João tinha bebido copos adentro
numa agonia auto-destrutiva. Motivo: desamor. Causa: rompimento.
Pois João estava assim, quando
sentimento causa dor física. Dor de amor não dói só na alma, dói
na carne. Sua solidão era do tamanho da sua dor. Rodando e rolando,
num bar, vendo um solitário com cara de vontade de morrer, sentou
pensando dividir copo, papo e dor. O cara não deu a menor
importância a João. Disse que não queria conversa, que já tinha
decidido se matar mesmo e estava indo fazer isso logo que terminasse
a cerveja. João não deu importância. Afinal ele também pensava
nessa possibilidade e talvez nem esperasse terminar a cerveja.
Levantou-se, deu um tapinha no
ombro do sujeito, querendo dizer "que merda, camarada" e
"foda-se" ao mesmo tempo. Resolveu ir para casa decidir seu
destino com a geladeira. Abriu mais uma e deitou-se na cama. Dormiu
antes de pensar na janela, onde embaixo, num barzinho alguém tocava
Dindi. Nem percebeu que a garrafa entornou e encharcou seu corpo
também por fora.
Acordou às 5h com o telefone
tocando. Zonzo, não sabia se o corpo estava molhado de sangue, se
havia se cortado; nem se estava vivo. No telefone alguém com voz
triste, bêbada, chapada, diz apenas: "onde?". João não
entendeu. "O teu endereço, onde fica?". Era ela, a que
fazia sua alma e sua carne doer. Ele nem lembrou o endereço, deu uma
referência lá embaixo. Ela saiu correndo de casa, pegou um táxi e
disse pro motorista: "o mais rápido que você puder, por
favor". João desceu para a rua à espera do que nunca esperara.
Olhando para um lado da rua, é abraçado por trás com força e
desespero. Ficaram as 12 horas seguintes na cama juntando almas e
corpos doloridos. Fizeram um sexo desesperado: não era o gozo, era a
fusão que importava. "Se não tivesse grades nas janelas lá em
casa, tinha me jogado". "Se não tivesse a geladeira cheia
aqui, também". Olhos nos olhos, carinhos, olhos nos olhos,
sexo, olhos nos olhos, lágrimas. "É nosso último encontro,
não suporto a pressão do mundo, amigos, mãe, vou ficar louca".
"Eu já estou louco". Sem banho, sem levantar da cama, sem
comer, misturando porra com sangue de menstruação, lágrimas e suor
com saliva, eles se purificaram. Naquelas 12 horas o mundo perdeu, o
mundo se fudeu com seus preconceitos e sua verdadeira sujeira.
Naquelas 12 horas foram felizes para sempre.
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