Agora que
minha vida enfim, começa a voltar ao normal, depois de 7 meses no limbo, pós
cirurgia e outras feridas, e retorno a correr, quero correr também pelos
pensamentos com você. Quero falar das diferenças de onde se corre. E do prazer
que é correr. E chegar mais uma vez a Deus.
Comecei
correndo pela Oliveira Paiva, uma grande avenida aqui de Fortaleza. Depois
experimentei a Washington Soares, artéria maior ainda, mas que tem pista
central para quem corre, caminha ou anda de bicicleta. Por fim voltei a correr
na praia. E aí seguem minhas filosofadas semióticas.
Correr na
Oliveira Paiva, uma avenida semelhante a tantas do Brasil a fora, é correr na
cidade com o que ela tem de mais cidade, isto é, calçadas irregulares, buracos,
sinaleiras, cruzamentos, carros e carros enfileirados, uns entrando nos postos
pra abastecer, outros saindo; bêbados e pedintes; vendedores de comida de rua,
tapioqueiras... enfim, é a cidade como ela é. A avenida tem vida, tem alma. Mas
tem a marca desse tempo: a pobreza da rua, o luxo e a solidão dos carros, com
gente apressada, atrasada, preocupada, estressada. Sem falar no ar que se
respira. Precisa tanta atenção, e tem tanta distração que desisti.
Mudei. Fui
pro corredor da Washington Soares. Correndo
cedo, passava por um aqui outro ali, gente com fones nos ouvidos e ladeado por
filas intermináveis de carros, mais uma vez com gente apressada, atrasada,
preocupada, estressada, querendo chegar a algum lugar. Mas aquela pista me
pareceu tão fria, me fez sentir tão só. Quando passava um cruzamento olhava
para as pessoas nos carros, presas no ar condicionado e no vidro escuro (a cara
de nossas vidas longe da vida), e ao mesmo tempo que sentia pena delas, me
sentia constrangido. O que pensavam de mim, ali solitário, derretendo, ao invés
de estar junto deles, "correndo" pro trabalho, pra aula, enfim, pra algo
“produtivo”?
Não senti a
alma da cidade, que ficava nas calçadas. Me incomodou. Sem falar no ar, de
novo. Ali também não era lugar.
Por fim,
voltei à correr na praia. Uau! Ufa! Aff! Que diferença!
Pés
descalços na areia, mar rugindo do lado, sol e brisa fazendo dueto no meu
corpo. Algumas pessoas também corriam, e, surpresa!, sorriam, davam “bom dia”. Casais caminhavam de mãos, bandos de
cachorros se exercitavam atrás de peixes jogados fora, milhares de conchinhas saudavam meus passos ...
Ali estava Deus. Ele também estava nas avenidas. Muitos
deviam estar nos seus carros, ouvindo hinos, pastores, padre Marcelo, Reginaldo
Manzotti. Deus era o bêbado caído, aquele homem com uma placa “tô com fome”.
Cristo é o outro. Mas a diferença é que naquela confusão toda, a gente nem nota
isso. É tanta atenção-distração que a gente nem nota a si mesmo.
Correndo sozinho na praia, sentia Cristo
correndo do meu lado. “Bora, cara!”. Olhava o horizonte azul e lá estava Ele.
Extenuado, tomei um banho, me atirei na areia olhando o céu. E lá estava Ele.
Sei que Ele está em todo lugar, mas na maioria dos lugares que construímos (ou
destruímos) é mais difícil encontrá-Lo. Por isso voltei ao mar. Ou o mar voltou
pra mim. Se você corre na cidade, e pode dar um jeito de correr na praia,
faça-o. Mesmo que você só busque saúde, vai ser muito melhor. Mesmo que você
não creia ou não busque Deus, Ele está lá te esperando. Na paz, na brisa, no
rugir das ondas, no infinito do horizonte e do olhar pra cima. E principalmente do olhar pra dentro. Vai ser muito
melhor.
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