quinta-feira, 21 de abril de 2016

O MEDO DE AMAR II


O filme Eu odeio Dia dos Namorados, uma comédia romântica de Nia Vardalos, lançada há alguns anos, mostra um quadro interessante para esse papo sobre nosso medo de amar. Genevieve é uma florista que não quer envolvimento. Todos os seus relacionamentos não passam do quinto encontro, para evitar que surja o amor e, daí, sofrimento. Ela jura que assim é feliz. Até, claro, que aparece um bonitão que a faz querer o sexto encontro, o sétimo... E ele para no quinto, conforme o combinado. Só então ela descobre que não queria amar para não sofrer o que sua mãe sofrera com as traições de seu pai. Ela diz para si mesma: “nenhum homem vai me fazer sofrer como mamãe sofreu”.
Voltando à vida vivida, Fernando amou muito Raquel e quebrou a cara. Romântico e apaixonado, era do tipo que ainda manda flores, estende tapetes com toalhas para seu amor sair do banho, compra até algodão doce e maçã do amor. Pessoas assim, geralmente encontram pessoas não-assim. Resultado: agora ele foge do amor. Só ‘fica’, e jura que é feliz com essa “solidão de mão em mão”, como toca uma música por aí. Se ele continuasse a buscar a mulher para viver um grande amor, talvez no próximo se desse pior ainda. E no terceiro encontrasse alguém que curtisse flores, tapetes...
Enfim, o ponto. Morremos de medo de amar. E os motivos são vários, como vimos. Podem vir isolados, ou misturados. Resumindo, não queremos amar porque já sofremos muito por amor e assim, acovardados, perdemos o melhor da festa, como Fernando. Também não queremos amar, embora na maioria das vezes nem tenhamos consciência disso, porque nossas histórias familiares contam com perdas, rupturas e ‘faltas’ de amor, tal como Joana. Se não tive amor quando criança, como vou lidar com esse sentimento agora que cresci, pelo menos por fora? Se nunca andei de bicicleta antes, como vou saber andar de bicicleta agora? Logo, passo a não gostar de bicicleta, tiro-a da minha vida. E também não queremos amar porque, esse tempo egoísta, narcisista, individualista que vivemos, nos grita que o grande barato é a emoção, a intensidade das paixonites, a quantidade dos “ficares”, das gozadas, sem alma no meio, assim meio como a Genevieve do filme ali atrás. Amores líquidos, como definiu Bauman no livro com esse nome. E como ele escreveu: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.

O filósofo francês Michel Lacroix, em O culto da emoção, nos alerta que vivemos a era do grito e não do suspiro, da emoção-choque e não da contemplação. Buscamos, desesperadamente, viver emoções, seja nos filmes violentos, nos esportes radicais, nos relacionamentos tão loucos e intensos quanto rápidos.. . que acabamos ficando insensíveis. Mais ou menos como o astronauta que voando a milhares de quilômetros por hora tem a sensação de estar parado. Não amando, seja por qual motivo for, e vivendo uma vida covarde, mutante, cheia de emoções baratas e baldias, cama em cama, bar em bar, corpo em corpo – e pretensamente feliz - parecemos com o camarada que diante de um banquete, se empanturra com as entradas e não chega ao prato principal. No máximo vai beliscar a sobremesa.

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