terça-feira, 21 de abril de 2009

Com Chet, sofrer é quase um prazer

A madrugada avança, a noite vai se indo. E aí? Não mudou nada. “Inútil dormir que a dor não passa”. Tampouco ficar acordado. Talvez esse seja o momento mais comum aos mortais que gostam de escrever e passam momentos de solidão, dor, tristeza, desespero – desafiar palavras, desafogar palavras, desenterrar palavras que traduzam o interior e enfrentem o exterior. Sinto-me humanamente igual a todos e tantos quantos já enfrentaram essa “insônia do tamanho do mundo”, empunhando palavras ou não. É verdade que nem todos nem tantos partem para essa batalha ouvindo algo como Chet Baker tocando e cantando I fall in love too easily, como faço agora. O que é bom, porque muitos talvez não suportassem. O que também é mau, porque muitos talvez suportassem e partissem para ouvir Chet estraçalhar Misty ou ainda Everything happens to me, na versão mais longa com o quarteto de Charlie Haden. E se chegassem a esse momento atingiriam o nirvana da angústia, quase o prazer do sofrer. E paralelo à grande dor sentiriam, quem sabe, como eu agora, uma profunda piedade dos que dividem essas horas com todo o lixo que se produziu e se produz para cantar e chorar o amor/desamor, a solidão, a tristeza – coisas como Bruno e Marroni, ou mesmo Renato Russo, poetinha menor que escreveu versinhos bobinhos para adolescentes em crise eterna com os pais e o mundo, mesmo passando dos 40. Ah!, licença então: que coisa boa sofrer ouvindo Chet. Sade? Sabe, dá até um orgulho, uma coisa boa mesmo, assim do tipo puxa, pelo menos a indústria cultural e sua cocacolização do mundo, com sua produção em série de mais do mesmo sempre, ainda não me capturou de todo. Daí eu estaria aqui ouvindo um popizinho gravado pelo Latino ou uma versão pseudamente cult de Ivete Sangalo ou Daniela Mercuri, ou... sei lá, são todas iguais - parece que desceram do mesmo caminhão de som ou saíram do mesmo programa dominical. O que quero dizer é que a dor não pode ser a mesma. Quem chora ouvindo “tô fazendo amor com outra pessoa/ mas meu coração vai ser pra sempre teu”, não pode sofrer igual a quem chora escutando “não, solidão, hoje não quero me retocar/nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas/deixo que as águas invadam meu rosto/gosto de me ver chorar/finjo que estão me vendo/eu preciso me mostrar”, do Chico. Quem sofre ouvindo "eu sou dela ela é minha/ e sempre queremos mais/ se me manda ir embora/ eu saio pra fora/ ela chama pra trás", não pode sentir igual ao ouvir "vem me fazer feliz/ porque eu te amo/ você deságua em mim/ e eu oceano/ e esqueço que amar/é quase uma dor", do Djavan.
Sentimento e gosto se educam e nossa juventude, de todas as idades, foi tão educada dentro do igual e do medíocre - que melhor seria dizer tão deseducada -, tão sem ídolos que valham a pena, tão sem referências para tudo que não seja descartável, fútil, que dói vê-los sarados, fashion, bêbados, cantando "um minuto é muito pouco pra poder falar/ a distância entre nós não pode separar" e... se achando. Ei cara!, até pra sofrer existe beleza, até no sofrer existe estética, e a história da arte, desde os gregos, mostra isso.
Estou naqueles momentos em que como disse Drummond, não há nada no mundo que justifique o ponto de exclamação.
Estou mais para Pessoa:

Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...



A beleza toca a dor, que toca Chet, que toca e me toca. Percebo agora que algo mudou, sim. Talvez esse seja o momento que vivo mais incomum aos mortais que gostam de escrever e passam momentos insones de solidão, tristeza, desespero. Sofro quase com gozo. Me vem Leminski: “Um homem com uma dor é muito mais elegante”. Sei que não sou melhor do que ninguém, mas nesse momento, com essa música e com essa dor que carrego, me sinto. Desculpe, amanhã eu volto a me achar o último da fila. Hoje, Chet me deu dignidade e superioridade na dor. Coisa de beleza. Me deu a diferença nesse mundo de iguais. Coisa de sentimento. A melhor arte me deu uma melhor dor. Coisa de Chet.

Um comentário:

Aleta disse...

Zaga eu achava que vc não tinha insônia e que era o super homem disfarçado de Zaga Verde risos... não ligue to com a porra da insônia e amanhã às 6 da matinha tenho que estar em pé ...