na primeira cama Carlos, 48
anos, uiva pela mãe
e grita, sem parar:
'eu quero cagar!!'
comove a dignidade humana:
amarrado, de fraldas, não
quer fazer na cama
pura chaga, devorado pela
hemodiáilse
e pela diabetes
ele repete
como um conta gotas
seus uivos de dor arrepiantes;
na segunda cama
Francisco, 74 anos, três avecês, se abana
e me olha com olho de quem não vê
não fala, não existe mais...
na terceira, um anjo de 92
anos, 38 quilos,
enche os pulmões de ar
pelas últimas vezes,
teimando.
em cada um vejo um Cristo
uma cruz cruzando
a realidade de um quarto do
SUS
a luta e a busca pela vida
é a realidade da vida lá fora
agonizantes, zonzos, corremos
atrás do que nos mandaram correr,
também queremos
vida (mas qual?), agora
que cada dia, sem aviso, vai indo embora
que a cada dia, sem aviso,
vamos botando fora
correndo pra longe de nós...
a dignidade de Carlos bate na minha cara.
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