quinta-feira, 31 de março de 2016

PRU ZÉ


sentado na calçada
vê quase nada
deitado na rede
olha parede
no ouvido
pouco sentido
que tanta batalha vencida
nessa guerra pela vida
que tanto mais lhe diz não
mas resiste o coração
vencer na vida é vencer a sorte
é vencer a morte
e vencer a morte ele sabe como é
porque ele é Zé
já venceu tantas vezes
q a própria morte pede arrego!

Ele não pode ser o pai q queria. Não pode ser o esposo que queria. Não pode ser o chefe de família q queria. Ele não pode ir trabalhar todo dia. Ele não teve nem o direito de sonhar, a não ser o sonho de viver cada dia. Porque todo dia ele tinha que vencer a vida, derrotar a morte.

Quem passa por aquela casa simples de uma rua da periferia, uma casa como todas da periferia, com obras sempre por fazer, aquelas paredes sem reboco, e que lembram a canção de Vinícius Moraes: "são casas simples com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima q é um lar”; quem passa por aquela casa simples de uma rua da periferia, vê todos os dias, por horas e horas aquele homem sentado ali contemplando a vida q passa e a paisagem humilde. O nome dele é Zé.
Ar cansado, vista fraca, ouvido mouco, corpo roto, um celularzinho pré-histórico, elo com o mundo, q dentro do ouvido ele ouve... Quem passa ali não sabe nada daquela vida. É apenas um velho sentado na calçada. Mas nós somos asssim mesmo, passamos pela vida e esquecemos de olhar a vida, as vezes até esquecemos de vivê-la, é ela q passa por nós. Mas se alguém sentasse com Zé, e ouvisse sua história... ah, quanta coisa saberia e aprenderia. Saberia que ali não está um derrotado, pobre velho cansado, sentado numa calçada na periferia, olhando a vida passar. Ali está um vencedor. Saberia q há uma grande diferença em vencer na vida e vencer a vida. E saberia q Zé venceu as duas. Saberia, sabendo a história de Zé, q vencer na vida não é ganhar dinheiro, ter sucesso. Vencer na vida é construir laços, preservar raízes, origens, ser digno, ser querido, ter uma família onde o amor e a luta (pela vida e pela união) dizem presente todo dia. Vencer na vida não é bater continência pro sistema, pra fila do banco (porque tem dinheiro lá), pro engarrafamento (porque tem carro ali), enfim, vencer na vida é o q Zé fez, apesar de toda roda viva q viveu e vive. E saberia q vencer a vida é ainda mais importante. Porque ela te desafia todo dia, e esse desafio é a morte. Vencer a vida é uma metáfora para o vencer a morte. Porque sabemos que death always wins, ou se preferirem Mors omni aetate communis est (a morte não poupa ninguém).
Quantas vezes por dia vc escapa de morrer? Na verdade, vencer a vida é derrotar a morte todo dia, ou melhor, adiá-la. E Zé já recebeu tantas vezes essa visita na sala de espera do seu coração, q ela cansou de esperar e entrou na fila de novo e de novo e de novo.
Ele não pode ser o pai q queria. Não pode ser o esposo que queria. Não pode ser o chefe de família q queria. Ele não pode ir trabalhar todo dia. Ele não teve nem o direito de sonhar, a não ser o sonho de viver cada dia. Porque todo dia ele tinha que vencer a vida, derrotar a morte.
Mas se alguém sentasse com Zé, naquela calçada, aprenderia q está diante de um vencedor. Quase cego, quase surdo, cardíaco, transplantado e ali, vivo, vendo a vida dos outros, q não teve. E não pense q ele é amargurado, infeliz. Uma festa em família se divide em uma festa com Zé, outra sem Zé. Como disse Shinyashiki “o sucesso é ser feliz”. E Zé do jeito dele é feliz, porque está vivo, e isso é uma celebração no seu cansado coração. Ele bate na cara de todos nós, q só nos queixamos e reclamamos da vida dura. Vida dura foi e é a de Zé. Aquele homem de ar cansado, vista fraca, ouvido mouco, corpo roto, é um canto à vida, naquele canto do mundo. Zé vencedor.

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