Percebo que me agarrei à dor para não perdê-la de vez. A dor da separação era a presença da ausência dela. E se agarrar à dor é se agarrar na cauda do amor e não querer que ele vá embora.
Sofri
muito por esse amor que morre. Noites insones; dias sem que em nenhum
minuto deixasse de pensar nela. Litros e litros em forma de cerveja,
uísque e similares, servidos e sorvidos por ela. Disperso, no
trabalho não rendi, em vários momentos, o que podia render. Meu
corpo pagou o pato com problemas decorrentes do sofrimento por esse
amor. Esse amor que agora morre. Sei que morre. Sinto que morre.
Agora boto a cabeça no travesseiro e durmo. Antes, não dormia
quando botava a cabeça no travesseiro. Antes, acordava no meio da
noite, sobressaltado, pensando nela, como
seria viver sem ela. Agora durmo a noite toda, vivendo sem ela. E
surpreso percebo que, se levanto para ir ao banheiro, vou como um
zumbi e ela não me assalta no trajeto. Antes, quando pulava da cama
pela manhã (eu realmente pulava, um tanto assustado, com medo e sem
rumo), quando pulava da cama, automaticamente pensava nela. Louco
isso, mas minha lucidez ao acordar, estava ligada à loucura daquele
amor. Hoje acordo, sento na cama me espreguiço, vou à janela olhar
o mar e minha cabeça vaga pelas ondas, pelos surfistas que cedo
estão lá riscando a água, pelas pessoas lá na areia desenhando
sincronicamente no ar. Só depois ela me vem, com o sentimento de que
está indo...
E
assim, me curando desse sofrer todo, desse amor que me maltratou
tanto, percebo que sinto agora uma dor pela dor que está indo
embora. Sinto que a minha amada vai morrendo dentro de mim e que
começa a ser passado. Ela, tão presente nos meus dias e que
coloquei no meu futuro “pra sempre”, passa a ser, primeiro uma
ausência na minha vida vivida; segundo, passa a ser uma ausência no
meu pensamento pensado. Enquanto eu a amo, mesmo rompidos, mesmo nem
se falando nem se vendo, e mesmo guardando muita mágoa, ela vive em
mim, é presença em mim. Amando-a cada dia menos, no lento trabalho
do tempo, que como o vento junto às falésias, esfarela, corrói e
vai desmoronando tudo, ela vai entrando no meu passado e lá vai
ocupando seu espaço dentre tantos amores que acabaram, que morreram
de morte morrida ou morte matada. E me percebo incomodado com esse
amor que morre. Porque é mais um que morre e porque é esse amor,
com toda a sua especialidade, com tua sua loucura, com toda a sua
dor. Ela vai saindo de mim, e sinto que sofro por isso. Vai
entender!...
Percebo
que não sofro só o fim do amor por ela, sofro também o fim do
amor, essa coisa estranha, bela e boa de olhar o outro com outro
olhar, de sonhar a vida com o outro e para o outro. Percebo que me
agarrei à dor para não perdê-la de vez. A dor da separação era a
presença da ausência dela. E se agarrar à dor é se agarrar na
cauda do amor e não querer que ele vá embora. Não só o amor por
ela, mas o amor mesmo, que de tanto ir embora e de tanto vir, como as
ondas do mar, vai dando uma sensação de cansaço, de fracasso
(então é sempre isso, é sempre assim? Nadar, nadar e morrer na
praia? Então a morte é sempre o fim de tudo mesmo?). Não quero
saber da minha capacidade inesgotável de amar. Não quero saber que
esse amor vai e já
existem novos olhares, novos barcos prontos pra singrar o mar e
sangrar de novo.
Quero um amor pra sempre. E
queria esse. Esse
mesmo que está morrendo dentro de mim. Sinto que reajo para ela não
virar um retrato 3 x 4 na minha vida. A agonia desse amor me agoniza.
O vazio que esse amor começa a deixar me impacienta, me esvazia.
Porque a ausência dela era minha companheira. Agora nem isso. Agora
sou só eu, de novo na estrada, de novo só. Perder a ausência dela,
perder a dor por perdê-la é perdê-la uma segunda vez.
Percebo
que não quero que esse meu amor morra e se transforme em ex-amor,
que deixe a cena da minha vida e vá viver eternamente num canto do
camarim, onde jazem como bonecos quebrados os ex-amores. Mas esse
amor morre. Sei que morre. Sinto que morre. Adeus
noites insones. Adeus copos e garrafas. Adeus dor do desamor. Adeus
sua presença. Adeus sua ausência. Adeus tristeza. Que triste isso!