sexta-feira, 5 de agosto de 2016

CORRER COM DEUS OU CORRER COM OS HOMENS

Quando passava um cruzamento olhava para as pessoas nos carros, presas no ar condicionado e no vidro escuro (a cara de nossas vidas longe da vida), e ao mesmo tempo que sentia pena delas, me sentia constrangido. O que pensavam de mim, ali solitário, derretendo, ao invés de estar junto deles, "correndo" pro trabalho, pra aula, enfim, pra algo “produtivo”?

Agora que minha vida enfim, começa a voltar ao normal, depois de 7 meses no limbo, pós cirurgia e outras feridas, e retorno a correr, quero correr também pelos pensamentos com você. Quero falar das diferenças de onde se corre. E do prazer que é correr. E chegar mais uma vez a Deus.
Comecei correndo pela Oliveira Paiva, uma grande avenida aqui de Fortaleza. Depois experimentei a Washington Soares, artéria maior ainda, mas que tem pista central para quem corre, caminha ou anda de bicicleta. Por fim voltei a correr na praia. E aí seguem minhas filosofadas semióticas.
Correr na Oliveira Paiva, uma avenida semelhante a tantas do Brasil a fora, é correr na cidade com o que ela tem de mais cidade, isto é, calçadas irregulares, buracos, sinaleiras, cruzamentos, carros e carros enfileirados, uns entrando nos postos pra abastecer, outros saindo; bêbados e pedintes; vendedores de comida de rua, tapioqueiras... enfim, é a cidade como ela é. A avenida tem vida, tem alma. Mas tem a marca desse tempo: a pobreza da rua, o luxo e a solidão dos carros, com gente apressada, atrasada, preocupada, estressada. Sem falar no ar que se respira. Precisa tanta atenção, e tem tanta distração que desisti.
Mudei. Fui pro corredor da  Washington Soares. Correndo cedo, passava por um aqui outro ali, gente com fones nos ouvidos e ladeado por filas intermináveis de carros, mais uma vez com gente apressada, atrasada, preocupada, estressada, querendo chegar a algum lugar. Mas aquela pista me pareceu tão fria, me fez sentir tão só. Quando passava um cruzamento olhava para as pessoas nos carros, presas no ar condicionado e no vidro escuro (a cara de nossas vidas longe da vida), e ao mesmo tempo que sentia pena delas, me sentia constrangido. O que pensavam de mim, ali solitário, derretendo, ao invés de estar junto deles, "correndo" pro trabalho, pra aula, enfim, pra algo “produtivo”?
Não senti a alma da cidade, que ficava nas calçadas. Me incomodou. Sem falar no ar, de novo. Ali também não era lugar.
Por fim, voltei à correr na praia. Uau! Ufa! Aff! Que diferença!
Pés descalços na areia, mar rugindo do lado, sol e brisa fazendo dueto no meu corpo. Algumas pessoas também corriam, e, surpresa!, sorriam,  davam “bom dia”.  Casais caminhavam de mãos, bandos de cachorros se exercitavam atrás de peixes jogados fora, milhares de conchinhas saudavam meus passos ...
Ali estava Deus. Ele também estava nas avenidas. Muitos deviam estar nos seus carros, ouvindo hinos, pastores, padre Marcelo, Reginaldo Manzotti. Deus era o bêbado caído, aquele homem com uma placa “tô com fome”. Cristo é o outro. Mas a diferença é que naquela confusão toda, a gente nem nota isso. É tanta atenção-distração que a gente nem nota a si mesmo.
Correndo sozinho na praia, sentia Cristo correndo do meu lado. “Bora, cara!”. Olhava o horizonte azul e lá estava Ele. Extenuado, tomei um banho, me atirei na areia olhando o céu. E lá estava Ele. Sei que Ele está em todo lugar, mas na maioria dos lugares que construímos (ou destruímos) é mais difícil encontrá-Lo. Por isso voltei ao mar. Ou o mar voltou pra mim. Se você corre na cidade, e pode dar um jeito de correr na praia, faça-o. Mesmo que você só busque saúde, vai ser muito melhor. Mesmo que você não creia ou não busque Deus, Ele está lá te esperando. Na paz, na brisa, no rugir das ondas, no infinito do horizonte e do olhar pra cima. E principalmente do olhar pra dentro. Vai ser muito melhor.

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