quarta-feira, 24 de junho de 2009

O vazio nosso de cada dia

Li uma entrevista do Tom Jobim - isso faz muuuito tempo, mas me marcou - onde ele dizia que todos temos um vazio dentro nós que jamais preencheremos e por isso ele fazia música. Que por mais que se aprenda, se viva; por mais que nos busquemos e até nos encontremos, nunca conseguiremos preencher esse vazio. O que é esse vazio, o porquê dele, Jobim deixava para os entendidos na alma humana. Assino embaixo. Mas que ele existe, o vazio, dentro de mim, dentro de todos, ele existe. O que é esse peso na minha alma nessa manhã franzina? O vazio pesa. O que é esse cinza que entristece e descolore minha tarde? O vazio tem cor.

Passamos a vida aos tapas e aos tombos com ele. Passamos a vida tentando preenchê-lo. No verso, no trago, no sexo, no shopping, no trabalho... Escrevo por isso – tô tentando. E você? Enfrenta o seu vazio de que maneira? Colecionando amores? Esvaziando garrafas? Afundando no trabalho? Abrindo a geladeira? Também escrevendo?

Pense comigo: por que será que quando vamos a uma festa, quando saímos à noite, temos que beber? Se não se bebe parece que a coisa não liga, não tem graça, fica vazia, enfim. Festa boa, é de porre grande. As pessoas hierarquizam a diversão na medida em que bebem e conseguem se livrar das inibições, dos medos, e dele, claro, do vazio, que assim fica submerso no álcool, bebinho bebinho. “A festa tava ótima, tomei um foguete daqueles”. Que pobreza as nossas diversões – alegria movida a cerveja, sorriso movido a uísque, simpatia movida a vinho, sexualidade à champanhe; e o outro sendo apenas prato para matar a nossa fome! Mas nada extingue, supera, resolve o problema do vazio.

Ele não tem hora para atacar, mas é a noite que age mais furiosamente. Por isso na noite bebemos mais, fumamos mais (aqui lembro Quintana: “desconfio das pessoas que não fumam. Fumar é uma maneira disfarçada de suspirar”). Às vezes ataca de manhã ao acordarmos e olharmos para o dia à frente como dois parênteses sem nada dentro, ou talvez pior, como uma página já escrita e da qual sabemos tudinho que vai acontecer até o ponto final. Uma página-dia cheia de vazio.

Mas pensando bem, eu não quero deixar de me deparar com o vazio, vez por outra. Porque eu gosto de ter medo, me sentir inseguro, meio perdido e confuso diante da maravilha que é a vida e as pessoas todas, tão atrapalhadas todas. Porque existindo esse vazio, o pecado pode ser doce, o amor eterno, o gole suave e a geladeira uma grande amiga (que bom, num domingo, em casa, sem nada pra fazer, abrir a geladeira e encontrar algo muito bom pra comer e tentar encher o vazio; mas não se engane, ele não está no estômago). Porque por causa do vazio, existe mais sensível a música, a poesia, a arte toda, o sorriso do filho, a beleza da mulher que passa do outro lado da rua e que nunca mais se verá, o dia de sol, o dia de chuva e... a geladeira.

Pensando bem, na próximo vez que o vazio me atacar, vou tratá-lo bem. Faça o mesmo, sugiro. Afinal, vamos viver juntos a vida toda. Nós e o vazio. E depois, é graças a ele que a gente enche do outro, do emprego, do mundo e da vida que se leva, vazia, e se arranca para novos caminhos – outros carinhos, outro cartão-ponto, outro mundo. E pensando melhor: dá pra agüentar ser feliz sempre? Nada mais triste do que alguém que anda sorrindo sem parar por aí. Parece gente sem vazio, cheia de risada. Pensando bem: hei,vazio! olha eu aqui!