sábado, 20 de fevereiro de 2016

CRÔNICA DO AMOR QUE MORRE


Percebo que me agarrei à dor para não perdê-la de vez. A dor da separação era a presença da ausência dela. E se agarrar à dor é se agarrar na cauda do amor e não querer que ele vá embora.


Sofri muito por esse amor que morre. Noites insones; dias sem que em nenhum minuto deixasse de pensar nela. Litros e litros em forma de cerveja, uísque e similares, servidos e sorvidos por ela. Disperso, no trabalho não rendi, em vários momentos, o que podia render. Meu corpo pagou o pato com problemas decorrentes do sofrimento por esse amor. Esse amor que agora morre. Sei que morre. Sinto que morre. Agora boto a cabeça no travesseiro e durmo. Antes, não dormia quando botava a cabeça no travesseiro. Antes, acordava no meio da noite, sobressaltado, pensando nela, como seria viver sem ela. Agora durmo a noite toda, vivendo sem ela. E surpreso percebo que, se levanto para ir ao banheiro, vou como um zumbi e ela não me assalta no trajeto. Antes, quando pulava da cama pela manhã (eu realmente pulava, um tanto assustado, com medo e sem rumo), quando pulava da cama, automaticamente pensava nela. Louco isso, mas minha lucidez ao acordar, estava ligada à loucura daquele amor. Hoje acordo, sento na cama me espreguiço, vou à janela olhar o mar e minha cabeça vaga pelas ondas, pelos surfistas que cedo estão lá riscando a água, pelas pessoas lá na areia desenhando sincronicamente no ar. Só depois ela me vem, com o sentimento de que está indo...
E assim, me curando desse sofrer todo, desse amor que me maltratou tanto, percebo que sinto agora uma dor pela dor que está indo embora. Sinto que a minha amada vai morrendo dentro de mim e que começa a ser passado. Ela, tão presente nos meus dias e que coloquei no meu futuro “pra sempre”, passa a ser, primeiro uma ausência na minha vida vivida; segundo, passa a ser uma ausência no meu pensamento pensado. Enquanto eu a amo, mesmo rompidos, mesmo nem se falando nem se vendo, e mesmo guardando muita mágoa, ela vive em mim, é presença em mim. Amando-a cada dia menos, no lento trabalho do tempo, que como o vento junto às falésias, esfarela, corrói e vai desmoronando tudo, ela vai entrando no meu passado e lá vai ocupando seu espaço dentre tantos amores que acabaram, que morreram de morte morrida ou morte matada. E me percebo incomodado com esse amor que morre. Porque é mais um que morre e porque é esse amor, com toda a sua especialidade, com tua sua loucura, com toda a sua dor. Ela vai saindo de mim, e sinto que sofro por isso. Vai entender!...
Percebo que não sofro só o fim do amor por ela, sofro também o fim do amor, essa coisa estranha, bela e boa de olhar o outro com outro olhar, de sonhar a vida com o outro e para o outro. Percebo que me agarrei à dor para não perdê-la de vez. A dor da separação era a presença da ausência dela. E se agarrar à dor é se agarrar na cauda do amor e não querer que ele vá embora. Não só o amor por ela, mas o amor mesmo, que de tanto ir embora e de tanto vir, como as ondas do mar, vai dando uma sensação de cansaço, de fracasso (então é sempre isso, é sempre assim? Nadar, nadar e morrer na praia? Então a morte é sempre o fim de tudo mesmo?). Não quero saber da minha capacidade inesgotável de amar. Não quero saber que esse amor vai e já existem novos olhares, novos barcos prontos pra singrar o mar e sangrar de novo. Quero um amor pra sempre. E queria esse. Esse mesmo que está morrendo dentro de mim. Sinto que reajo para ela não virar um retrato 3 x 4 na minha vida. A agonia desse amor me agoniza. O vazio que esse amor começa a deixar me impacienta, me esvazia. Porque a ausência dela era minha companheira. Agora nem isso. Agora sou só eu, de novo na estrada, de novo só. Perder a ausência dela, perder a dor por perdê-la é perdê-la uma segunda vez.
Percebo que não quero que esse meu amor morra e se transforme em ex-amor, que deixe a cena da minha vida e vá viver eternamente num canto do camarim, onde jazem como bonecos quebrados os ex-amores. Mas esse amor morre. Sei que morre. Sinto que morre. Adeus noites insones. Adeus copos e garrafas. Adeus dor do desamor. Adeus sua presença. Adeus sua ausência. Adeus tristeza. Que triste isso!







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