quarta-feira, 6 de maio de 2009

No meio da minha rua tinha um lixeiro

Saía de casa pro trabalho bem arrumadinho e cheiroso. Lá adiante, uns 100 metros, vi um velho lixeiro começando o seu serviço. Empurrava um carrinho e vestia um macacão puído, sujo. A barba branca estava por fazer; o rosto, marcado, expressava um misto de tristeza e dor. Eu me sentia bem nessa manhã. Minha alma devia estar pesando um milésimo de grama. Meus pensamentos estavam em paz e meus sentidos bebiam as cores, os cheiros e os rostos da manhã. Enquanto eu caminhava e me aproximava do velho lixeiro, pensava como pode alguém chegar à velhice assim – caminhando pra morte juntando restos da vida (boa, farta, em alguns casos) dos outros; varrendo as ruas de uma sociedade que nunca lhe deu chances? Quando passava por ele, nossos olhos se cruzaram. Timidamente ele baixou os dele. Pensei que estivesse envergonhado, assim velho e lixeiro diante de alguém, mais jovem, bem arrumadinho e cheiroso. Mas logo a vergonha mudou de lado, se é que estava ou esteve do lado dele. A vergonha ficou por minha conta, ficou em mim, por me flagrar julgando aparências. Quem disse que esse velho lixeiro não deu mais certo do que eu? Quem disse que sua alma não pesava menos que a minha nessa manhã, enquanto empurrava seu carrinho e seu radinho chiava uma música qualquer, mas que eu certamente não aprovaria? Quem disse que esse velho lixeiro, com sua barba por fazer e seu macacão surrado, não deu mais certo do que esses que andam por aí desfilando marcas novinhas no corpo todo, no carro, como se nossas vidas e corpos fossem grandes outdoors do sucesso e felicidade de cada um? E afinal o que é dar certo? Dar é certo é ser feliz, pô! Shinyashiki, aliás, tem um livro que se chama O sucesso é ser feliz. Quem pode dizer que aquele velho lixeiro é mais infeliz do que eu? Ou menos feliz? Ou mais feliz? Sabe-se lá da sabedoria que se esconde naquela cabeça branca – aquela sabedoria que vem da dor e da delícia da vida vivida... Sabe-se lá de suas alegrias, de seus prazeres? Os momentos de enlevo que vive quando a noite chega e esperando o jantar fuma um cigarro, quem sabe até daqueles juntados da rua, escutando sua musiquinha chiada? Sabe-se lá da alegria que ele experimenta nos domingos indo passear na casa dos filhos, ou dos netos, ou ficando em casa, à espera deles? Sabe-se lá como vive bem com sua companheira de tantos anos, e que os anos murcharam e sulcaram e como nas noites frias eles encaixam seus corpos cansados e aquecem suas almas? Pode não ser nada disso. Pode ser mais do que tudo isso. A vergonha ficou por minha. Ficou comigo. Me incomoda ainda. Deitou comigo ontem e atrapalhou meu sono. Acordou comigo hoje e atrapalha o meu dia. Antes de sair pro trabalho, não me sentindo nem arumadinho nem cheiroso, sou salvo por meu velho salvador - Fernando Pessoa:
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
..............
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

2 comentários:

Thais Chahine disse...

professor, adorei o texto, concordo com você!
"E afinal o que é dar certo? Dar é certo é ser feliz, pô"
as pessoas acabam esquecendo de viver pra ser feliz né? atualizei o meu! e mudei o texto! hahaha pra vc n falar nada! haha bjosss

Anônimo disse...

Defino um texto com uma palavra: Verdade! Noossa e que verdade!

Abraços profi!