quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Nesse carnaval não beije na boca

“Eu quero mais é beijar na boca!”, grita um dos muitos clones de cantora de trio elétrico que infestam nossa mídia. Faça não. Nesse carnaval não beije muuuito na boca. De preferência, nem beije. De preferência, beije a quem você ama, se tiver, mas não o estranho com a alegria enlatada na mão e os olhos injetados de multidão. Mas de preferência mesmo, beije você mesmo.
Se você não vai viajar, então, ótimo. Não diga “que saco! vou ficar na cidade”. Aproveite para viajar com você, pra dentro de você. Há quanto tempo você não caminha de mãos dadas com você? Há quanto tempo não se afaga? Há quanto tempo não se curte e não se encanta com você mesmo? Há quanto tempo sem tempo pra você? Se não viajar, navegue pra aquele lugar mais dentro do seu mar e descubra lá longe suas praias isoladas, suas areias desertas, seus lugares inacessíveis até mesmo pra você. Tem tanto recanto bonito dentro de você! Fizeram você acreditar que é igual a todos, igual à massa. Não é! Você é um ser único, só que talvez nunca tenha se apresentado a você!
E se for viajar pra um lugar de muita festa, saia um dia só com você, sem bebida, sem amigo, sem amor (velho ou novo) e se misture com a massa. Olhe como as pessoas riem, bebem, pulam, numa corrente elétrica de alegria e euforia que é da massa, não é de cada um. E que essa alegria toda te lembre o verso cantado por Frejat “que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero”. Pense naquela “felicidade” toda ali. Então perceba que todos são um e que cada um é ninguém. Mas que você está fora disso, você está de fora, olhando os outros e se percebendo único ali. Ali, só você é você. Escolha dois que se beijam loucamente. É fácil achar. Eles estão perdidos ali. Pense que não são eles que se beijam. É a massa que vive neles que se beija, essa loucura que deixou de emanar do popular, capturada que foi pela mídia e pelas secretarias de turismo, pra ganhar dinheiro enlouquecendo o que Freud chamou de nosso instinto de vida (pra esquecer a morte). E dê um grande beijo pra dentro de você. Volte pra casa feliz, abraçado com você, ser único, fora da massa que é um e não é ninguém, repito.
E chegando em casa, se você estiver com alguém, olhe pra essa pessoa por uns minutos e pense quem é ela na sua vida. Ela é a sua vida? E se ela perguntar : “porque você está me olhando?”, responda: “estou olhando pra mim”. E reflita que você só vive uma vida, pelo menos aqui por essas bandas terrestres, e que partilhá-la com quem não é parte de você é assinar o seu atestado de hábito, ou de óbito, não sei a diferença. Chame o “síndico do seu tédio” e se reinvente. Pense que é na volta das férias que acontece a maioria dos rompimentos. Que os cartórios batem os recordes anuais de pedidos de separação nessa época em que a gente retorna do convívio com o outro – marido, esposa, namorado, namorada - e descobre que vive em solidão a dois.
Se ficar em casa, não ligue a televisão naquela profusão de corpos malhados à bisturi, de gente que já não tinha mais sua alma e agora não tem também mais o seu corpo. De preferência não ligue a televisão. De preferência não ligue nada. Fique no silêncio de você. Faça um ”silêncio do vizinho reclamar”. E se escute. Ouça a música do seu viver. Suas torneiras, suas chaleiras e panelas, seus ventos na varanda, seus suspiros. Melhor que a melhor batucada.
Se ficar em casa, aproveite para ir a uma livraria e escolher um bom livro que não seja best seller. Esqueça as cabanas da vida, os comer, rezar e amar e busque um autor que não seja de massa. Não vou sugerir nomes. Têm muitos. Nem aceite sugestões de vendedor, nem de ninguém. Arrisque-se e viva momentos bonitos de você mesmo, descobrindo algo que a mídia não lhe mandou descobrir... e que você vai amar, até por isso. Você vai se amar se sentindo mais único do que nunca. E pense no que disse o filósofo alemão Adorno, “que para algumas pessoas dizer ‘eu’ chega a ser um absurdo”.
Enfim, se algo assim acontecer com você nesse carnaval, tenha certeza que você fez um carnaval espetacular. Você foi pierrô e colombina de você mesmo. Montou um trio elétrico dentro de você. Pulou por dentro. Sua alma cantou como nunca. Seu coração bateu mais forte que os tambores. Você fez folia em sua vida. E o ano, enfim, começará novo pra você. Já os outros, voltarão esgotados e felizes em bandos de gente, bandos de carros, bandos de ônibus e aviões pra viverem suas vidas, em bandos. Felizes de alma? Viverem suas vidas mesmo? Bem, vamos ler tudo de novo!

2 comentários:

Iolanda disse...

Professor Luiz Gonzaga,

Gostaria de parabenizá-lo pela qualidade dos seus textos e dizer que tenho uma proposta pra lhe fazer na área de Literatura Dramática. Curiosamente a sua crônica de hoje tratou, de certa forma, do assunto a que a proposta se refere. Sobre isso, enviei uma mensagem pro seu e-mail. Você pode me confirmar se a recebeu?

Grata pela atenção,
Iolanda.

Ed Rodrigues disse...

Cara, é tão bom quando o que pensamos é escrito por outra pessoa. Lemos e nos vemos ali.

Tuas ideias são plantadas e pode ter certeza que algumas sementes darão bons frutos...
Bom feriado pra ti.