segunda-feira, 3 de agosto de 2020

O vazio nosso de cada dia



Li uma entrevista do Tom Jobim, numa revista do século passado, numa sala de espera, onde ele dizia que todos temos um vazio dentro nós que jamais preencheremos. Que por mais que se aprenda, se viva; por mais que nos busquemos e até nos encontremos, nunca conseguiremos preencher esse vazio. O que é esse vazio, o porquê dele, Jobim deixava para os entendidos na alma humana. Assino embaixo. Mas que ele existe, o vazio, dentro de mim, dentro de todos, ele existe. O que é esse peso na minha alma nessa manhã franzina, de chuva? O vazio pesa. O que é esse cinza que entristece e descolori meu dia? O vazio tem cor.
Passamos a vida aos tapas e aos tombos com ele. Passamos a vida tentando preencher o vazio. No verso, no copo cheio, no sexo, no shopping, no trabalho... Escrevo por isso – tô tentando. E você? Enfrenta o seu vazio de que maneira? Colecionando amores? Esvaziando garrafas? Afundando no trabalho? Abrindo a geladeira? Também escrevendo?
Pense comigo: por que será que quando vamos a uma festa, quando saímos à noite, temos que beber? Se não se bebe parece que a coisa não liga, não tem graça, fica vazia, enfim. Festa boa é de porre grande. Alguém disse que festa boa é aquela que no outro dia a gente jura que quer esquecer. As pessoas hierarquizam a diversão na medida em que bebem e conseguem se livrar das inibições, dos medos, e dele, claro, do vazio, que assim fica submerso no álcool. Que pobreza as nossas diversões – alegria movida a cerveja, sorrisos movidos a falsidade, simpatias movidas a interesses, o outro sendo apenas prato para matar a fome! Fome de quê? Mas nada extingue, supera, resolve o problema do vazio.
Ele não tem hora para atacar, mas é a noite que age mais furiosamente. Por isso na noite bebemos mais, fumamos mais. Às vezes ataca de manhã, pior nas segundas-feiras, ao acordarmos e olharmos para o dia e a semana à frente como dois parênteses sem nada dentro, ou talvez pior, como uma página já escrita e da qual sabemos tudinho que vai acontecer até o ponto final. Uma página-dia cheia de vazio, enfim...

Mas pensando bem, desdigo tudo. Eu não quero deixar de me deparar com o vazio, vez por outra. Porque eu gosto de ter medo, me sentir inseguro, meio perdido e confuso diante da maravilha que é a vida e as pessoas todas, tão atrapalhadas todas. Porque existindo vazio, o pecado pode ser doce, o amor eterno, o gole suave e a geladeira uma grande amiga (que bom, num domingo, em casa, sem nada pra fazer, abrir a geladeira e encontrar algo muito bom pra comer e tentar encher o vazio, que , não se engane, não é no estômago). Porque  por causa do vazio, existe mais sensível a música, a poesia, a arte toda, o sorriso do filho, a beleza da mulher que passa do  outro lado da rua e que nunca mais se verá, o dia de sol, o dia de chuva e... a geladeira.

Pensando bem, na próxima vez que  o vazio me atacar, vou tratá-lo bem. Faça o mesmo, sugiro. Afinal, vamos viver juntos a vida toda. Nós e o vazio. E depois, é graças a ele que a gente enche do outro, do emprego, do mundo e da vida que se leva, vazia, e se arranca para novos caminhos – outros carinhos, outro cartão-ponto, outro  mundo. E pensando bem, dá pra aguentar ser feliz sempre? Nada mais triste do que alguém que anda sorrindo sem parar por aí. Credo, parece gente cheia de risada, sem vazio.

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