quinta-feira, 11 de agosto de 2016

OS ‘UNIVERSOTÁRIOS’ DA FACULDADE E DA MÚSICA


"... até a música que são obrigados a consumir, já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética, essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’, uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. "


As universidades, cada vez mais, refletem essa verdade crua do mundo-mercado e cada vez mais, como disse Ciro Marcondes Filho, tendem para o ensino técnico-prático, formando “cada vez mais competências para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica”. Nossas faculdades são cada vez mais profissionalizantes. Jornalismo, Administração de Empresas, Direito, cada vez mais são cursos técnicos, como Contábeis, Sistemas de Informação, Engenharia… Cursos superiores? Acho um deboche à cultura que a humanidade começou a construir desde 450 a. C. com os gregos, chamar esses cursos todos e todos os outros não citados, de superiores. Superiores a quê? em quê? Ensinam, no máximo, um fazer, uma técnica. Nunca um pensar o fazer. O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis e também da Academia Nacional de Economia, Antônio Lopes de Sá, perguntado sobre o principal problema dos cursos de Ciências Contábeis, disse: “falta filosofia, psicologia, tem contabilidade demais e cultura de menos”. Lopes de Sá, era doutor em Contábeis e doutor em Letras pela London University. Falta pensamento nos nossos cursos, isso que nos faz diferentes das outras espécies, ou pelo menos vinha fazendo nesses últimos séculos. Falta também emoção, falta afetividade nas nossas salas de aula. É claro que isso não falta só nas faculdades, falta em todas as salas de aula, com exceção das do prezinho. Aliás, já chamamos afetuosamente prezinho, porque ele vem antes da sala de aula propriamente dita, aterradora, castradora. Como lembrou Rubem Alves, estranho que nessa fase do prezinho, as crianças queiram ir para a aula e depois isso se transforma numa coisa enfadonha, triste mesmo. O sociólogo Francisco de Oliveira, tempera esse papo dizendo que “quando uma criança tem medo e não consegue dormir no escuro, nós devemos ir lá e acender a luz”. Nas nossas salas de aula de hoje o ar condicionado está ligado, mas as luzes estão apagadas e nós, professores, não sabemos onde está o interruptor, porque nunca nos disseram e tampouco fomos ensinados a procurar. Podemos até ter a técnica de uma boa aula, dominarmos toda a tecnologia embutida/empurrada goela abaixo de professores e alunos, mas não nos falaram sobre emoção, fraternidade. E sem isso não existe talento, não existe criatividade. Sem amor ninguém desperta. Ninguém desperta sem ser também cutucado, provocado nos porquês. Na porrada, na cobrança, na competição, no máximo, se assusta. Basta ver a cara de espanto dos jovens que são empurrados a fazer uma faculdade para, na melhor das hipóteses, ter algum chance de futuro, incerto e inseguro. São empurrados para um tal de empreendedorismo sonhando com concurso público, a única tábua para se agarrar nesse mar de desamor, competição e insegurança. A universidade está subserviente demais. “Diz-me, ó mercado, que tipo de formando quereis e eu te darei”. E ele - o novo Deus - responde: “Quero gente fria, que saiba fazer e não pense muito, quero gente-máquina, gente técnica que baixe a cabeça e produza e não ouse olhar diferente, fazer perguntas, quero gente que só pense em comprar uma calça nova, um carro novo, tomar a vodka da moda...”. E o pior - ou melhor de tudo, dependendo do lado que se olha a coisa – é ver que os universitários querem é esse ensino mesmo, embotados que já foram. Talvez seja melhor chamá-los não de “universitários”, mas como Sérgio Augusto em artigo na Bravo, de “universotários”. Porque até a música que são obrigados a consumir, já que não lhes é dada outra alternativa e também porque não foram ensinados a buscar, até a música, repito, é chamada de ‘sertanejo universitário’. Ora, essa música pobre, todas iguais saídas da mesma forma, de letras que incentivam a bebedeira e a putaria, ou choram o chifre e o desamor, numa pobreza poética, essa sim, de fazer chorar, não é sertaneja e muito menos deveria se chamar de ‘universitária’, uma ofensa a quem busca crescer, mesmo que seja nesse engodo que hoje é o ensino superior. Esperteza do mercado: se é universitário, é melhor. Chega a doer essa maldade.

A universidade cada vez forma mais gente só para produzir e consumir, enfim, viver como máquina. E produzir se conseguir emprego. E consumir se tiver renda. Sonhar, ousar, mudar, isso nunca. Aliás, sonho nesse mundo, só os que a mídia cria, de preferência de consumo. A técnica venceu. O talento e a criatividade perderam, eles só tem valor se for para o bem do mercado. A inteligência e a sensibilidade também. O homem perdeu. Não há iso, reengenharia, essa nova bobagem chamada coaching, ou coisa que o valha, capaz de criar a emoção de ouvir uma peça de Satie, ler um poema de Whitman (porque nunca foram apresentados a eles) ou mesmo a gratidão alegre por uma mão pousada no ombro em meio ao turbilhão desumano que o ser humano criou no trabalho, nas salas de aula, nos shoppings…coisas de outro mundo, não desse mundo técnico-tecnológico, frio-interesseiro, que coloca ferro nos dentes pro sorriso ficar bonito, mas não ensina nem diz do que rir, se não for produzido pelo Grande Irmão de Orwell, que a Globo debochou criando o ‘Big Brother’.
 E o homem pensa que está ganhando o jogo. Ele está qualquer coisa, menos iso.



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