quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carta para uma amiga em crise amorosa

Querida amiga. Tu voltaste do carnaval e foi uma porcaria. Estavas tão feliz e empolgada antes, uma alegria só. Voltaste em pedaços. Falo de dentro, não do corpo. Afinal alugaste uma casa numa praia linda e lá te foste com teu amor para cinco dias de paz e felicidade. Não foi assim. Vocês brigaram e a praia se tornou um lugar deserto, distante do teu mundo. E os cinco dias se transformaram em anos de agonia e sofrimento. Quero, como amigo, te dizer algumas coisas.
Primeiro quero te falar de amizade e dizer que estou aqui. Tu não estás sozinha mesmo que nessa hora te sintas a mais só e abandonada das criaturas. A amizade é uma jóia rara nesses tempos de relações superficiais onde as pessoas enchem o Orkut de declarações de amor uns pelos outros. “Te amo,amiga”, é uma frase que lota os recados e depoimentos da internet, escrita por gente que não sabe o que vai na alma do outro,que não conhece verdadeiramente os sofreres, desejos e prazeres do outro. Gente que escamoteia suas emoções, finge suas alegrias e alardeia seus prazeres. Gente que não é o outro, que não vive o outro e para outro. Estou falando de amor enquanto amizade, porque a amizade obviamente é amor. Nesse tempo de individualismo e egoismo, o outro serve pra gente, a gente se serve do outro, mas não serve o outro. Então, amiga, se isso serve pra alguma coisa, pense no Orkut e a banalização do amor, pense em ti e a divinização do amor. Então, amiga, preserve, regue e cultive a amizade como algo raro, que é. Pois temos esse algo raro de um chamar o outro quando está muito feliz. “Capa venha pra cá, estou tão feliz e quero te ver”. E o contrário. “Capa, to mal, preciso de ti”. E eu, quantas vezes fiz o mesmo, tendo no teu ombro e no teu sorriso a força e a leveza de viver?
“Amizade é quando o silêncio não se torna incômodo. Amor é quando o silêncio se torna cômodo”, disse Mário Quintana. Ontem, quando voltaste, conversamos muito. Mas os momentos de quietude, de não-fala, falaram muito também. Eram momentos em que nossas almas conversavam, nossos olhos se afagavam. E lá estava tua amiga também, conversas e silêncios a três. Não estavas e não estás só. Pense o quanto é valioso isso que temos. E isso que temos não tem preço. Sei o que é solidão. Desde que cheguei a Fortaleza a alguns anos – a cidade que escolhi não só para morar, mas para viver e amar – dividi com o mar a falta de amigos. Nossa! quanto eu caminhei e corri conversando com as ondas e com Deus, recebendo respostas que vinham pela brisa. Hoje corro pra ti. E continuo correndo pra Deus. Ótimas companhias. Não estamos sós.
Segundo, amiga – tinha um primeiro lá em cima, lembra? – quero te falar de amor. Não sei se a ruptura de vocês é definitiva. Mas a dor é, no sentido de que nada apaga a dor que sentes agora. Vocês podem voltar, mas a dor ficará lá na sua memória, ficará lá arquivada no seu coração. Se vocês voltarem, que ela seja a grande professora que ensinou tanto, achando que não ensinava nada, apenas cumpria assim seu papel na sua vida, assim fazendo melhor a relação de vocês. E se vocês não voltarem, que a dor te faça pensar muito, avaliar muito e assim te fazer melhor. A dor só vale se dela tirarmos algo. A dor só vale pela não-dor, trocada que deve ser pela compreensão do que é viver e do que é amar, pela compreensão de que viver é amar. Não devemos amar a dor, claro. Mas devemos amar o amor, esse sentimento tão lindo quanto raro, ainda mais hoje em dia. O psicanalista Igor Caruso,no livro A separação dos amantes (leia-se ‘amantes’ no sentido de ‘os que se amam’) diz que a perda da pessoa amada vem carregada de um sentimento de morte. E é assim mesmo. Mas a morte não existe, ela é sempre um renascer para algo novo. Agora estás aí, puro sentimento de morte, viúva de ti mesma, longe da pessoa que conheço e gosto tanto. Quero que penses nisso. Não há muito a dizer nessa hora em que velas pela dor o teu amor. Mas quero te dizer isso: Amiga, pense na amizade que te devoto, no quanto te gosto- eu que precisei tanto de ti e a quem te devotaste tanto. Não estás só, meeeeesmo! Pense na tua amiga lá, também, alma na mão pra ti, coração na boca pra ti. E pense, que se tu e teu amor voltarem, tudo será melhor. E se não voltarem, nada será pior. Tu renascerás mais linda, dentro e fora. Não há como não sofrer agora. Mas regue essa dor, não para que ela continue viva, mas para que ela morre, germine e não só te traga de volta, mas que te traga de volta numa versão melhorada, ainda mais bonita, dentro e fora, mais amiga e mais amada.
Amizade e amor andam juntos. Quem não tem na pessoa amada um amigo, não tem o amor pleno. Muito mais que o tesão é isso que conta. Quem não ama seu amigo, não tem um amigo pleno. Tem um desconhecido de quem gosta, como aqueles lá que infestam os Orkut da vida.
Amiga, amizade e amor andam juntos.
Amiga, eu te amo.

Capa

Um comentário:

Hérika Vale disse...

Sim...isso é umdos artifícios do amor,que coisa mais bonita,melhor não poderia ser.Beijo