terça-feira, 17 de março de 2009

A faculdade que forma 'universotários' (final)

As universidades, cada vez mais, refletem essa verdade crua do mundo-mercado e cada vez mais, como disse Ciro Marcondes Filho, tendem para o ensino técnico-prático, formando “cada vez mais competências para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica”.
Nossas faculdades são cada vez mais profissionalizantes. Jornalismo, Administração de Empresas, Direito, cada vez mais são cursos técnicos, como Contábeis, Sistemas de Informação, Engenharia… Cursos superiores? Acho um deboche à cultura que a humanidade começou a construir desde 450 a. C. com os gregos, chamar esses cursos todos e todos os outros não citados, de superiores. Superiores a quê? em quê? Ensinam, no máximo, um fazer, uma técnica. Nunca um pensar o fazer. O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, seu atual vice, e também da Academia Nacional de Economia, Antônio Lopes de Sá, perguntado sobre o principal problema dos cursos de Ciências Contábeis, disse: “falta filosofia, psicologia, tem contabilidade demais e cultura de menos”. Lopes de Sá é doutor em Contábeis e doutor em Letras pela London University. Falta pensamento nos nossos cursos, isso que nos faz diferentes das outras espécies, ou pelo menos vinha fazendo nesses últimos séculos. Falta também emoção, falta afetividade nas nossas salas de aula. É claro que isso não falta só na universidade, falta em todas as salas de aula, com exceção das do prezinho. Aliás, já chamamos afetuosamente prezinho, porque ele vem antes da sala de aula propriamente dita, aterradora, castradora. Como lembrou Rubem Alves, estranho que nessa fase do prezinho, as crianças queiram ir para a aula e depois isso se transforma numa coisa enfadonha, triste mesmo. O sociólogo Francisco de Oliveira, tempera esse papo dizendo que “quando uma criança tem medo e não consegue dormir no escuro, nós devemos ir lá e acender a luz”. Nas nossas salas de aula de hoje o ar condicionado está ligado, mas as luzes estão apagadas e nós, professores, não sabemos onde está o interruptor, porque nunca nos disseram e tampouco fomos ensinados a procurar. Podemos até ter a técnica de uma boa aula, dominarmos o power point, mas não nos falaram sobre emoção, fraternidade. E sem isso não existe talento, não existe criatividade. Sem amor ninguém desperta. Na porrada, na cobrança, na competição, no máximo, se assusta. Basta ver a cara de espanto dos jovens tendo que fazer uma faculdade pra não terem futuro nenhum, ou na melhor das hipóteses, ter algum. São empurrados para um tal de empreendedorismo sonhando com concurso público, a única tábua para se agarrar nesse mar de desamor e insegurança. Aristóteles, no Primeiro Livro da Metafísica faz a distinção entre a técnica e saber. A técnica “é o conhecimento do profissional, é o saber fazer baseado na experiência (…) mas não um saber das razões e das causas do que acontece. Esse é o verdadeiro saber”, como explica o semiótico português António Fidalgo. A universidade está subserviente demais. “Diz-me, ó mercado, que tipo de formando quereis e eu te darei”. E Ele - o novo Deus - responde: “Quero gente fria, que saiba fazer e não pense muito, quero gente-máquina, gente técnica que baixe a cabeça e produza e não ouse olhar o resto de nuvem que passeia pelo céu, gente que só pense em comprar uma calça nova, um carro novo, no final do mês”. E o pior - ou melhor de tudo, dependendo do lado que se olha a coisa – é ver que os universitários querem é esse ensino mesmo, embotados que já foram. Talvez seja melhor chamá-los não de “universitários”, mas como Sérgio Augusto em artigo na Bravo, de “universotários”. A universidade cada vez forma mais gente só para produzir e consumir, enfim, viver como máquina. E produzir se conseguir emprego. E consumir se tiver renda. Sonhar, ousar, mudar, isso nunca. Aliás, sonho nesse mundo, só os que a mídia cria, de preferência de consumo. A técnica venceu. O talento e a criatividade perderam. A inteligência e a sensibilidade também. O homem perdeu. O futebol, pelo menos dentro do campo ainda é prova e mostra, de que com talento é muito mais gostoso, é muito mais bonito. É como o sexo com amor. Não há iso, reengenharia, ou coisa que o valha, capaz de criar a emoção dos jogadores se abraçando depois do gol, ou a sensação de um abraço, depois do sexo com amor, ou a beleza de um verso de Pessoa, ou ainda a gratidão alegre por uma mão pousada no ombro em meio ao turbilhão desumano que o ser humano criou no trabalho, nas salas de aula, nos shoppings…. Essas são coisas do outro mundo, não desse mundo técnico-tecnológico, que coloca ferro nos dentes pro sorriso ficar bonito, mas não ensina nem diz do que rir.
A técnica venceu. E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.

4 comentários:

Bruno Mota disse...

Acho que não só eu, mas qualquer um que tenha um pouco de visão de mundo há de concordar com as palavras ditas neste espaço.Bela postagem!
A propósito, sugiro que revise a última palavra do texto.
Abraço!

Anônimo disse...

A última palavra está certa, isso é o que dá não ler o texto todo.
Ele fez um trocadilho de isso com iso, que é um certificado de "qualidade" das empresas!
Capaaaaaa, tu é meu ídolo.

Bruno Mota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno Mota disse...

Bem, quem tem de revisar então sou eu...
a propósito, eu li o texto todo e sei o que é "iso".
Só achei um pouco estranho, por isso falei. De qualquer forma, se a intenção foi essa, me perdoe a interpretação errônea.