Os homens que me
perdoem, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores.
Falo no geral. Na questão particular da sensualidade e da
sexualidade, então, lembro Chico Anísio: “mulher é um negócio
tão bom, que elas mesmas estão descobrindo isso”. Não quero
polemizar, até porque meu lado mulher é superdesenvolvido, graças
a Deus e à minha mãe – artista plástica, professora de artes e
amante da música e da poesia. Assim, amo a alma feminina (e seu
invólucro) e penso que as mulheres são essenciais, que as mulheres
são melhores. Um show de Maria Gadú, que assisti em Fortaleza, foi
mais uma prova. Gadú é sensacional, um espetáculo de intérprete,
um timbre maravilhoso, que aos 21 deixou de boca aberta quem ama
música nesse país. E até hoje hipnotiza teatros e bares com seu
jeito tímido, meigo e de moleque. É moleque mesmo, porque quando
ela entrou no palco, com o cabelo escondido num boné, óculos
escuros, camisetão, jeans e tênis tipo all star, a impressão
que tive foi de que entrava um garoto skaitista, um moleque, não
uma moleca. Isso faz parte do fascínio que ela exerce sobre a
mulherada.
Não vem ao caso a questão da sexualidade da Gadú.
Tampouco da plateia. O fato é que 70% do público era feminino e o
show não teria sido a maravilha que foi, não fosse a presença
maciça das mulheres, porque elas são essências, elas são
melhores, porque a alma delas está degraus acima da alma de nós,
homens. Se a maioria fosse de homens o show teria sido outra coisa,
obviamente muito mais sem graça, porque somos mortos por natureza e
se não formos motivados por sexo e cachaça a coisa não anda.
Produzidas e perfumadas femininamente, as garotas amam a Maria Gadú
moleque, moleca, mas meiga, muito meiga; e tímida. Elas cantaram
juntas todas as músicas, o que deve ter surpreendido aqueles que
foram lá conhecer a revelação musical de 2009 pelo júri da
Associação Paulista de Críticos de Arte, com apenas 22 anos.
Aí
fico pensando pela luta das mulheres para serem iguais aos homens.
Desculpe, mas querem ficar piores. Querem ser chefe igual, fumar
igual, beber igual, transar igual, ser predadoras igual, viver igual
e morrer igual, dos mesmos cânceres, dos mesmos ataques cardíacos,
e dos mesmos avecês. E somos tão diferentes! A história recente da
humanidade, leia-se a partir da modernidade, é a história da
razão, e a razão tem pinto, é fálica. Porque razão é coisa de
homem, é coisa maior; e emoção é coisa de mulher, coisa menor.
Homem é pensamento, mais importante – quase toda a importância -
mulher é sentimento, desimportante. Por obra e graça de Descartes
que disse o famoso “penso ,logo existo” e depois do Iluminismo e
seu empenho pelo desencantamento do mundo através da dissolução
dos mitos, crenças, superstições, e também da imaginação, o que
construímos foi esse fracasso – um mundo insosso, injusto,
machista, anti-mulher, anti-poesia, anti-beleza. Construímos um
mundo capenga, mutilado, onde um lado, o lado da mulher, sua
essência, e tudo que lhe é cabível e atribuído ficou como menor;
e o outro, o lado do homem, ficou como maior. Foi a vitória da
denotação fria e direta, sobre a conotação rica e subjetiva. Foi
a vitória da reta sobre a curva. Foi a vitória da matemática sobre
as artes. Da cientificidade e do culto à tecnologia sobre a mística
e a poesia. Foi a vitória do homem que não chora sobre a
emotividade.
Enfim, Deus criou o homem e este criou um mundo macho. E
agora as mulheres, que são tão melhores, tão mais sensíveis, por
essência, tão mais estetas e estéticas, querem esse mundo pra
elas. Se pensarmos que a metade dominada, melhor na essência, adota
o modelo da metade dominadora, pior por excelência, cabe perguntar:
que ser vai sair daí? Quem viver verá. Agora a fase é de
transmutação e de confusão. As publicidades e reportagens da mídia
no Dia Internacional da Mulher, mostram bem isso. Ora a mulher é
homenageada como mãe, esposa e dona da vida, um modelo antigo e
ligado à dominação; ora como executiva, mulher que trabalha e
constrói carreira de sucesso, um modelo moderno, mas masculino,
porque a única referência é o mundo fálico.
Mas
que igualdade é essa? Fromm vai dizer que é a “igualdade dos
autômatos, dos (...) que perderam sua individualidade”. Buscamos a
igualdade em vez da unidade. “É a mesmice dos que trabalham nos
mesmos serviços, têm as mesmas diversões, leem os mesmos jornais,
experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas ideias”. Essa tal
igualdade bem poderia ser chamada de padronização. Querendo essa
igualdade em vez da unidade, “homens e mulheres deixam de ser polos
opostos para serem os mesmos polos”.
Mas
a esperança ressurge quando assisto um show como o de Maria Gadú.
Porque a diferença da essência parece estar preservada. E se as
mulheres conseguirem comandar o mundo, o que me é inexorável,
poderemos realmente viver num novo planeta, com mais boniteza, mais
emoção, um planeta mais metafórico, transcendental, justo e meigo,
enfim. Mas para isso é preciso que essa transmutação não esmague
a diferença, não sufoque a essência do ser feminino. Se a essência
permanecer, como deve permanecer, teremos os homens buscando imitar
as mulheres e teremos um Iluminismo às avessas, com um novo
encantamento do mundo, no melhor sentido, um “engraçamento” do
mundo. E lembrando Pepeu Gomes se “ser um homem feminino, não
fere o meu lado masculino”, espero que sendo mulheres masculinas,
elas não firam nem mutilem o seu lado feminino. Aí terá valido
toda essa zorra da sociedade capitalista contemporânea confundindo
igualdade com unidade, garrafas e camas com liberdade, polos opostos
com polos iguais, individualismo e quantidade com felicidade. Se a
nova mulher ajudar a desconstruir esse velho e mutilado ser humano
que somos todos, e ajudar a construir um novo ser, hibridizando,
fazendo um mix do melhor dos dois lados, com uma puxadinha maior pro
lado dela, terá valido a pena toda essa zorra agora. Parodiando
Maria Gadú na obra-prima Altar Particular, estamos “com
tudo a flutuar no rio, esperando a resposta” do tempo. Por tudo,
então, os homens que me perdoem, repito, mas as mulheres são
essenciais, as mulheres são melhores.
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