sábado, 22 de agosto de 2009

Quero uma mulher

Quero uma mulher que quando eu disser que não gosto e não entendo de carros, não fique chocada, mas que me diga: "que bom, temos uma afinidade, já". Que quando eu disser que amo poesia e Fernando Pessoa, não comece a me olhar desconfiada, mas que, se não for pra dizer “eu também”, diga “também gosto de poesia, mas não conheço Fernando Pessoa, me apresenta?”.
Quero uma mulher que quando eu me emocionar e chorar falando de algo como a beleza de encontrá-la, não me tire por bobo, apesar de fofo; e que quando eu tiver uma crise de choro que a assuste diante de uma ameaça de rompimento, não me julgue fraco, nem frágil, mas apenas sensível. Que quando eu deitar do seu lado e não estiver a fim, ela não pense que não sou macho o bastante, “porque todos os homens querem sempre transar”, mas entenda que o desejo, o do homem também, e o meu no particular, sofre nuances de humor e intensidade; e que quando eu quiser transar na hora mais inoportuna, entenda que pra mim aquela é a hora mais oportuna.
Quero uma mulher que se eu mandar flores só no dia dos namorados, ou no aniversário de namoro, fique zangada e ache que o certo é mandar quando se faz dez meses, duas semanas, três dias e dez horas de namoro. E que se eu lhe mandar três buquês de flores de uma vez, não me chame de exagerado, louco, mas de apaixonado e até ache pouco, diante de tanto amor.
Quero uma mulher que adore surpresas, como escrever ‘eu te amo’ com papel picado no console do carro, enquanto espero ela descer do seu apartamento; ou arrancar flores da rua e ir colocando no chão que ela vai pisar, e nunca me diga “suas surpresas me assustam”. Porque me assustam as que se assustam.
Quero uma mulher que desfrute do meu corpo sem pudor, posto que o entrego sempre em holocausto, e que me deixe dispor do seu como se fosse extensão do meu.
Quero uma mulher que durante o sexo não se choque com os meus palavrões misturados com os “eu te amo” e que no silêncio do depois da fusão e da explosão, entenda que eu também curto aquele momento de quietude e também gosto de carinho, dengo e palavrinhas boas.
Quero uma mulher que quando eu me fechar em mim, entenda que preciso visitar meu mundo para poder respirar aqui fora e que não estou fugindo, muito menos amando menos.
Quero uma mulher que mesmo me achando de outro mundo, cometa a loucura de viajar comigo pro meu planeta.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Caras

Uma das cenas mais tristes de se ver ao andar por essa cidade (leia-se qualquer cidade) é a cara das pessoas nas paradas de ônibus. Triste não é uma palavra que defina bem esse sentimento. Melhor é a expressão borocoxô. Aliás, a palavra triste não é triste, mas borocoxô é isso mesmo: borocoxô. O dicionário diz : “borocoxô - que está sem ânimo, sem energia; que está alquebrado, envelhecido, que está amuado, aborrecido”. E não é isso que vemos nas caras das pessoas que esperam ônibus? É que esperar, seja o que for, já não é legal; esperar ônibus, pior ainda; mas esperar em Fortaleza, quer dizer, sabendo onde vai entrar... isso merece um outro texto.
Mas tem coisa ainda mais borocoxô do que a cara de paisagem de quem fica plantado num abrigo esperando o ônibus. É a cara de quem passa de ônibus. Aquela cara que vemos passando rapidamente quando vamos atravessar a rua, ou, lei da compensação, quando estamos na parada esperando.Cara de natureza morta.
Outra cara para o catálogo das mais danadas – cara de consultório (qualquer consultório). Aquele monte de gente estranha, que entre uma revista Caras, sem capa, e outra, sem capa de novo, volta e meia olha para as caras em torno. A gente olha e fica pensando, “o que será que essa criatura tem?” Ou então se perde a olhar o pé da mulher da frente, bem feito... bem feio; ou o cabelo daquela outra, filosofando sobre qual o nome que a fábrica da tintura deu aquele tom; ou a gente se liga tentando ouvir a conversa daquelas duas senhoras falando algo empolgante sobre seus filhos ou sobre um novo ponto de crochê. Isso mesmo, crochê, sabe o que é? É que a gente naquele mundinho busca assuntos adormecidos que acordam no torpor do consultório. Mas o melhor mesmo é olhar as caras. Bom não levar espelho.
Outra cara que dói: cara de elevador. Aí não é só a cara, claro. É a situação toda que incomoda. A invasão do território da gente. A ciência diz que temos em torno de nós uma faixa de 1 a 1,5 metro, que invadida, nos constrange. É o nosso espaço, o nosso território. Aí a gente fica ali sendo invadido no nosso cheiro, na nossa caspa, nas nossas manchas, e invadindo as dos outros.
Mas o pior de caras que já vi , foi numa exame de fertilidade que fiz; o exame se chama espermograma. Imagine uns oito homens sentados em um baquinho, a maioria não fazendo porra nenhuma a não ser esperar a hora em que serão chamados para justamente coletar a tal. Existe um só local para coleta do material, que na verdade é um banheiro. A cada um que entra a gente fica controlando quanto tempo o camarada vai levar para gozar, de olhos abertos e fazendo pontaria num pote que nem em um ano ele encheria. (Abro esse parêntese para pensar na diferença entre homem e mulher. Imagine se para saber se pode ter filho, a mulher precisasse ter um orgasmo? Fecha parêntese). Bem, a cara do sujeito quando sai do banheiro com o material coletado com as próprias mãos é de dar dó. Aquele minguadinho no vidro, os olhares dos outros homens na espera de fazer sua parte, a entrega para as moças do balcão... Taí uma cara que não desejo pra ninguém. Cara de pau ao contrário.

domingo, 16 de agosto de 2009

Amor proibido, ou blood, sweet and tears

João tinha bebibo copos adentro numa agonia auto-destrutiva. Motivo: desamor. Causa: rompimento.
Pois João estava assim, quando sentimento causa dor física. Dor de amor não dói só na alma, dói na carne. Sua solidão era do tamanho da sua dor. Rodando e rolando, num bar, vendo um solitário com cara de vontade de morrer, sentou pensando dividir copo, papo e dor. O cara não deu a menor importância a João. Disse que não queria conversa, que já tinha decidido se matar mesmo e estava indo fazer isso logo que terminasse a cerveja. João não deu importância. Afinal ele também pensava nessa possibilidade e talvez nem esperasse terminar a cerveja.
Levantou-se, deu um tapinha no ombro do sujeito, querendo dizer "que merda, camarada" e "foda-se" ao mesmo tempo. Resolveu ir para casa decidir seu destino com a geladeira. Abriu mais uma e deitou-se na cama. Dormiu antes de pensar na janela, onde embaixo, num barzinho alguém tocava Dindi. Nem percebeu que a garrafa entornou e encharcou seu corpo também por fora.
Acordou às 5h com o telefone tocando. Zonzo, não sabia se o corpo estava molhado de sangue, se havia se cortado; nem se estava vivo. No telefone alguém com voz triste, bêbada, chapada, diz apenas: "onde?". João não entende. "O teu endereço, onde fica?". Era ela, a que fazia sua alma e sua carne doer. Ele nem lembrou o endereço, deu uma referência lá embaixo. Ela saiu correndo de casa, pegou um táxi e disse pro motorista: "o mais rápido que você puder, por favor". João desceu para a rua à espera do que nunca esperara. Olhando para um lado da rua, é abraçado por trás com força e desespero. Ficaram as 12 horas seguintes na cama juntando almas e corpos doloridos. Fizeram um sexo desesperado: não era o gozo, era a fusão que importava. "Se não tivesse grades nas janelas lá em casa, tinha me jogado". "Se não tivesse a geladeira cheia aqui, também". Olhos nos olhos, carinhos, olhos nos olhos, sexo, olhos nos olhos, lágrimas. "É nosso último encontro, não suporto a pressão do mundo, amigos, mãe, vou ficar louca". "Eu já estou louco". Sem banho, sem levantar da cama, sem comer, misturando porra com sangue de menstruação, lágrimas e suor com saliva, eles se purificaram. Naquelas 12 horas o mundo perdeu, o mundo se fudeu com seus preconceitos e sua verdadeira sujeira. Naquelas 12 horas foram felizes para sempre.

6 SE MEXERAM:

André Victor disse...
Quando se lê um texto seco, ríspido, escrito sem frescuras e com uma exposição visceral, é inevitável a ligação à um nome: Charles Bukowski. Para quem não o conhece, procure... O velho safado, apesar de marginal da literatura mainstream, é um grante escritor e que traz um grande dueto entre vida e obra, pois os dois entrelaçam-se e acabam gerando registros ficticios e ao mesmo tempo autobiográficos.

Parabéns pelo texto, Capa!
10 DE AGOSTO DE 2009 18:59

luiz gonzaga capaverde disse...
André Victor, só vc pra lembrar do nosso amado Bukowski. Qdo escrevi pensei nele e pensei que só tu farias essa relação. Jamais respondi ou comentei um comentário, mas vc me forçou a isso. Se não falasses no velho e incomparável Buk, eu ia ficar puto contigo. Valeu, garoto, faça a diferença nesse curso. Vem mais desse meu lado podre por aí. Abração.
10 DE AGOSTO DE 2009 19:20

Natalie disse...
incrível. a sensação nua, literalmente, do que é AMAR.
11 DE AGOSTO DE 2009 00:44

Almir Moreira disse...
textos pesados, também são sensuais.
existe uma ligação muito forte também com desilusões e dá muita mais vida a obra.
muito bom, Capa Vêrdê
11 DE AGOSTO DE 2009 16:19

Anônimo disse...
Enfim, parece que surge um escritor peso pesado no Ceará.
11 DE AGOSTO DE 2009 17:55

Magali Schmitt disse...
Que coisa mais... real. Se alguém se chocar, é por que nunca viveu uma grande história. Se não curtir, é porque não tem coragem de expor seu âmago, como tu tão bem o fizeste, Capa, dando tua cara a tapa. Coragem admirável.

super beijo