terça-feira, 22 de março de 2016

ZECA BALEIRO E OS OUTUNOS


"E vendo as flores aqui, q há três dias saudavam alegres o sol e agora murcham e começam a despencar, e as folhas amarelando, me comovo com esse espetáculo tão pequeno, tão imperceptível quase - e para maioria das pessoas é mesmo imperceptível - de execução da vida. Execução não no sentido de morte, mas no de algo q acontece, que se faz. "

Como diria Zeca Balero, hoje acordei com vontade de mandar flores ao delegado. Acho q a chegada do outuno mexeu comigo, afinal é a minha estação, porque é no outuno que estou. Meu inverno anda está um tanto longe, mas a minha primavera já passou faz tempo. E vendo as flores aqui, q há três dias saudavam alegres o sol e agora murcham e começam a despencar, e as folhas amarlando, me comovo com esse espetáculo tão pequeno, tão imperceptível quase - e para maioria das pessoas é mesmo imperceptível - de execução da vida. Execução não no sentido de morte, mas no de algo q acontece, que se faz.
Vendo meus filhos crescerem com todos os sonhos do mundo, embalados, em plena primavera, por corpos saudáveis, bonitos, cheios de energia, eu acho lindo, mas, por outro lado, me sinto ótimo começando meu outono.
Digo sempre q estou adorando ficar velho, porque cada vez me convenço da correção do ditado q diz q “o diabo sabe mais por velho q por diabo”. Acho linda a infância, mas não a vejo com toda essa poesia q colocam nela. Crianças têm medo demais, de tudo, fantasiam pro bom e pro ruim, veem príncipes e super heróis, mas também veem monstros demais, escuros demais. Têm medo de dormir sozinhas.
E a juventude, bem, essa, passada a minha e contemplando a dos outros, vejo quase como um se botar fora, um se perder de si mesmo, vivendo na tribo como o cacique manda, seguindo as ordens do pajé e fazendo a dança da chuva, q nunca chove. E lembro Rachel de Queiroz :
Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo.”
E quando ela fala da morte, embora ela estivesse já no inverno, quando escreveu:
E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos. Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e da cada porto nos manda um cartão postal, para indicar q já embarcou”.
Vc jovem q me lê deve tá pensando "cara chato q se acha". Mas não sou chato não, apenas estou sentindo a chegada do outono, no tempo da terra e no tempo da minha vida, e tô curtindo. É bom saber q ainda tem bastante q viver, não como vc jovem, mas é muito bom q também já vivi muito. Q vivi o sonho hippie, q vivi Beatles, 64, q descobri Beethoven... fora o q amei, sofri, sorri, gozei. Acho maravilhoso o título do livro "Confesso q vivi", de Pablo Neruda, poeta chileno, q inspirou o belíssimo filme o "O Carteiro e o Poeta", de Michaell Radford. Quero, "quando a indesejada das gentes chegar", como poetou Manuel Bandeira, poder repetir essa frase de Neruda, ou pelo menos um "valeu , Senhor, obrigado, tô pronto, partamos pra grande viagem".

Agora mesmo q vc tá me achando um chato, creio. "O cara só fala coisa velha, Beatles, Beethoven, 64, esse Neruda aí, esse filme q deve ser preto e branco". Mas sou chato, não. É coisa dos outonos. É a soma das outras estações q vivi. E tô adorando. E pra piorar ainda seu conceito sobre mim, estou escrevendo isso ouvindo uma sonata de Bach. Coisa de mim, com coisa de outonos. Desculpe. Vou mandar flores pro delegado.

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