"... até a música que são obrigados a consumir, já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética, essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’, uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. "
As
universidades, cada vez mais, refletem essa verdade crua do mundo-mercado e
cada vez mais, como disse Ciro Marcondes Filho, tendem para o ensino
técnico-prático, formando “cada vez mais competências para repassar saberes
específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da
operacionalidade técnica”. Nossas faculdades são cada vez mais
profissionalizantes. Jornalismo, Administração de Empresas, Direito, cada vez
mais são cursos técnicos, como Contábeis, Sistemas de Informação, Engenharia…
Cursos superiores? Acho um deboche à cultura que a humanidade começou a
construir desde 450 a. C. com os gregos, chamar esses cursos todos e todos os
outros não citados, de superiores. Superiores a quê? em quê? Ensinam, no
máximo, um fazer, uma técnica. Nunca um pensar o fazer. O ex-presidente da
Academia Brasileira de Ciências Contábeis e também da Academia Nacional de
Economia, Antônio Lopes de Sá, perguntado sobre o principal problema dos cursos
de Ciências Contábeis, disse: “falta filosofia, psicologia, tem contabilidade
demais e cultura de menos”. Lopes de Sá, era doutor em Contábeis e doutor em
Letras pela London University. Falta pensamento nos nossos cursos, isso que nos
faz diferentes das outras espécies, ou pelo menos vinha fazendo nesses últimos
séculos. Falta também emoção, falta afetividade nas nossas salas de aula. É
claro que isso não falta só nas faculdades, falta em todas as salas de aula,
com exceção das do prezinho. Aliás, já chamamos afetuosamente prezinho, porque
ele vem antes da sala de aula propriamente dita, aterradora, castradora. Como
lembrou Rubem Alves, estranho que nessa fase do prezinho, as crianças queiram
ir para a aula e depois isso se transforma numa coisa enfadonha, triste mesmo.
O sociólogo Francisco de Oliveira, tempera esse papo dizendo que “quando uma
criança tem medo e não consegue dormir no escuro, nós devemos ir lá e acender a
luz”. Nas nossas salas de aula de hoje o ar condicionado está ligado, mas as
luzes estão apagadas e nós, professores, não sabemos onde está o interruptor,
porque nunca nos disseram e tampouco fomos ensinados a procurar. Podemos até
ter a técnica de uma boa aula, dominarmos toda a tecnologia embutida/empurrada goela
abaixo de professores e alunos, mas não nos falaram sobre emoção, fraternidade.
E sem isso não existe talento, não existe criatividade. Sem amor ninguém
desperta. Ninguém desperta sem ser também cutucado, provocado nos porquês. Na
porrada, na cobrança, na competição, no máximo, se assusta. Basta ver a cara de
espanto dos jovens que são empurrados a fazer uma faculdade para, na melhor das
hipóteses, ter algum chance de futuro, incerto e inseguro. São empurrados para
um tal de empreendedorismo sonhando com concurso público, a única tábua para se
agarrar nesse mar de desamor, competição e insegurança. A universidade está
subserviente demais. “Diz-me, ó mercado, que tipo de formando quereis e eu te
darei”. E ele - o novo Deus - responde: “Quero gente fria, que saiba fazer e
não pense muito, quero gente-máquina, gente técnica que baixe a cabeça e
produza e não ouse olhar diferente, fazer perguntas, quero gente que só pense
em comprar uma calça nova, um carro novo, tomar a vodka da moda...”. E o pior -
ou melhor de tudo, dependendo do lado que se olha a coisa – é ver que os
universitários querem é esse ensino mesmo, embotados que já foram. Talvez seja
melhor chamá-los não de “universitários”, mas como Sérgio Augusto em artigo na
Bravo, de “universotários”. Porque até a música que são obrigados a consumir,
já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a
buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa
música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a
bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética,
essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’,
uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino
superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. Chega a doer essa
maldade.
A
universidade cada vez forma mais gente só para produzir e consumir, enfim,
viver como máquina. E produzir se conseguir emprego. E consumir se tiver renda.
Sonhar, ousar, mudar, isso nunca. Aliás, sonho nesse mundo, só os que a mídia
cria, de preferência de consumo. A técnica venceu. O talento e a criatividade
perderam, eles só tem valor se for para o bem do mercado. A inteligência e a
sensibilidade também. O homem perdeu. Não há iso, reengenharia, essa
nova bobagem chamada coaching, ou
coisa que o valha, capaz de criar a emoção de ouvir uma peça de Satie, ler um
poema de Whitman (porque nunca foram apresentados a eles) ou mesmo a gratidão
alegre por uma mão pousada no ombro em meio ao turbilhão desumano que o ser
humano criou no trabalho, nas salas de aula, nos shoppings…coisas de outro
mundo, não desse mundo técnico-tecnológico, frio-interesseiro, que coloca ferro
nos dentes pro sorriso ficar bonito, mas não ensina nem diz do que rir, se não
for produzido pelo Grande Irmão de Orwell, que a Globo debochou criando o ‘Big
Brother’.
E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.
E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.
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