"... hoje percebo que o mato nunca saiu de mim. Eu q o traí por aí, pelas avenidas enfumaçadas, pelas batidas de copos e garrafas cheios de solidão em burburinhos de gente buscando sabe lá o q: um amor, um abraço, um papo, uma trepada, só um porre..."
Hoje saí cedo a caminhar pelas
estradinhas, campos e matos. O dia raiava lindo. O sol se insinuando
entre as árvores q acordavam da lua linda da noite passada. Sem
ronco de motores, buzinas, gritos. Só meus passos, a passarada
anunciando o dia, o burburinho de um riachinho aqui e ali. A neblina
q se esvaía convencida pelo sol a virar núvem. Me chamavam a
atenção as estradinhas laterais, os caminhos em meio ao mato,
trilhinhos por onde passa uma criatura a cada quatro dias, por onde
passa mais bicho q gente. Fquei pensando pra onde vão esses
caminhozinhos, quem anda por ali, Senhor?
Caminhava ali sozinho, sem
medo, sem dor, numa paz de chamar um terapeuta... Minha alma vagava,
nem era eu, esse corpo machucado pelo calendário, esse coração
roto. Até conversei com Deus e Santa Teresinha, q tenho certeza,
caminhava do meu lado. Tomei água de um fio cristalino q sulcava
fininho o chão. Pensei: vou chegar em casa e escrever uma coisa bem
lírica, falando desse momento no mato, q hoje percebo, nunca saiu de
mim. Eu q o traí por aí, pelas avenidas enfumaçadas, pelas batidas
de copos e garrafas cheios de solidão em burburinhos de gente
buscando sabe lá o q: um amor, um abraço, um papo, uma trepada, só
um porre... Pensei: vou chegar em casa e escrever sobre isso de estar
só na manhã q nasce e me renasce, olhando as florezinhas q ninguém
vê, a magnitude de uma teia de aranha entre dois fios de cerca:
nossa!, q trabalho maravilhoso esse bichinho faz; olhando as gotas de
orvalho q balançam no arame divididas entre o sol e a terra...
Mas cheguei em casa, liguei a tv
e o Brasil explodia em raiva, gritos, protestos. Gente agitada,
polícia, bombas. Lembrei dos minutos atrás q vivi no mato, e
pensei: "essa selva aqui não vai derrubar meu mato". Mas
como Capaverde, o Brasil pegando fogo e tu vais escrever sobre
gotinhas de orvalho e trilhinhos no meio do mato? Pois é, talvez
seja isso q esteja faltando na selva de nossas ruas e corações,
corpos com tanto gozo e almas com tanta busca. Pois vim escrever
isso, q vc nem leu até aqui, e se tá lendo tá achando bobinho.
Pois saiba q me fez tão bem, nessa orgia q vivemos, eu me sentir por
um tempo fora dela. E foi tão bom escrever isso ouvindo Chet Baker e
Bill Evans nas suas lendárias sessões juntos, música de dois
doidos, viciados, perturbados, mas q quando tocavam, parecia q recém
tinham saído do mato, tanta paz e beleza. E depois, me desculpe,
escrevi pra mim. Se vc gostou, q bom. Toquei um pouquinho tua alma,
certamente também tão sedenta de água da fonte. Sei q a zorra vai
voltar pra mim, pq sou engajado, pq quero mudar o mundo. Mas nunca
esquecerei do que vi e senti hoje de manhã no mato. E jurei q nunca
mais vou deixá-lo sair de mim. Ou melhor, nunca mais vou traí-lo,
eu q já traí tanto a tudo e, principalmente, a mim. Mim mato.
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