segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Natal, shopping e Cristo (ou "Comprai-vos uns aos outros")

Se um grego viajasse no tempo e caísse num shopping, ele se sentiria extremamente feliz. Ainda mais se fosse nessa época natalina. Ao ver aqueles milhares de produtos à venda, e vendo aquelas pessoas se batendo desesperadamente, correndo atrás de presentes, bens materiais, para si ou para os outros, ele bateria no peito e diria para si mesmo, orgulhoso: “Como eu sou livre, como eu não preciso de nada disso!” Já os livres homens e mulheres de hoje, olhando tudo aquilo de cima, diriam: “Meu Deus! Como eu sou infeliz, eu queria comprar tudo isso!” É, o homo consumens é de outra ordem, de outro planeta – o planeta onde você pra mostrar que gosta de alguém tem que dar um presente, algo que materialize seu afeto, seu amor. Só palavra, só gesto não vale. E quanto mais caro o presente mais seu sentimento é mostrado. Não dar nada para alguém próximo, nem uma lembrancinha, equivale a dizer “você não é importante pra mim”. E isso justamente na data em que se comemora o nascimento do sujeito que pregou que a matéria, a riqueza, não são importantes; justo o cara que escolheu os lascados, os que não tinham como comprar presentes, para dentre eles fomentar sua fé, fazer sua pregação de um outro mundo aqui e agora, um mundo onde o amor era o valor mais alto.
Imagino Cristo chegando num shopping hoje. E imagino que, tal como fez a frente do templo de Jerusalém, onde os vendilhões vendiam tudo, bois, pombas, e agiotas trocavam siclos judaicos por dracmas gregas e denários romanos, Ele começaria a derrubar as prateleiras. Lá, dois mil e nove anos atrás, Ele gritou: “ Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio". E aqui talvez gritasse: “Pai, eles fizeram tudo ao contrário do que eu disse. Dêem-se uns aos outros em alma e coração e não pedaços de matéria, não em dinheiro”. Sem dúvida, a competente segurança do shopping trataria logo de segurar e prender esse baderneiro que ousava perturbar as compras dos cristãos e ofender o mais puro espírito natalino.
Não sou cristão fervoroso, esclareça-se, mas acho a mensagem de Cristo a mais linda, audaciosa e perfeita que alguém já fez aqui pelo planetinha azul. E fico com pena das criaturas que se acotovelam, se esfalfam, se estressam para mostrar seu amor... com coisas que falem por elas. Passeio pelo shopping e vejo balconistas verdes, com olheiras que me lembram Zé Colmeia, com seus sorrisos entre o cansado e o forçado, cultivando em pé suas varizes e vendo em cada pessoa que entra na loja apenas um percentual no fim do mês. É o Natal cristão! Vejo casais esbaforidos, estressados, divididos entre não perder os filhos, não bater as sacolas e decidir os últimos – ufa! – presentes. Vejo as pessoas verem o outro apenas como uma coisa que lhe atrapalha andar mais rápido e encerrar logo as compras. É o Natal cristão! Vejo uma multidão perdida entre cuecas e meias, livros e CDs, panetones e perus. Enquanto isso o amor despojado jaz atirado numa prateleira poeirenta. Enquanto isso, o abraço sincero, o beijo limpo que traduz o melhor sentimento, a palavra pura que traduz a verdadeira emoção, jazem no fundo de cada um. E o camarada aquele de quem se comemora o nascimento, jaz atirado no esquecimento de uma gente que precisa gastar, precisa comprar pra dar provas de amor; uma gente que tem a vitrine como altar, no dinheiro sua benção e no shopping seu novo templo, sua nova igreja. “Comprai-vos uns aos outros”, não foi o que Ele disse? Oremos, então. Ou melhor, compremos!

3 comentários:

Unknown disse...

Capaverde! E aí, como que está?!
Vou pra arquitetura, professor. Prox. semestre, começo, mas o jornalismo é uma paixao minha.

Ei, leio aqui sempre. Seu jeito nu e cru de nos mostrar as coisas vicia

beijo!
Isabelle

Joabes Guedes disse...

Manero!!!!

Hérika disse...

O que temos de melhor, graças à Deus não está à venda, mas é uma pena que nem todo mundo saiba disso.
Um xêro enorme!Saudades de você.