“Eu quero mais
é beijar na boca!”, grita um dos muitos clones de cantora de trio
elétrico que infestam nossa mídia e nossas ruas. Faça não. Nesse carnaval não
beije muuuito na boca. De preferência, nem beije. De preferência,
beije a quem você ama, se tiver, mas não o estranho com a alegria
enlatada na mão e os olhos injetados de multidão. Mas de
preferência mesmo, beije você mesmo.
Se você não vai
viajar, então, ótimo. Não diga “que saco! vou ficar na cidade”.
Aproveite para viajar com você, pra dentro de você. Há quanto
tempo você não caminha de mãos dadas com você? Há quanto tempo
não se afaga? Há quanto tempo não se curte e não se encanta com
você mesmo? Há quanto tempo sem tempo pra você? Se não viajar,
navegue pra aquele lugar mais dentro do seu mar e descubra lá longe
suas praias isoladas, suas areias desertas, seus lugares inacessíveis
até mesmo pra você. Tem tanto recanto bonito dentro de você!
Fizeram você acreditar que é igual a todos, igual à massa. Não é!
Você é um ser único, só que talvez nunca tenha se apresentado a
você!
E se for viajar
pra um lugar de muita festa, saia um dia só com você, sem bebida,
sem amigo, sem amor (velho ou novo) e se misture com a massa. Olhe
como as pessoas riem, bebem, pulam, numa corrente elétrica de
alegria e euforia que é da massa, não é de cada um. E que essa
alegria toda te lembre o verso cantado por Frejat “que rir é bom,
mas que rir de tudo é desespero”. Pense naquela “felicidade”
toda ali. Então perceba que todos são um e que cada um é ninguém.
Mas que você está fora disso, você está de fora, olhando os
outros e se percebendo único ali. Ali, só você é você. Escolha
dois que se beijam loucamente. É fácil achar. Eles estão perdidos
ali. Pense que não são eles que se beijam. É a massa que vive
neles que se beija, essa loucura chamada carnaval, que deixou de
emanar do popular, capturada que foi pela mídia e pelas secretarias
de turismo, pra ganhar dinheiro, enlouquecendo o que Freud chamou de
nosso instinto de vida (pra esquecer a morte). E dê um grande beijo
pra dentro de você. Volte pra casa feliz, abraçado com você, ser
único, fora da massa que é um e não é ninguém, repito.
E chegando em
casa, se você estiver com alguém, olhe pra essa pessoa por uns
minutos e pense quem é ela na sua vida. Ela é a sua vida? E se ela
perguntar : “porque você está me olhando?”, responda: “estou
olhando pra mim”. E reflita que você só vive uma vida, pelo menos
aqui por essas bandas terrestres, e que partilhá-la com quem não é
parte de você é assinar o seu atestado de hábito, ou de óbito,
não sei a diferença. Chame o “síndico do seu tédio” e se
reinvente. Pense que é na volta das férias que acontece a maioria
dos rompimentos. Que os cartórios batem os recordes anuais de
pedidos de separação nessa época em que a gente retorna do
convívio com o outro – marido, esposa, namorado, namorada - e
descobre que vive em solidão a dois.
Se ficar em casa,
não ligue a televisão naquela profusão de corpos malhados à
bisturi, de gente que já não tinha mais sua alma e agora não tem
também mais o seu corpo. De preferência não ligue a televisão. De
preferência não ligue nada. Fique no silêncio de você. Faça um
”silêncio do vizinho reclamar”. E se escute. Ouça a música do
seu viver. Suas torneiras, suas chaleiras e panelas, seus ventos na
varanda, seus suspiros. Melhor que a melhor batucada.
Se ficar em casa,
aproveite para ir a uma livraria e escolher um bom livro que não
seja best seller. Esqueça as cabanas da vida, os comer, rezar
e amar e busque um autor que não seja de massa. Não vou sugerir
nomes. Têm muitos. Nem aceite sugestões de vendedor, nem de
ninguém. Arrisque-se e viva momentos bonitos de você mesmo,
descobrindo algo que a mídia não lhe mandou descobrir... e que
você vai amar, até por isso. Você vai se amar se sentindo mais
único do que nunca. E pense no que disse o filósofo alemão Adorno,
“que para algumas pessoas dizer ‘eu’ chega a ser um absurdo”.
Enfim, se algo
assim acontecer com você nesse carnaval, tenha certeza que você fez
um carnaval espetacular. Você foi pierrô e colombina de você
mesmo. Montou um trio elétrico dentro de você. Pulou por dentro.
Sua alma cantou como nunca. Seu coração bateu mais forte que os
tambores. Você fez folia em sua vida. E o ano, enfim, começará
novo pra você. Já os outros, voltarão esgotados e felizes em
bandos de gente, bandos de carros, bandos de ônibus e aviões pra
viverem suas vidas, em bandos. Felizes de alma? Viverem suas vidas
mesmo? Bem, vamos ler tudo de novo!
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