quinta-feira, 25 de março de 2010

Na praia,olhando a mulher do outro

Ela estava sentada na praia com seu marido, ou namorado, ou namorido, não sei. Era um dia de sol forte, céu azul, daqueles em que até quem não gosta de praia sente vontade de se estirar no sol, tomar um banho de mar. Eu estava sentado a uns seis metros dela, em companhia de mim mesmo. Nessa manhã, boa companhia. Achei-a linda linda. E não poupei olhares. Eu não a olhava como se olha uma presa, eu não a desejava. Simplesmente eu a olhava como se olha uma obra de arte. Eu a contemplava, era isso. Biquini branco, pele dourada, cabelos e pelos dourados, ela era ouro; ela era um espetáculo, e por isso, devia ser olhada com olhos de platéia. E eu estava ali, representando o gênero masculino e tentando bem representar minha espécie. Como ela estava em diagonal, eu podia assistir a sua exposição ao sol e à vida sem que ela me percebesse. E eu sorvia sua beleza ao tempo em que sorvia minha caipirinha. O marido, confesso, mal eu notara. Mas vi que existia aquela figura masculina ali, sempre uma mistura de cão labrador com pitibul, dependendo da situação. Sim, porque não tem bicho mais cordato e amigável que homem sossegado ao lado da mulher que gosta e de quem sente aquele orgulho que só os machos entendem, aquele orgulho de ter uma mulher bonita e desejada, mas que é dele; e não tem bicho mais pré-histórico, mais primo-irmão do gorila, quando se sente ameaçado por outro macho. Sei, sou um deles. E se a mulher então for flagrada olhando pro outro, coitado, ele vira vítima em potencial de afundamento maxilar, e ela começa a experimentar o que deve ser a sensação de passar o portal do inferno.
Então eu olhava muito, mas sereno, porque eles não me viam. Até que, súbito, ela levantou e ficou de frente pra mim verticalizando sua forma esplendorosa. Confesso que levei um choque. Não esperava ela em pé, assim logo logo. Me ajeitei na cadeira e me recompus. Ela começou a fazer uma das coisas que eu mais curto na mulher – arrumar o cabelo, fazendo um simples rabo-de-cavalo. Simples? Naquele simples gesto, se encerra uma das maiores forças sedutoras do ser feminino. Nada de simples. Jogar o cabelo pra lá e pra cá, enquanto passa a liga, trabalhando com as mãos daquele jeito, resume a graça, a garça que vive em cada uma delas. Pensei: aquela cena era tão fortemente graciosa e sedutora que as mulheres deveriam ter a condição de fazê-la em câmara lenta. E aí, tóin, nossos olhares se cruzaram. Olhei firme por segundos e tirei o olhar. A ciência Semiótica diz que quem fala olha menos do que quem ouve. Pode observar nas suas conversas cotidianas, quando você fala olha menos pra outra pessoa do que ela olha pra você. E ali, naquele dia lindo, na praia, quem estava falando era eu. Eu dizia: nossa, como você é linda! Em seguida ela deitou-se na cadeira, daquelas em que gente fica esticadão, longilíneo. No caso dela, ela horizontalizava a beleza, esticava a sensualidade. Ela se confundia com o horizonte e me veio um verso de Drummond sobre os profetas do Aleijadinho em Congonhas do Campo: “eles monumentalizam a paisagem”. Ela, com seu corpo esculpido por Deus num domingo em que Ele não assistiu ao Faustão, também monumentalizava a paisagem. Escultura em carne e osso, a mulher melhor prova de que o Cara existe.
Quando ela percebeu que eu a olhava, as coisas mudaram. A naturalidade cedeu lugar aquela arte que as mulheres desenvolveram ao longo dos séculos, a arte de usar plenos poderes parecendo que não estão usando poder algum. Ela não se transformou em algo artificial, mas sim numa bela e natural encenação que só as mulheres sabem fazer de não estar nem aí estando aí. Se mexia mais, passava protetor com muita dedicação a cada poro do seu corpo...O homem não me notara. E assim eu tomava minha caipiroska e a cada gole mais eu a achava linda, a cada gole mais eu sentia que me aproximava da alma dela. E me apaixonava. Estava ótimo ela deitada, meio de lado pra mim, e eu sorvendo e absorvendo sua beleza. E o homem não via nada, ocupado em observar um grupo de jovens que fazia saltos. Mas ela me vira. Ela sabia que eu existia. E isso me bastou. Que mais eu poderia querer diante daquele espetáculo vigiado pelo mix labrador-pitibul? Ela me era como um por de sol em Jericoacara – lindo, mas tem seu tempo, acaba. Como disse, eu procurava representar bem o gênero masculino. Eu, platéia, já tinha me embebedado da sua beleza. Ela, palco, já tinha feito sua apresentação pra mim. Tudo sem pecado. Não tinha luxuria aquilo. Aquilo era a vida. Mulher linda, homem do lado, homem olhando. Tudo muito bonito. Mulher maravilhosa é contemplada por homem contemplativo. Pedi a conta, dei um suspiro e pensei: que bom, já vou. Ninguém se machucou. Certamente quando ela olhou de novo pra onde eu estava e não me viu, pensou: que bom, já foi. A minha paixão de minutos acabou. Mas a vida ficou mais bela. Pra mim e pra ela. E o marido continuou assistindo os saltos dos garotos. Todos de bem com a vida.Talvez, como disse Vinicius, porque era sábado.

Desconfio que meu amor tá me traindo

“Nossos caminhos foram traçados na maternidade”. O verso de Cazuza se encaixa no meu caso de amor com ela. O filme “Nunca te vi, sempre te amei”, também. Senão, como explicar essa vontade de conhecê-la, de estar com ela desde sempre? Sempre sonhei com esse contato. Acho que Freud não explica. Talvez o espiritismo e a teoria de vidas passadas esclareçam, se é que isso existe. Passaram-se anos até que nos encontramos. Nossa relação no começo foi de algum estranhamento, mesclado com muita emoção, pelo menos da minha parte. Algumas coisas nela me chocavam, outras me encantavam. Eram mais coisas boas e positivas. E assim o amor surgiu, pelo menos da minha parte. Hoje eu a amo e a conheço bem. E ainda descubro novidades todos os dias, aumentando meu encantamento. Devo confessar, todavia, que me sinto um tanto abandonado por ela, ultimamente. Poderia até dizer que me sinto algo desprezado por ela.
Falo de uma mulher chamada Fortaleza, a cidade onde sempre quis morar e moro há alguns anos. A cidade onde, sem nem conhecer, já queria morar. Sem nem conhecer, já sentia que ia amar. Conheci, amei, mas agora ando meio de lado com ela. É que antes, quando eu andava de carro pelas suas ruas, eu deslizava encantado vendo os outros reclamarem do trânsito. Eu pensava: nossa! Isso aqui é uma delícia, eles não sabem o que é engarrafamento. Hoje, carrego um livro de crônicas de Rubem Braga – 200 crônicas escolhidas – para ler quando tudo pára. E como pára, hoje. A rua pára e eu mergulho nas palavras mágicas de Braga, que abrandam meu stress e meu desencanto cada vez maior. Já li 150 crônicas, em poucos dias. Mas queria mesmo era a mágica da cidade andar e poder chegar em casa, no trabalho, sem ter que fazer o comentário-explicação da hora: puxa, fiquei preso horas no trânsito.
Então vamos pra uma DR, meu amor. Diz o que está acontecendo contigo. Porque fazes isso com teus filhos naturais e adotivos, como eu? Não te ensinaram sobre estratégias, logísticas, engenharias? O que há com tuas artérias? Deixaram-nas inchar como varizes e agora o teu sangue – essas pessoas que te amam e que te dão vida – não tem passagem. Sei que não tens culpa direta, porque como uma filha mal educada que não sabe receber e se comportar, tu também não foste ensinada a dar passagem, e não adianta nem mais pedir licença. Me diz onde estão teus viadutos, teus túneis, teu metrô que se perdeu nos trilhos do tempo? Onde estão os responsáveis pela tua formação, que não te proveram do básico para que crescesses com algum preparo, alguma estrutura e assim pudesses enfrentar esses tempos de carros-abelhas e conviver amorosamente com essa multidão que anda, compra, vende, trabalha, se diverte e... sofre nas tuas ruas e avenidas?
Outra coisa: nunca bati em mulher, mas também nunca apanhei, e agora tu me bates todo dia. Nossa relação está começando a me tirar do sério. Teus homens dirigem tensos por ruas perigosas, não pelos buracos, mas por que escondem gente que apedreja, que assalta, que mata. Gente tua que odeia tua gente. Gente que faz mal. Tuas mulheres começam a ficar almodovarescamente à beira de um ataque de nervos, porque seus filhos pequenos voltam sem celular pra casa; e seus filhos maiores, bem, esses quando retornam nas noites em que saem pra se divertir, promovem suspiros tão fundos e aliviados, que ecoam pela tua madrugada. E o Ronda, que te protege? Será que vou ter que batizá-lo de Ronca, porque sempre dorme no ponto, chega atrasado e só pega mesmo é a bóia de cortesia no restaurante da esquina? Eita!
Assim, nosso amor fica comprometido. Nossa relação começa a ser unilateral. Poxa, só eu dou, só eu cedo?! E agora, o que é esse ar que me sufoca? Sei que isso não é culpa tua, mas como um casal em crise, onde a simples pasta de dente sem tampa já promove uma discussão, começo a colocar isso também na cesta das nossas desavenças. O que é esse calor de Palmas, Teresina, Cuiabá, em pleno inverno? E a chuva, meu amor? E a chuva que me deixava dormir o sono dos fortalezenses felizes, puxando um edredom e ouvindo aquele som de água, aquele cheiro de terra molhada? Cadê? Não me fale desses pinguinhos caraminguás... sei não, mas começo a pensar que até nisso tens culpa.
Começo a sentir cheiro de traição. E daí a me traíres de verdade ou não, não muda nada. Porque numa relação verdadeira, não precisa haver traição carnal. Existe uma que dói tanto quanto, ou mais – é a traição do compromisso. E dessa pra outra traição é rapidinho. É isso! Você está rompendo o nosso compromisso. Não quero me separar de ti, mas também não quero aquela relação que se leva com a barriga. Pense nisso, tome tenência. Não jogue tudo fora. Quero andar de mãos dadas contigo, de novo. Faça sua parte. Tô no meio da rua, no sol, te esperando. Ainda te amo muito. Um beijo, Fortaleza.

segunda-feira, 15 de março de 2010

As mulheres são melhores

Os homens que me perdoem, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores. Falo no geral. Na questão particular da sensualidade e da sexualidade, então, lembro Chico Anísio: “mulher é um negócio tão bom, que elas mesmas estão descobrindo isso”. Não quero polemizar, até porque meu lado mulher é superdesenvolvido, graças a Deus e à minha mãe – artista plástica, professora de artes e amante da música e da poesia -, mas meu lado mulher é lésbico. Assim, amo a alma feminina (e seu invólucro) e penso que as mulheres são essenciais, que as mulheres são melhores. O show de Maria Gadú, no final de semana, foi mais uma prova. Gadú é sensacional, um espetáculo de intérprete, um timbre maravilhoso, que aos 21 deixou de boca aberta quem ama música nesse país. E aos 22 hipnotiza teatros e bares com seu jeito tímido, meigo e de moleque. É moleque mesmo, porque quando ela entrou no palco do Centro de Convenções, com o cabelo escondido num boné, óculos escuros, camisetão, jeans e tênis tipo all star, a impressão que tive foi de que entrava um garoto skaitista, um moleque, não uma moleca. Isso faz parte do fascínio que ela excerce sobre a mulherada jovem. Não sei, nem vem ao caso, a questão da sexualidade da Gadú. Se é marketing ou opção, ou só jeitinho mesmo. Tampouco da platéia. O fato é que 70% do público era feminino e o show não teria sido a maravilha que foi, não fosse a presença maciça das mulheres, porque elas são essências, elas são melhores, porque a alma delas está degraus acima da alma de nós homens. Se a maioria fosse de homens o show teria sido outra coisa, obviamente muito mais sem graça, porque somos mortos por natureza e se não formos motivados por sexo e cachaça a coisa não anda, desanda. Produzidas e perfumadas femininamente, as garotas amam a Maria Gadú moleque, mas meiga, muito meiga; e tímida. Elas cantaram juntas todas as músicas, o que deve ter surpreendido aqueles que foram lá conhecer a revelação musical de 2009 pelo júri da Associação Paulista de Críticos de Arte, com apenas 22 anos.
Aí fico pensando pela luta das mulheres para serem iguais aos homens. Desculpe, mas querem ficar piores. Querem ser chefe igual, fumar igual, beber igual, transar igual, ser predadoras igual, viver igual e morrer igual, dos mesmos cânceres, dos mesmos ataques cardíacos, e dos mesmos avecês. E somos tão diferentes! A história recente da humanidade, leia-se a partir da modernidade, é a história da razão, e a razão tem pinto, é fálica. Porque razão é coisa de homem, é coisa maior; e emoção é coisa de mulher, coisa menor. Homem é pensamento, mais importante – quase toda a importância - mulher é sentimento, desimportante. Por obra e graça de Descartes que disse o famoso “penso ,logo existo” e depois do Iluminismo e seu empenho pelo desencantamento do mundo através da dissolução dos mitos, crenças, superstições, e também da imaginação, o que construímos foi esse fracasso – um mundo insosso, injusto, machista, anti-mulher, anti-poesia, anti-beleza. Construímos um mundo capenga, mutilado, onde um lado, o lado da mulher, sua essência, e tudo que lhe é cabível e atribuído ficou como menor; e o outro, o lado do homem, ficou como maior. Foi a vitória da denotação fria e direta, sobre a conotação rica e subjetiva. Foi a vitória da reta sobre a curva. Foi a vitória da matemática sobre as artes. Da cientificidade e do culto à tecnologia sobre a mística e a poesia. Foi a vitória do homem que não chora sobre a emotividade. Enfim, Deus criou o homem e este criou um mundo macho. E agora as mulheres, que são tão melhores, tão mais sensíveis, por essência, tão mais estetas e estéticas, querem esse mundo pra elas. Se pensarmos que a metade dominada, melhor na essência, adota o modelo da metade dominadora, pior por excelência, cabe perguntar: que ser vai sair daí? Quem viver verá. Agora a fase é de transmutação e de confusão. As publicidades e reportagens da mídia, nessa segunda-feira, Dia Internacional da Mulher, mostraram bem isso. Ora a mulher é homenageada como mãe, esposa e dona da vida, um modelo antigo e ligado à dominação; ora como executiva, mulher que trabalha e constrói carreira de sucesso, um modelo moderno, mas masculino, porque a única referência é o mundo fálico.
Mas que igualdade é essa? Fromm vai dizer que é a “igualdade dos autômatos, dos (...) que perderam sua individualidade”. Buscamos a igualdade em vez da unidade. “É a mesmice dos que trabalham nos mesmos serviços, têm as mesmas diversões, lêem os mesmos jornais, experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas idéias”. Essa tal igualdade bem poderia ser chamada de padronização. Querendo essa igualdade em vez da unidade, “homens e mulheres deixam de ser pólos opostos para serem os mesmos pólos”.
Mas a esperança ressurge quando assisto um show como o de Maria Gadú. Porque a diferença da essência parece estar preservada. E se as mulheres conseguirem comandar o mundo, o que me é inexorável, poderemos realmente viver num novo planeta, com mais boniteza, mais emoção, um planeta mais metafórico, transcendental, justo e meigo, enfim. Mas para isso é preciso que essa transmutação não esmague a diferença, não sufoque a essência do ser feminino. Se a essência permanecer, como deve permanecer, teremos os homens buscando imitar as mulheres e teremos um Iluminismo às avessas, com um novo encantamento do mundo, no melhor sentido, um “engraçamento” do mundo. E lembrando Pepeu Gomes se “ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”, espero que sendo mulheres masculinas, elas não firam nem mutilem o seu lado feminino. Aí terá valido toda essa zorra da sociedade capitalista contemporânea confundindo igualdade com unidade, garrafas e camas com liberdade, pólos opostos com pólos iguais, individualismo e quantidade com felicidade. Se a nova mulher ajudar a desconstruir esse velho e mutilado ser humano que somos todos, e ajudar a construir um novo ser, hibridizando, fazendo um mix do melhor dos dois lados, com uma puxadinha maior pro lado dela, terá valido a pena toda essa zorra agora. Parodiando Maria Gadú na obra-prima Altar Particular, estamos “com tudo a flutuar no rio, esperando a resposta” do tempo. E os homens que me perdoem, repito, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Amar é aprendizado (ou o amor no tempo do fast-food)

Imagine uma situação hipotética onde um homem e uma mulher que nunca viram uma cena de amor entre namorados, nunca viram um homem e uma mulher fazendo sexo fossem colocados num luxuoso quarto de motel, com a melhor champanhe, música romântica e tudo o mais... O que aconteceria? Rolaria? Não aconteceria nada. Não rolaria nada. Porque não saberiam o que fazer, como fazer. Uma frase comum na nossa sociedade – e carregada de preconceito moral – é que “sem-vergonhice a gente nasce sabendo”. Primeiro essa sem-vergonhice não é sem-vergonhice – é vida. Segundo, a gente não nasce sabendo essas coisas, a gente aprende. Pelos filmes, novelas, pelos romances, pelas ruas, na família, isto é, na vida mesmo. É claro que os filmes pornôs mais deseducam do que educam, porque ninguém é daquele jeito, é claro que os romances e novelas ensinam uma noção açucarada da felicidade a dois, é claro que as famílias..., bem não vamos discutir isso aqui. E é claro que uma situação como propus lá em cima é impossível de acontecer, porque duas pessoas assim isoladas do mundo não seriam pessoas. Mas essa experiência foi feita com macacos Rhesus, os mais próximos dos humanos. Macacos e macacas foram criados sem convívio social e sexual que lhes possibilitasse ver o que e como fazer. E quando foram colocados juntos o que aconteceu? Nada. Ou melhor, aconteceu que eles ficaram excitados, mas não sabiam o que fazer. Ficavam correndo, se tocando, a fêmea tentava montar o macho, o macho ficava mais agressivo e, por fim, se não fossem separados, se matavam. Bem, vamos partir daí.
A gente aprende a fazer sexo e aprende a amar. No caso do sexo, vendo e fazendo. No caso do amor, é um pouco diferente. A gente vai ter uma relação com o amor diretamente ligada ao tipo de amor que recebeu, ou não recebeu, ao tipo de amor que aprendeu, ou não. Fechemos o foco no amor, porque sexo tem por aí em todo lugar, dos out-doors aos motéis, embora a questão pareça ser mais de quantidade do que de qualidade. Fechemos o foco no amor, porque esse está em baixa enquanto vivência, concretização, embora se tenha uma necessidade essencialmente humana dele.
O amor é a maior e mais bela experiência que podemos experimentar na vida. Falo do amor em toda a sua extensão, não só amor homem-mulher, mas amor de pai-mãe por filho, pelo próximo... Mas fechemos o foco no amor entre homem e mulher. E ele é, repito, um aprendizado. Buscaglia, pedagogo norte-americano, ensina no livro Amor, “que a maioria de nós continua a agir como se o amor não fosse um fenômeno a ser aprendido e sim como se vivesse adormecido em cada ser humano, simplesmente esperando (...) para emergir em toda a sua intensidade. Muitos esperam (...) para sempre. Recusamo-nos a encarar o fato óbvio de que as pessoas, em sua maior parte, passam a vida tentando encontrar o amor, tentando vivê-lo, e morrendo sem nunca tê-lo descoberto verdadeiramente”. Triste isso, né?
O psicanalista Erich Fromm, no livro A arte de amar, frisa que a postura de que “nada é mais fácil do que amar tem continuado a ser a idéia predominante, apesar da esmagadora prova em contrário.” E vai enfatizar que o amor é uma arte. “Se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura (...)”. Como se vê, a coisa é complicada, por isso esse fracasso tremendo nos nossos amores. Sem falar que queremos mais ser amados do que amar. Que confusão!
E nessa nossa sociedade mercantilista, acabamos por não viver só no sistema, posto que vivemos o sistema. Quer dizer, nossas relações são perpassadas pelo capitalismo. Se a sociedade é de consumo, nos consumimos uns aos outros, utilitariamente. No mundo do fast-food, no plano sexual inventamos o fast-foda, o sexo casual, tipo lavou tá novo. No amor, acabamos adotando a mesma postura, o fast-love. Ou seja, não investimos no amor; ou seja, não nos predispomos a aprender a amar, a construir uma relação, porque isso demora tempo e demanda investimento emocional e riscos e perdas e danos.
Vejamos o caso de Fernanda. Ela, livre e desimpedida, conheceu Lúcio, que recém tinha se separado. Se encantaram. No apartamento dele ao lado da cama onde fizeram amor, ainda tinha um porta-retrato dele com a ex e o filho. Querendo mostrar maturidade, ela disse que achava aquilo normal, porque era o filho dele e a mãe do filho dele. Superfície. No fundo, aquilo a incomodara. Com os dias, vendo que apesar de encantado com ela, ele, que fora o abandonado, ainda nutria sentimentos pela ex-mulher, levou um papo-cabeça com o cara. Disse que era melhor ficarem por ali, ele tentar se reconciliar, que o casamento dele tinha poucos anos e blá, blá, blá. Ela me contou que chegou em casa e chorou todas as lágrimas, mas que se sentiu ética. Mas ela não foi ética. Ela foi covarde. Porque ela não fez isso por ele, fez por ela. E fez por medo do investimento emocional, por medo das perdas e danos a que se sujeitaria. O aprendizado do amor exige compromisso, empenho, boa vontade, e riscos. Ou seja, Fernanda queria que Lúcio investisse no amor, o que ela não fez. Queria que ele lutasse, o que ela não fez. Assim, era melhor partir pra outra, outro cara, um prato mais simples, menor, mais digerível, sem risco de azia, apesar da fome. Era melhor partir pra outra, outro cara, no grande buffet das nossas relações. Assim Lúcia perdeu Fernando, um cara que pra ela tinha tudo e todas as qualidades por quem valeria a pena lutar. Mas não quis lutar. E perdeu. Não quis tentar aprender a amar e tentar construir uma relação verdadeira, esse “momento de unidade”, como diz Fromm, e que “é uma das mais jubilosas e excitantes experiências da vida”. Coisa da nossa cultura fast-foda, fast-love, fast-tudo. Coisa desse tempo onde a gente perde e se perde, pensando que se acha; que perde, sem nem lutar.WO.Fast-vida.