(Excerto do meu mestrado como uma
contribuição para a reflexão sobre a velocidade de nossas vidas “paradas”)
Coexistimos sob o signo da ultra velocidade [...].
Diante de nossas retinas, sucede-se um turbilhão de imagens, sons e dados que
ora nos convence de que somos privilegiados pela abundância, ora nos atordoa
com a impressão de que jamais conseguiremos reter uma ínfima parte dessa
aluvião informacional. Porque tudo é perturbadoramente veloz e imediato. O
tempo real se dilui e se restaura sem direito a intervalos. As informações, mal
chegaram, já estão de partida [...]. Os controles remotos, por sua vez, são
acionados freneticamente. Em Mídias sem
limite [...], Todd Gitlin [Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 102] cita
pesquisa segundo a qual os controles são acionados até 107 vezes por hora pelos
três quartos dos norte-americanos com menos de 30 anos que assistem diariamente
aos noticiários televisivos.[1]
Kundera
no romance A lentidão (1995, p. 5-6) nos faz desacelerar e pensar quando narra
um motociclista ultrapassando o personagem que viaja devagar, de carro:
[...] o
homem curvado em sua motocicleta só pode se concentrar naquele exato momento de
seu vôo; agarra-se a um fragmento retirado tanto do passado quanto do futuro; é
arrancado da continuidade do tempo; está fora do tempo; em outras palavras está
num estado de êxtase [...]. A velocidade é a forma de êxtase que a revolução
técnica deu de presente ao homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé
está sempre presente em seu corpo, forçado sempre a pensar em suas bolhas, em
seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que
nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem delega a uma
máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio corpo fica
fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que é incorpórea, imaterial,
velocidade pura, velocidade em si, velocidade êxtase.
Mais
adiante, Kundera (1995, p. 6) pergunta:
Por que o prazer da lentidão desapareceu? Ah, para
onde foram aqueles que antigamente gostavam de flanar? Onde estão eles, aqueles
heróis preguiçosos das canções populares, aqueles vagabundos que vagavam de
moinho em moinho e dormiam sob as estrelas?
Por sua vez, Virílio (apud Sant’Anna, 2001, 16) “não cessa de lembrar o quanto ‘a corrida é eliminatória’, polui distâncias, anula intervalos, suscita muito mais o uso de reflexos do que da reflexão”. E Barthes (1985, 62) vai ser categórico: “a 2.000 por hora, em atitude constante, nenhuma sensação de velocidade”, ou seja, em velocidade tamanha, a impressão é de que se está parado. Estranha matemática essa que o homem matematizado pela razão vive hoje: é preciso ter pressa, correr, a tecnologia exige velocidade, no teclado, no acelerador, na academia, mas tanto mais corre mais se tem a sensação de que se está atrasado, perdendo o pique, perdendo a história, perdendo o emprego, o casamento, perdendo a vida. Como lembra Tucherman (1999, 15) “é que parecemos estar atrasados não em relação ao nosso futuro, mas em relação ao nosso próprio presente”. Estranha lógica que coloca todos na mesma estrada, com os mesmos objetivos, com os mesmos pensamentos sem saber porque os pensa, uma uniformização “que faz parte do próprio processo da indústria cultural, imposto a uma sociedade que, apesar de toda a racionalização, permanece irracional” (Hermann, 2005 [no prelo]
Por sua vez, Virílio (apud Sant’Anna, 2001, 16) “não cessa de lembrar o quanto ‘a corrida é eliminatória’, polui distâncias, anula intervalos, suscita muito mais o uso de reflexos do que da reflexão”. E Barthes (1985, 62) vai ser categórico: “a 2.000 por hora, em atitude constante, nenhuma sensação de velocidade”, ou seja, em velocidade tamanha, a impressão é de que se está parado. Estranha matemática essa que o homem matematizado pela razão vive hoje: é preciso ter pressa, correr, a tecnologia exige velocidade, no teclado, no acelerador, na academia, mas tanto mais corre mais se tem a sensação de que se está atrasado, perdendo o pique, perdendo a história, perdendo o emprego, o casamento, perdendo a vida. Como lembra Tucherman (1999, 15) “é que parecemos estar atrasados não em relação ao nosso futuro, mas em relação ao nosso próprio presente”. Estranha lógica que coloca todos na mesma estrada, com os mesmos objetivos, com os mesmos pensamentos sem saber porque os pensa, uma uniformização “que faz parte do próprio processo da indústria cultural, imposto a uma sociedade que, apesar de toda a racionalização, permanece irracional” (Hermann, 2005 [no prelo]
O mundo
globalizado, a cultura mundializada, o mundo todo envolto num só manto de
pensamento único, a eletrônica, a informática tudo isso faz com que a vida seja
acelerada... para o vazio. O homem da cidade anda mais rápido do que o homem do
campo, se alimenta mais rápido, em tudo ganhou velocidade – até mesmo no sexo
conceituou a “rapidinha”, o ato sexual veloz, por vezes feroz, e sem
comprometimento – mas estranhamente, parece estar com o freio de mão puxado.
Corre e parece não avançar. Corre para chegar no semáforo, corre para chegar na
fila, corre para ficar parado. E talvez apenas nesses momentos o homem se dê
conta do quanto sua vida se vai e se esvai, o que foi muito bem captado por
Paulinho da Viola, na sua canção Sinal
fechado, onde dois motoristas (homens instrumentalizados) conversam,
rapidamente, à espera do sinal abrir:
Olá,
como vai?
Eu
vou indo e você, tudo bem?
Tudo
bem, eu vou indo, correndo
Pegar
meu lugar no futuro e você?
Tudo
bem, eu vou indo em busca
De
um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto
tempo?
Pois
é, quanto tempo?
Me
perdoe a pressa
É
a alma dos nossos negócios
Qual,
não tem de quê
Eu
também só ando a cem
Quando
é que você telefona
Precisamos
nos ver por aí
Pra
semana prometo, talvez
Nos
vejamos, quem sabe?
Quanto
tempo?
Pois
é, quanto tempo?
Tanta
coisa que eu tinha a dizer
Mas
eu sumi na poeira das ruas
Mas
me foge a lembrança
Por
favor, telefone, eu preciso
Beber
alguma coisa rapidamente
Pra
semana
O
sinal
[1] Do texto de Denis Moraes A vida na era da saturação midiática, publicado na revista virtual Ciberlegenda, número 12, 2003, da Universidade Federal Fluminense e
disponível no site: http://www.uff.br/mestcii/denis10
.htm (27/07/2004).
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