo o tempo, ela dizia: “me abraça, me abraça.” Terminada a batalha, ela vestiu-se, e sem palavras, saiu, pegou o elevador e sumiu da vida dele. Nem tchau, nem telefone, nem “valeu”, nem obrigado, nem nada.
Quando Marcelo me contou essa história, como se fosse algo fantástico, eu pensei: “tem nada de fantástico”. É a solidão da cidade grande. É a solidão das pessoas que se entopem de relações superficiais, de ficadas, e que na verdade, por trás dessa pseudo liberdade, onde têm muitos, não têm ninguém. E me lembrei do depoimento de uma prostituta que disse que se prostituía não pelo dinheiro, mas para ser abraçada. E me lembrei da indiana Amma, que roda o mundo dando abraços. As pessoas fazem fila para serem abraçadas por ela. Amma já abraçou 20 milhões de pessoas no mundo todo, e quando esteve no Brasil, ano passado, 15 mil pessoas fizeram fila no Hotel Intercontinental, no Rio, para se aconchegarem nos seus braços. Santa carência! Quanta solidão! Quando uma repórter perguntou para Amma de que mais o mundo precisa, ela não vacilou na resposta:
“Amor e compaixão. A alma precisa tanto de amor quanto o corpo precisa de comida para crescer. O amor, por exemplo, pode chegar a nutrir muito mais um bebê do que o próprio leite. O que acontece hoje no mundo é que as pessoas passam muito mais tempo tensas do que em estado de felicidade. E deveria ser exatamente o contrário”.
E me lembrei de um texto do Jabor (ou atribuído a ele na internet), onde ele fala das garotas lindas que partem pra balada, “com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, (mas que) chegam sozinhas e saem sozinhas” e dos “empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e (estão) sozinhos.Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos personal dance, incrível”, diz ele, atônito.
Carlos Maltz, conta no seu blog que seu consultório está entupido de mulheres que ficam, mas que se sentem solitárias. Ele classifica três tipos de relacionamentos: namoro, ficar e rolo. O que os caracteriza, “são os teores de comprometimento com a relação: o baixo, o baixíssimo e o quase inexistente, que seria uma espécie de “Coca-Diet” dos relacionamentos”.
Falando das relacões anteriores dessas mulheres ele comenta:
“Havia momentos, conflitos, negociações, resoluções de conflitos, sexo, que ás vezes era bom, ás vezes era ruim, e ás vezes não rolava. Gozo, lágrimas, cobranças, baixarias, momentos sublimes… Eles saiam juntos para ir jantar, ir ao cinema, ir visitar os pais dela, os dele, a tia chata que está no hospital… Ele tinha que comprar um presente para ela no dia do aniversário dela, ela no dele… Dia dos namorados… Levar o cachorro para dar uma volta, dar uma dura no irmão menor dela, que não respeita ninguém… Um auxiliava o outro a estudar para o concurso, a prova da carteira de motorista… Enfim, algo cheio de altos e baixos, momentos bons e ruins, alegres e tristes, que eles iam vivendo juntos, compartilhando… Tipo “Eduardo e Mônica”…
Qual é a diferença? Maltz questiona. E responde: “Bem, de toda aquela lista de coisas que eles faziam juntos, lá em cima, sobrou apenas o sexo, e sair, vez por outra para um jantar ou um cinema. Ou seja, tira-se fora o ônus da relação, e fica-se apenas com o bônus. Filé sem osso, peixe sem espinhas, aquelas saladas que já se compram prontinhas para ir á mesa, não precisa nem lavar… Empacotadinho, você nem suja as mãos… Genial, não?”
Em seguida, ele pergunta de novo: “o que vai acontecer com essa geração de homens e mulheres, essa geração de menininhos e menininhas mimados que só querem comer a cobertura de chocolate do bolo? Menininhos e menininhas que quando encontram o recheio de ameixa, logo pegam outra fatia, para comer só o “docinho”… O que espera essa geração de gente que foge da entrega e do amor, que nem o diabo foge da cruz? Essa gente que foge do compromisso, de decisão? Da escolha, do sacrifício, essa gente que foge da dor… E da vida… O que acabará por encontrar?”
Pois é... então pergunto eu: Nesse nosso mundo virtualizado, que tipo de relações estamos na real buscando? Com a palavra Marcelo e a moça que andava pela Antônio Sales, nossos dignos representantes. Falando nisso, um abraço pra você que me leu até aqui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carta para uma amiga em crise amorosa

Querida amiga. Tu voltaste do carnaval e foi uma porcaria. Estavas tão feliz e empolgada antes, uma alegria só. Voltaste em pedaços. Falo de dentro, não do corpo. Afinal alugaste uma casa numa praia linda e lá te foste com teu amor para cinco dias de paz e felicidade. Não foi assim. Vocês brigaram e a praia se tornou um lugar deserto, distante do teu mundo. E os cinco dias se transformaram em anos de agonia e sofrimento. Quero, como amigo, te dizer algumas coisas.
Primeiro quero te falar de amizade e dizer que estou aqui. Tu não estás sozinha mesmo que nessa hora te sintas a mais só e abandonada das criaturas. A amizade é uma jóia rara nesses tempos de relações superficiais onde as pessoas enchem o Orkut de declarações de amor uns pelos outros. “Te amo,amiga”, é uma frase que lota os recados e depoimentos da internet, escrita por gente que não sabe o que vai na alma do outro,que não conhece verdadeiramente os sofreres, desejos e prazeres do outro. Gente que escamoteia suas emoções, finge suas alegrias e alardeia seus prazeres. Gente que não é o outro, que não vive o outro e para outro. Estou falando de amor enquanto amizade, porque a amizade obviamente é amor. Nesse tempo de individualismo e egoismo, o outro serve pra gente, a gente se serve do outro, mas não serve o outro. Então, amiga, se isso serve pra alguma coisa, pense no Orkut e a banalização do amor, pense em ti e a divinização do amor. Então, amiga, preserve, regue e cultive a amizade como algo raro, que é. Pois temos esse algo raro de um chamar o outro quando está muito feliz. “Capa venha pra cá, estou tão feliz e quero te ver”. E o contrário. “Capa, to mal, preciso de ti”. E eu, quantas vezes fiz o mesmo, tendo no teu ombro e no teu sorriso a força e a leveza de viver?
“Amizade é quando o silêncio não se torna incômodo. Amor é quando o silêncio se torna cômodo”, disse Mário Quintana. Ontem, quando voltaste, conversamos muito. Mas os momentos de quietude, de não-fala, falaram muito também. Eram momentos em que nossas almas conversavam, nossos olhos se afagavam. E lá estava tua amiga também, conversas e silêncios a três. Não estavas e não estás só. Pense o quanto é valioso isso que temos. E isso que temos não tem preço. Sei o que é solidão. Desde que cheguei a Fortaleza a alguns anos – a cidade que escolhi não só para morar, mas para viver e amar – dividi com o mar a falta de amigos. Nossa! quanto eu caminhei e corri conversando com as ondas e com Deus, recebendo respostas que vinham pela brisa. Hoje corro pra ti. E continuo correndo pra Deus. Ótimas companhias. Não estamos sós.
Segundo, amiga – tinha um primeiro lá em cima, lembra? – quero te falar de amor. Não sei se a ruptura de vocês é definitiva. Mas a dor é, no sentido de que nada apaga a dor que sentes agora. Vocês podem voltar, mas a dor ficará lá na sua memória, ficará lá arquivada no seu coração. Se vocês voltarem, que ela seja a grande professora que ensinou tanto, achando que não ensinava nada, apenas cumpria assim seu papel na sua vida, assim fazendo melhor a relação de vocês. E se vocês não voltarem, que a dor te faça pensar muito, avaliar muito e assim te fazer melhor. A dor só vale se dela tirarmos algo. A dor só vale pela não-dor, trocada que deve ser pela compreensão do que é viver e do que é amar, pela compreensão de que viver é amar. Não devemos amar a dor, claro. Mas devemos amar o amor, esse sentimento tão lindo quanto raro, ainda mais hoje em dia. O psicanalista Igor Caruso,no livro A separação dos amantes (leia-se ‘amantes’ no sentido de ‘os que se amam’) diz que a perda da pessoa amada vem carregada de um sentimento de morte. E é assim mesmo. Mas a morte não existe, ela é sempre um renascer para algo novo. Agora estás aí, puro sentimento de morte, viúva de ti mesma, longe da pessoa que conheço e gosto tanto. Quero que penses nisso. Não há muito a dizer nessa hora em que velas pela dor o teu amor. Mas quero te dizer isso: Amiga, pense na amizade que te devoto, no quanto te gosto- eu que precisei tanto de ti e a quem te devotaste tanto. Não estás só, meeeeesmo! Pense na tua amiga lá, também, alma na mão pra ti, coração na boca pra ti. E pense, que se tu e teu amor voltarem, tudo será melhor. E se não voltarem, nada será pior. Tu renascerás mais linda, dentro e fora. Não há como não sofrer agora. Mas regue essa dor, não para que ela continue viva, mas para que ela morre, germine e não só te traga de volta, mas que te traga de volta numa versão melhorada, ainda mais bonita, dentro e fora, mais amiga e mais amada.
Amizade e amor andam juntos. Quem não tem na pessoa amada um amigo, não tem o amor pleno. Muito mais que o tesão é isso que conta. Quem não ama seu amigo, não tem um amigo pleno. Tem um desconhecido de quem gosta, como aqueles lá que infestam os Orkut da vida.
Amiga, amizade e amor andam juntos.
Amiga, eu te amo.

Capa

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Nesse carnaval não beije na boca

“Eu quero mais é beijar na boca!”, grita um dos muitos clones de cantora de trio elétrico que infestam nossa mídia. Faça não. Nesse carnaval não beije muuuito na boca. De preferência, nem beije. De preferência, beije a quem você ama, se tiver, mas não o estranho com a alegria enlatada na mão e os olhos injetados de multidão. Mas de preferência mesmo, beije você mesmo.
Se você não vai viajar, então, ótimo. Não diga “que saco! vou ficar na cidade”. Aproveite para viajar com você, pra dentro de você. Há quanto tempo você não caminha de mãos dadas com você? Há quanto tempo não se afaga? Há quanto tempo não se curte e não se encanta com você mesmo? Há quanto tempo sem tempo pra você? Se não viajar, navegue pra aquele lugar mais dentro do seu mar e descubra lá longe suas praias isoladas, suas areias desertas, seus lugares inacessíveis até mesmo pra você. Tem tanto recanto bonito dentro de você! Fizeram você acreditar que é igual a todos, igual à massa. Não é! Você é um ser único, só que talvez nunca tenha se apresentado a você!
E se for viajar pra um lugar de muita festa, saia um dia só com você, sem bebida, sem amigo, sem amor (velho ou novo) e se misture com a massa. Olhe como as pessoas riem, bebem, pulam, numa corrente elétrica de alegria e euforia que é da massa, não é de cada um. E que essa alegria toda te lembre o verso cantado por Frejat “que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero”. Pense naquela “felicidade” toda ali. Então perceba que todos são um e que cada um é ninguém. Mas que você está fora disso, você está de fora, olhando os outros e se percebendo único ali. Ali, só você é você. Escolha dois que se beijam loucamente. É fácil achar. Eles estão perdidos ali. Pense que não são eles que se beijam. É a massa que vive neles que se beija, essa loucura que deixou de emanar do popular, capturada que foi pela mídia e pelas secretarias de turismo, pra ganhar dinheiro enlouquecendo o que Freud chamou de nosso instinto de vida (pra esquecer a morte). E dê um grande beijo pra dentro de você. Volte pra casa feliz, abraçado com você, ser único, fora da massa que é um e não é ninguém, repito.
E chegando em casa, se você estiver com alguém, olhe pra essa pessoa por uns minutos e pense quem é ela na sua vida. Ela é a sua vida? E se ela perguntar : “porque você está me olhando?”, responda: “estou olhando pra mim”. E reflita que você só vive uma vida, pelo menos aqui por essas bandas terrestres, e que partilhá-la com quem não é parte de você é assinar o seu atestado de hábito, ou de óbito, não sei a diferença. Chame o “síndico do seu tédio” e se reinvente. Pense que é na volta das férias que acontece a maioria dos rompimentos. Que os cartórios batem os recordes anuais de pedidos de separação nessa época em que a gente retorna do convívio com o outro – marido, esposa, namorado, namorada - e descobre que vive em solidão a dois.
Se ficar em casa, não ligue a televisão naquela profusão de corpos malhados à bisturi, de gente que já não tinha mais sua alma e agora não tem também mais o seu corpo. De preferência não ligue a televisão. De preferência não ligue nada. Fique no silêncio de você. Faça um ”silêncio do vizinho reclamar”. E se escute. Ouça a música do seu viver. Suas torneiras, suas chaleiras e panelas, seus ventos na varanda, seus suspiros. Melhor que a melhor batucada.
Se ficar em casa, aproveite para ir a uma livraria e escolher um bom livro que não seja best seller. Esqueça as cabanas da vida, os comer, rezar e amar e busque um autor que não seja de massa. Não vou sugerir nomes. Têm muitos. Nem aceite sugestões de vendedor, nem de ninguém. Arrisque-se e viva momentos bonitos de você mesmo, descobrindo algo que a mídia não lhe mandou descobrir... e que você vai amar, até por isso. Você vai se amar se sentindo mais único do que nunca. E pense no que disse o filósofo alemão Adorno, “que para algumas pessoas dizer ‘eu’ chega a ser um absurdo”.
Enfim, se algo assim acontecer com você nesse carnaval, tenha certeza que você fez um carnaval espetacular. Você foi pierrô e colombina de você mesmo. Montou um trio elétrico dentro de você. Pulou por dentro. Sua alma cantou como nunca. Seu coração bateu mais forte que os tambores. Você fez folia em sua vida. E o ano, enfim, começará novo pra você. Já os outros, voltarão esgotados e felizes em bandos de gente, bandos de carros, bandos de ônibus e aviões pra viverem suas vidas, em bandos. Felizes de alma? Viverem suas vidas mesmo? Bem, vamos ler tudo de novo!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Amar é um ato subversivo

Já escrevi, dia desses, que nossa civilização cristã divinizou o sofrimento e assim passamos a medir o amor pela dor que ele gera e não pela alegria, paz e felicidade que produz. Quem eu mais amei foi aquela por quem eu mais sofri, o que não tem valor de verdade sempre. Quero fazer agora uma outra reflexão. Ainda medimos o amor pela dor, tudo bem, mas há algo novo no ar: a idéia de que sofrer por amor é babaquice. Você sofre, tudo bem de novo, mas o mundo ri de você. O amor é cada vez mais tratado em nossa sociedade frívola e materialista como uma tolice, uma perda de tempo. Vale como negócio. E a dor que às vezes o acompanha, nem se fala. “A Marcela? Tá lá chorando por causa de homem, aquela idiota, ao invés de partir pra outra.” Versão masculina: “O Paulo, olha, um bobo, tá bebendo todas depois que levou o fora da fulana, com tanta mulher no mundo”. Não é assim? Fazemos troça da dor de amor dos outros. Pimenta no dos outros... Sofrer por alguém é inconveniente, inoportuno, chato. Ficar é que legal, transar é que o canal. Mas amar, bem isso já é mais complicado para essa gente criada na civilização capitalista, onde as pessoas se usam como coisas e se gastam como máquinas. Pra amar é preciso entrega, doação, algo que não combina com esse tempo que vivemos. O lema é: eu me amo e o outro eu desfruto. Se não vejamos o que é o ficar. Nada mais que um teste-drive. A gente dá uma pilotada no outro, prova um pouco do gosto, pisa um pouco mais fundo, dá uma verificada no motor, faz um balanço da potência... E vai contar pros outros. E vai pro próximo teste-drive. E o transar? Bem esse é o grande lance, desde que a mídia disse para todos que só o sexo e o dinheiro trazem a felicidade.
E se o capitalismo nos fez acreditar que tempo é dinheiro, a cultura aí gerada nos diz que tempo é prazer também. Quer dizer, temos pouco tempo pra gozar tudo e aí não cabe ficar chorando por dor de cotovelo, abandono, cornice. A coisa foi sacramentada já na frase de Luana Piovani, uma de nossas grandes filósofas atuais: “A fila anda”. Um sistema que prioriza o ter ao ser, só pode medir a felicidade pela quantidade de parceiros que se teve/tem, e não pela qualidade das relações; pela quantidade de orgasmos que se tem/teve e não pela qualidade. Além do que, o amor é subversivo. Sempre que ele irrompe no coração de uma pessoa, ele imediatamente causa estranheza, incomoda o mundo. O apaixonado vive num outro planeta, a vida lhe fica diferente. E a sociedade gosta do igual, do mesmo, não do diferente. Octávio Paz, mexicano genial, prêmio Nobel de Literatura, num belo texto do livro Labirinto da solidão, diz que “no nosso mundo o amor é experiência quase inaceitável”. E na verdade, todo tipo de amor é viável. Não existe amor impossível. O fato de existir um amor impossível já diz que ele é possível, pois que aconteceu. Branco com preta, baixo com alta, velho com moça, cristão com muçulmana, homem com homem, mulher com mulher - todo tipo de amor é possível de se realizar. Mas porque a sociedade não gosta do amor? Porque, com raiz no diferente, ele rompe com as regras. De novo Octávio Paz: “[...]. A sociedade concebe o amor, contra a natureza desse sentimento, como uma união estável e destinada a criar filhos. Identifica-o com o casamento. [...] Daí também que o amor seja, sem se propor a isso, um ato anti-social, pois cada vez que consegue ser realizado, viola o casamento e o transforma no que a sociedade não quer que ele seja: a revelação de duas solidões que criam para si mesmas um mundo, que quebra a mentira social, suprime o tempo e o trabalho e se declara auto-suficiente.” Vejamos a publicidade, o cinema, as novelas, as letras de música (nem falemos do forró). Elas excitam as pessoas, erotizam o mundo, passando uma tesão e um espírito de aventura e gozo que as pessoas não tem, mas são iludidas a ter. Quando que a mídia enaltece o amor? Nas grandes datas comerciais: dia das mães, dos pais, natal... De resto é muita mulher pelada, cervejada na praia, carro potente pra conseguir mais teste-drive - não no carro, claro. E aí duas pessoas se apaixonam e fogem desse mundo, mergulham no deles. E logo vem a sociedade para domesticar essa rebeldia – tem que se acalmar, namorar, noivar, casar, ter filhos e, enfim, domesticar-se na vidinha doméstica. E depois ficar olhando o álbum esmaecido de fotos do tempo dos sonhos, das loucurinhas, das escapadas. Ou então tem que acabar a relação.
Se o amor precisa ser domado, aquietado, logo a dor do amor precisa ser desprezada. São Paulo dizia que o melhor era não casar, “mas se arder, então que se case”, mas sem muito fogo. Era preciso segurar s fúria da carne. Hoje, amar é bobo e perda de tempo. E como tempo é dinheiro, e o consumo berra aos nossos ouvidos “transe, transe, transe”, lá vamos nós, buscando uma felicidade cada vez mais distante. Sem direito a amar de verdade, muito menos sofrer de amor, que tudo bem, não é a melhor coisa (já falei disso), mas é digamos, um nobre direito de quem ousou amar e romper.